Dados do Subcomitê Federal para Acolhimento e Interiorização de Imigrantes em Situação de Vulnerabilidade, órgão do governo federal ligado à Casa Civil, mostram que Curitiba é a cidade brasileira que mais recebeu migrantes da Venezuela entre abril de 2018 e janeiro de 2023. A capital paranaense foi o destino de 6.107 venezuelanos, um número maior do que o registrado em Manaus (5.377) e São Paulo (4.673), cidades que até o ano passado lideravam o ranking.
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Mesmo assim, o Paraná não é o estado brasileiro com o maior número de imigrantes venezuelanos. Apesar de ser o novo lar de 16.765 desses estrangeiros, o estado fica atrás de Santa Catarina, que desde abril de 2018 abrigou 19.098 venezuelanos. Na sequência aparecem os estados do Rio Grande do Sul (14.423) e de São Paulo (11.832).
A venezuelana Romi Rondon mora em Curitiba com o marido e os três filhos. Em entrevista à Gazeta do Povo, ela lembrou que quando a família tomou a decisão de se mudar para o Brasil, o Paraná não era um dos destinos preferenciais. Mas, reforçou a comerciante, a escolha não poderia ter sido melhor.
A saída da Venezuela
Um amigo da família havia saído da Venezuela em 2014, com destino à República Dominicana, contou Romi. Quatro anos depois e ainda vivendo como um imigrante ilegal na ilha, a saída para o Brasil foi a motivação que faltava para que ela e o marido fizessem as malas com destino a um novo lar.
“Ele não tinha documentação, não tinha nada, e soube que o Brasil era um dos únicos países a receber os venezuelanos de forma digna, regularizando a situação de migrante e fornecendo os documentos. Pensamos muito sobre uma pergunta: por que não buscar algo melhor para nossa família? E foi tudo muito rápido, 15 dias depois desse amigo chegar ao Brasil foi a nossa vez de vir”, contou Romi.
Ela tocava um comércio familiar no estado de Monagas, no norte venezuelano. A intenção em deixar a terra natal para trás em busca de oportunidades motivou a família a fazer uma poupança para custear a viagem. Além da queda abrupta na qualidade de vida, a falta de segurança e os assaltos frequentes foram fatores que aceleraram a decisão.
Falta de alimentos e segurança na terra natal levam à migração
Estes são fatores considerados comuns entre os migrantes venezuelanos, como revelou um levantamento feito pela Cáritas Brasileira como parte da implantação da plataforma Migra Segura. A pesquisa buscou identificar as principais necessidades e desejos dos migrantes venezuelanos quando chegam ao território brasileiro.
A sensação de insegurança foi apontada por mais da metade dos entrevistados (51%) como a principal justificativa para tentar a vida em outro país. E, assim como na família de Romi, também pesaram na decisão o acesso limitado a serviços de saúde (58%), falta de emprego (70%) e escassez de alimentos (75%) na Venezuela.
Sem dinheiro, família precisou se mudar novamente
Na chegada ao Brasil, porém, a família de Romi não encontrou mais o amigo, que já havia passado pelo processo de interiorização e estava morando em outra cidade. Foram três dias na fila da imigração, em Pacaraima, no estado de Roraima, até a família conseguir emitir os papéis que garantiam a condição legal da família em território brasileiro.
Depois desse período, Romi foi com a família para Boa Vista (RR). Mas as condições encontradas não animaram muito a comerciante. A casa onde ela, o marido e as três crianças moravam passou a receber mais e mais migrantes. O dinheiro trazido pela família não durou tanto quanto eles esperavam, e veio a necessidade de buscar um novo local para a moradia.
“Meu marido tentou encontrar emprego de pedreiro, mas o valor que pagavam aos venezuelanos era muito baixo, cerca de R$ 30 por diária. Nos contaram que antes o salário era melhor, mas muitos migrantes chegavam desesperados pela própria sobrevivência, e aceitavam qualquer valor”, contou.
Falta de informações atrapalha processo de migração
A falta de informações sobre a nova cidade de moradia atinge duas a cada três famílias de venezuelanos que chegam ao Brasil, mostra a pesquisa da Cáritas. Para Cristina dos Anjos, assessora nacional da Cáritas Brasileira para a Migração e coordenadora do projeto Migra Segura, as pessoas que relataram ter informações anteriores indicaram que isso ajudou a ter uma experiência de imigração mais segura.
“A partir desse diagnóstico, foi possível comprovar a situação: a pouca informação que chega aos migrantes, a pouca informação que possuem ao sair de seus países. Eles vêm sem saber o suficiente sobre o que vão encontrar. E quando chegam ao país, eles de fato têm pouca referência, poucas possibilidades de se organizar, de onde buscar informações, para saber de seus direitos”, apontou a assessora.
Em Rondônia, venezuelana foi atendida pela Cáritas
Com R$ 200 no bolso, a família se mudou para Manaus (AM), e poucos dias depois seguiram de viagem para Porto Velho (RO). A viagem que duraria um dia inteiro, lembrou a venezuelana, se estendeu mais do que o esperado por conta das fortes chuvas que atingiam a região. Com o ônibus encalhando nas estradas de barro, foram três dias até o fim da viagem. Dias, que como disse Romi, são impossíveis de serem esquecidos.
“Todo mundo tinha que descer para que o ônibus desatolasse. Não interessava a hora nem o lugar. Então, em um momento, eu me vi no meio de uma floresta, de madrugada, debaixo de chuva, com meu filho de cinco meses no colo, para o ônibus poder desatolar. Foi um momento muito triste, mas busquei em Deus forças para não desistir”, relatou.
Na chegada à capital de Rondônia, a família precisou dormir no terminal rodoviário da cidade, para só no dia seguinte tentar recomeçar a vida. Ela foi recebida pela unidade local da Cáritas, o que para a venezuelana foi um importante ponto de mudança na trajetória da família.
“Ali eu fui acolhida, me perguntaram o que eu estava precisando. Disse que tinha três crianças e estava sem teto, e me disseram que na rua eu não ia mais ficar. Foi uma bênção muito grande. Ligaram para a prefeitura e me encaminharam para um alojamento, me dizendo que eu nunca mais iria ficar nas ruas”, contou.
Febre amarela fez com que família de venezuelana fosse para Curitiba
Romi passou a ser voluntária no trabalho de recepção aos migrantes de sua terra natal. Mas quando um surto de febre amarela se alastrou pela cidade, ela se viu compelida a buscar um novo lar para a família. Foi quando outro voluntário sugeriu que ela buscasse um novo endereço, em Curitiba.
“Foi Deus que colocou aquela pessoa no nosso caminho. Era algo muito triste ver os doentes, e eu tinha três crianças, fiquei com muito medo. Falei para o meu marido que queria me mudar, ir para outra cidade. Ele disse ‘de novo?’, chegou até a ficar um pouco bravo. Mas ele também não tinha conseguido arrumar um emprego. Eu não sabia sequer que Curitiba era capital de estado, mas aquilo ficou na minha cabeça. Um mês depois a Cáritas me ajudou, e em fevereiro de 2019 eu cheguei em Curitiba”, lembrou.
Na cidade, Romi conseguiu emprego em uma panificadora. Além de aprender português, ela conseguiu vagas para os três filhos na rede pública de ensino. Voltou a fazer trabalho voluntário no acolhimento de novos migrantes e se diz agradecida pela oportunidade que teve com a família.
“Desde o primeiro minuto em que cheguei fui muito bem recebida pelas pessoas, que acabam se tornando tão queridas quanto a nossa família. Me ajudaram com um imóvel que já estava alugado. Tinha o principal: fogão, cama, geladeira, banheiro. Me ofereceram ajuda para fazer currículo, me orientaram na procura de um emprego. Hoje meus filhos estão com 4, 10 e 15 anos, e eu não me vejo morando em outro lugar”, comentou.
Curitiba quer ampliar rede de acolhimento
Em entrevista à Gazeta do Povo, a diretora de Atenção à População em Situação de Rua da Fundação de Ação Social da Prefeitura de Curitiba, Grace Kelly Puchetti Ferreira, explicou que o aumento na presença de migrantes em Curitiba se justifica, em parte, pela presença de uma ampla rede de atendimento e acolhimento aos migrantes. Para ela, é importante que sejam criadas ações que atendam às demandas desse público em específico.
Uma dessas ações, confirmou, foi feita junto à Companhia de Habitação do Paraná (Cohab) para que sejam abertos mais espaços de acolhimento para pessoas em situação de vulnerabilidade, entre elas os migrantes. Esses novos espaços de acolhimento se somariam aos já existentes, como a república para os migrantes e os apartamentos sociais, de forma a não permitir que as famílias sejam separadas, com os adultos indo para um lugar diferente das crianças.
“A origem da migração pode ter diversos fatores, mas o destino geralmente tem relação com a necessidade de proteção que essas famílias buscam. E em Curitiba elas encontram equipes treinadas e trabalhando para proteger essas pessoas. É um risco que corremos, sim, de ter uma demanda cada vez maior. Todo mundo está buscando Curitiba porque somos uma cidade acolhedora? Pode ser, porque nós somos sim. E como é que não vamos acolher essas pessoas? Como é que não vamos receber uma família que está fugindo de uma situação de extrema vulnerabilidade social e precisa de apoio? Outros estados também precisam entender que todos nós temos que acolher, dar atendimento e garantir os direitos que essas pessoas merecem”, concluiu.
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