Um dos principais insumos de vários setores industriais, como de madeira e cerâmica, o gás natural tem pesado no bolso do empresário e afugentado investimentos no Paraná. O estado pratica uma das tarifas mais altas do país. O metro cúbico do gás canalizado, distribuído pela Compagas, custa R$ 3,80 para as indústrias que consomem, em média, 10 mil metros cúbicos por dia. O preço médio no país é de R$ 3,09. Em Santa Catarina, por exemplo, que naturalmente compete pela atração de indústrias na região Sul, o metro cúbico custa R$ 2,94. (Os valores são já com impostos, segundo as distribuidoras). Cadastre-se e receba as principais notícias do Paraná pelo WhatsApp
Essa diferença de centavos, multiplicada milhões de vezes, resulta num custo financeiro pesado para as empresas e em perda de competitividade regional. Se a situação já é ruim, a preocupação do setor produtivo aumentou nos últimos dias com o risco de que isso se estenda pelas próximas décadas. Empresários acreditam que a chance de mudar o jogo é agora, quando está em discussão o Plano Estadual do Gás e serão definidos os detalhes da prorrogação da concessão dos serviços de distribuição de gás canalizado.
Uma audiência pública para tratar desses temas foi convocada pelo governo do estado e acontece na próxima terça-feira (22), às 9 horas, em ambiente virtual. O prazo para a inscrição encerra nesta quinta-feira (17).
Na audiência, o governo estadual vai detalhar seus planos e o setor produtivo poderá levar suas contribuições.
O contrato da distribuição do gás canalizado (firmado entre o governo do Paraná e a Compagas) vence em julho de 2024 e pode ser renovado por mais 30 anos. A decisão do governo foi de antecipar a renovação deste contrato para este ano e estabelecer as regras que valerão até 2054. O principal motivo da antecipação é garantir valor de mercado à Compagas antes da venda das ações da Copel na companhia (prevista para acontecer ainda em 2022). Empresa de economia mista, a Compagas tem como acionista majoritária a Copel, com 51% das ações. Os outros 49% pertencem à Gaspetro e à Mitsui Gás e Energia do Brasil, cada uma com 24,5%.
“ Se fosse para leilão sem ter a renovação do contrato, a empresa perderia valor porque não haveria interesse por parte dos investidores em adquirir uma empresa, cujo contrato de fornecimento venceria em dois anos” , explica João Arthur Mohr, gerente de assuntos estratégicos da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), uma das entidades que está liderando o movimento que busca condições mais adequadas no fornecimento de gás natural no Paraná.
Ele alerta que, quando as ações da Copel forem vendidas, a Compagas será uma empresa totalmente privada. “Um monopólio privado pode ser ainda mais prejudicial ao desenvolvimento do que um monopólio estatal. Por isso, as regras do novo contrato devem ser muito bem definidas e com a participação do setor produtivo, que é o principal consumidor do insumo”, pontua Mohr. O setor industrial consome 85% do gás distribuído no Paraná.
Sobre a manutenção do monopólio não há muita discussão e o setor produtivo já se convenceu de que é o modelo viável. “Em todo o mundo a distribuição do gás é assim. O investimento e toda a logística para se montar uma estrutura de gasodutos não viabiliza um modelo diferente de exploração que não seja o monopólio”, explica Mohr. “E, exatamente por isso, as regras têm que ser claras e justas para que o setor não fique refém de um contrato ruim por 30 anos”, insiste. O representante da Fiep acrescenta ainda que é muito importante também ter uma agência reguladora forte tecnicamente (no caso, a Agepar), para regular esse contrato.
Por que o preço no Paraná é tão caro?
O preço do gás canalizado é composto por quatro itens: o valor da molécula (o gás em si), o custo do transporte pelos gasodutos em longas distância (da fonte de produção aos estados), a margem da distribuidora (da rede da Compagas ao consumidor final) e os impostos. No Paraná, o preço final é mais alto basicamente devido ao alto preço da margem de distribuição, cobrada pela Compagas, e pelos impostos.
A distribuição no Paraná é uma das mais caras do país, custa R$ 0,80 por metro cúbico transportado (para uma indústria que consuma uma média de 10 mil metros cúbicos por dia). A média nacional é de R$ 0,60 e no estado vizinho de Santa Catarina custa R$ 0,45. O ICMS também pesa mais aqui. Enquanto Santa Catarina e Rio Grande do Sul cobram 12%, o Paraná cobra 18%.
A expectativa do setor produtivo é que na renovação do contrato esses pontos sejam revistos e adequados. “O Paraná já perdeu investimentos por conta desta distorção”, diz Cintia Mombach, advogada da Incepa, indústria que fabrica revestimentos cerâmicos, em Campo Largo, na região metropolitana de Curitiba. Segundo ela, algumas empresas do setor que teriam interesse em investir aqui acabam direcionando seus investimentos para outros estados por causa das condições mais vantajosas. “O gás representa de 20% a 30% do nosso custo de produção e o estado vizinho, Santa Catarina, nosso principal concorrente no setor, paga muito menos pelo produto”, diz a advogada.
Outro setor grande consumidor é o de papel e celulose. “Nossas indústrias demandariam uma quantidade maior de gás natural se o preço fosse favorável”, destaca Rui Brandt, presidente do Sindicato da Indústria de Papel e Celulose do Paraná (Sinpacel). Segundo ele, hoje o preço inibe um processo de transição da matriz energética e as indústrias acabam recorrendo a outras fontes energéticas.
“O gás é muito importante no processo de produção do papel e celulose, mas as condições do contrato vigente impedem que se chegue a um valor melhor. São distorções que têm que ser corrigidas", diz Brandt
Mercado livre e investimento na ampliação da rede
O deputado estadual Homero Marchese (PROS), que tem liderado o debate em torno do tema na Assembleia Legislativa, afirma que tem feito tratativas junto ao governo do estado e a direção da Compagas no sentido de buscar que os pleitos do setor produtivo sejam atendidos. “O ambiente está favorável à negociação”, destaca.
Marchese apresentou um projeto de lei propondo a abertura do mercado livre do gás, com a mudança nas regras atuais. Hoje, no Paraná, apenas indústrias que consomem mais de 100 mil metros cúbicos de gás por dia podem acessar o mercado livre. “Isso não atinge as indústrias do estado e faz do mercado livre uma ficção no Paraná”, diz. “Nossa proposta é de que qualquer indústria, independentemente do porte e do volume consumido, possa acessar o mercado livre”, defende o deputado. A expectativa é que o Plano Estadual do Gás que o governo irá apresentar também contemple essa questão, trazendo a perspectiva de abertura para o mercado livre.
No ano passo, o poder executivo estadual também apresentou um projeto de lei, que deve ser votado em breve, para viabilizar o mercado livre para o gás natural no Paraná com as mudanças nas regras atuais. A proposta é que qualquer indústria que consuma mais de10 mil metros cúbicos de gás por dia possa adquirir esse volume através do mercado livre, o que atende a praticamente todas as indústrias do Paraná.
Outro ponto é o investimento na ampliação da rede de gasoduto. Esta será uma exigência do novo contrato. A rede paranaense é bem restrita, são 850 quilômetros que atendem basicamente Curitiba, região metropolitana e Ponta Grossa e região. Ao longo dos 30 anos da concessão, a partir da renovação do atual contrato, o concessionário deverá investir cerca de R$ 3 bilhões, expandindo a rede de gasodutos para 2 mil quilômetros chegando às 10 mesorregiões do Paraná, viabilizando o uso por mais indústrias em todas as regiões.
O Plano Estadual do Gás, que inclui a renovação do contrato de concessão da distribuição, é pautado em três pilares: competitividade (com a redução no preço); expansão do consumo (com a ampliação e interiorização da rede); e a exploração de biogás e biometano (provenientes de fontes renováveis, como resíduos da agricultura e pecuária e de aterros sanitários), que deve ser incentivada e mais explorada para o aproveitamento localmente por meio de pequenas redes de distribuição para abastecer indústrias, postos de combustíveis, comércio e residências.
Compagas participa com contribuições no Plano Estadual do Gás
Procurada pela reportagem, a Compagas informou, por meio de nota que "é parte interessada no processo conduzido pelo Governo do Paraná e que a sua participação se dá por meio de contribuições a partir dos estudos elaborados e apresentados pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas - FIPE para o Plano Estadual do Gás e para a prorrogação da concessão dos serviços de distribuição de gás canalizado do Estado. As propostas encaminhadas pela Companhia foram concebidas a partir de um olhar estratégico do negócio, visando a perenidade da concessão, a fim de permitir uma expansão, com consequente interiorização da rede de distribuição de gás natural, e o atendimento a outras regiões do Estado."
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