Rota de contrabando devido à região de fronteira com o Paraguai, o Paraná é um dos estados do Brasil que mais perde receita por causa do comércio de cigarros ilegais. Somente em 2018, segundo levantamento do Ibope, a lacuna na arrecadação do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) aos cofres do estado foi de aproximadamente R$ 292 milhões, e isso frente a um mercado que movimenta R$ 549 milhões ao ano.
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A pesquisa aponta ainda que 59% de todos produtos vendidos em território paranaense têm origem ilícita (o maior percentual já registrado), tanto que as duas marcas mais consumidas na região -- Classic, que detém uma fatia de 34%, e Eight, que tem 11% -- são paraguaias.
O problema aumenta de tamanho quando analisado à luz da economia. Embora o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro tenha registrado alta de 0,5% em maio de 2019 na comparação com abril, essa leve reação vem depois de três quedas mensais seguidas, de acordo com o Monitor do PIB, divulgado nesta quarta-feira (17) pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). Além disso, no período março-abril-maio, houve recuo de 0,8% em relação ao trimestre anterior.
No Paraná, os primeiros três meses de 2019 terminaram com retração de 1,6% diante do último trimestre de 2018, conforme o Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes). "É claro que esse dinheiro faria diferença", ressalta Edson Vismona, presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco).
"Além de não ir para as mãos do crime organizado, que é financiado por esse mercado, esses quase R$ 300 milhões poderiam ter sido investidos em setores como Segurança Pública, por exemplo, em ações de redução do alcance do contrabando, ou na Saúde, para melhorar o atendimento a quem está tratando os danos causados pelo tabagismo, entre outras coisas, ou ainda na Educação, em campanhas antifumo nas escolas", diz.
Vismona afirma que, não bastassem os números, há outros aspectos com que se preocupar. "Precisamos de uma grande articulação entre Poder Público, incluindo as forças de segurança, além de empresas, indústrias e entidades da sociedade civil organizada para combater o problema em todas as suas frentes". Ele fala em políticas de conscientização da população e de valorização de quem opera dentro da lei. "Porque o comércio ilícito de cigarros também alimenta a corrupção e sustenta as quadrilhas de traficantes de drogas, armas e munições, mas ele só existe porque atende a uma demanda".
Adicionalmente, a pesquisa Ibope Pack Swap revela que, pela primeira vez desde 2011, a arrecadação de impostos no país (R$ 11,4 bilhões) em 2018 foi menor do que a evasão (R$ 11,5 bilhões). Para o chefe do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), José Guilherme Silva Vieira, assim como o Brasil, o aumento do contrabando dá pistas do empobrecimento da população. "As pessoas não deixam de fumar quando têm menos dinheiro, elas buscam opções mais baratas; um prato cheio para o comércio informal".
Segundo ele, uma questão óbvia de mercado. "Quando o tomate está caro, as famílias mudam o cardápio, mas essa regra não vale quando o assunto é o tabagismo porque quem é fumante não deixa de consumir aquilo, só vai atrás de alternativas que caibam no bolso".
O contrabando nas cidades paranaenses
Estimativas da indústria sobre o aumento do mercado ilegal de cigarros entre os anos de 2014 e 2017 indicam que 70% desse fluxo ficou concentrada em apenas 10 cidades do estado. São elas: Curitiba; Paranaguá, no litoral; Londrina, na região norte; São José dos Pinhais, na região metropolitana da capital; Maringá, no setor noroeste; Pinhais, Colombo e Araucária, ainda na Grande Curitiba, Guarapuava, no centro do Paraná; e Cascavel, também no oeste.
Os dados têm como base as apreensões de mercadorias ilícitas. "Justamente porque estamos tratando do comércio informal, os números precisam ser avaliados sempre com cautela e como ponto de partida, porque o cenário real tende a ser muito pior", argumenta Vieira.
BRASIL - A pesquisa foi realizada em 208 cidades brasileiras com o recolhimento. Ao todo, 8.266 pessoas com idades entre 18 e 64 anos foram ouvidas. O levantamento mostra que, de todo o volume de cigarros vendidos ao longo do ano passado no país, 54% tinham origem ilegal - crescimento de 6% em relação a 2017. Desse total, 50% eram marcas paraguaias e, o restante, produtos de empresas que operam irregularmente no Brasil.
O que fazer então?
Em março deste ano, o Ministério da Justiça e Segurança Pública publicou uma portaria que cria um grupo de trabalho com membros das polícias Federal e Rodoviária Federal, do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), da Secretaria Nacional de Segurança Pública, do Departamento de Recuperação de Ativos e das polícias Civil e Militar do estado, que são órgãos envolvidos nas operações de ataque ao contrabando e ao descaminho. "A ideia é instalar um Centro Integrado de Operações de Fronteira em Foz do Iguaçu, na fronteira do Brasil com a Argentina e o Paraguai - porta de entrada de boa parte do contrabando no país. Esse foi um passo importante, mas só um entre muitos outros que precisam ser dados", pontua Edson Vismona.
O apoio do governo paraguaio, nesse sentido, faria toda a diferença. "No Paraguai, a tributação sobre os cigarros é de 18%, a menor da América Latina. No Brasil, é de 71%, em média, mas há estados onde a carga é de 90%. É claro que o produto ilegal acaba sendo mais atrativo, mesmo sem as pessoas saberem ao certo o que há dentro desses cigarros", enfatiza Vismona. Em média, segundo ele, uma carteira de cigarros produzida em território nacional custa R$ 7, considerando a legislação que fixa o valor mínimo em R$ 5 como tentativa de enfraquecer o consumo. "Lá custa R$ 3. É menos da metade".
Questionado sobre iniciativas no país vizinho voltadas ao aumento na tributação, o presidente do Etco conta que, no geral, a discussão em torno do assunto enfrenta muita resistência por lá. "Havia uma iniciativa nesse sentido tramitando no Senado paraguaio no mês passado, por exemplo, foi a mais recente, mas essas propostas nunca avançam".
José Guilherme Silva Vieira, por sua vez, defende que a fiscalização até ajuda, mas que essa é uma tarefa muito difícil. "As fronteiras do Brasil, um país com dimensões continentais, são imensas. Em um mundo ideal, teríamos mais segurança nessas áreas, e também uma carga tributária menor, para que as pessoas tivessem mais recursos e não comprassem esse tipo de produto. Teríamos também ações de desestímulo ao consumo na Saúde, na Educação".
O desafio, ainda assim, não seria simples. "Para diminuir impostos, o estado - união, estados e municípios - teria que desinchar, gastar menos, mas a diminuição nos preços também poderia elevar a quantidade de fumantes; é uma hipótese. A discussão é muito parecida e tão polêmica com a da legalização da maconha".
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