Maior cooperativa de grãos da América Latina destinou 90 hectares neste ano para silos bolsa.| Foto: Reprodução/Coamo
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As cooperativas paranaenses, que recebem 62% da produção estadual de grãos, correm contra o tempo para aliviar silos e armazéns que seguem abarrotados com cereais da safra passada.

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O maior volume é de soja: ainda são cerca de 40% da colheita 2022/23, somando quase 9 milhões de toneladas em todo o Paraná, que seguem estocadas. Também há um grande volume de milho. Metade do que foi colhido na segunda safra está nos silos - cerca de 7 milhões de toneladas - e praticamente todo o trigo que acabou de ser colhido ainda não foi vendido. Este foi o cereal mais castigado pelas fortes chuvas registradas no Paraná no mês de outubro e são contabilizadas perdas de 17% se comparado à expectativa inicial de produção, que era de 4,6 milhões de toneladas.

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Segundo o Departamento de Economia Rural (Deral), agora se espera colher no estado 3,9 milhões de toneladas de trigo, dos quais 90% já foram removidos do campo e estão guardados. Há mais de 20 milhões de toneladas aguardando comercialização.

A preocupação está no avanço do desenvolvimento da safra 2023/24 com lavouras de soja, principal grão cultivado no estado que é o segundo maior produtor do cereal no país, que começarão a ser colhidas em 90 dias.

O Paraná estima uma produção no próximo ciclo de 21,9 milhões de toneladas somente desta cultura. “As cooperativas estão fazendo uma verdadeira operação de guerra para estimular produtores a vender, mas estão encontrando resistência do produtor. Precisamos escoar porque daqui 90 dias teremos uma nova safra de soja para ser colhida e não teremos onde guardar”, alerta o superintendente da Federação e Organização das Cooperativas do Paraná (Fecoopar), Nelson Costa.

A crise da estocagem é estimulada por dois fatores, na avaliação do presidente da Organização das Cooperativas do Paraná (Ocepar), José Roberto Ricken. De um lado faltam recursos para ampliação dos estoques que não acompanharam o avanço produtivo. O Paraná contabiliza safras anuais de aproximadamente 45 milhões de toneladas, mas sua capacidade de estocagem é para 31 milhões de toneladas. Somado a isso, neste ano o fator preponderante para reter comercializações foi a queda vertiginosa na cotação das commodities.

Em agosto e setembro de 2022 a saca era cotada, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), acima dos R$ 170. No mesmo período deste ano eram cerca de R$ 120 e, no fim de outubro, o cereal fechou cotado na casa dos R$ 140. “Houve queda no custo de produção, mas não acompanhou a desvalorização do cereal. Isso fez com que se mantivessem estoques aguardando uma melhora nos preços, que não veio como se esperava”, lembra a técnica Ana Paula Kowalski, do Departamento Técnico e Econômico (DTE) da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep/Senar-PR).

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Segundo o superintendente da Fecoopar, essas condições trazem uma preocupação enorme às cooperativas. “É uma situação complexa. Todos os cereais colhidos no Paraná estão hoje ocupando espaço. Grande parte do milho vai ser consumida pela avicultura e suinocultura, mas ainda temos muito dele para a exportação”, constata ele.

Cooperativas operam em todos os portos na tentativa de acelerar exportações

O presidente da Ocepar lembra que as cooperativas do estado estão operando em todos os portos possíveis no Brasil para dar vazão às exportações. O Porto de Paranaguá (PR) espera escoar de outubro a dezembro 3,6 milhões de toneladas somente de soja, volume 200% maior que o registrado no mesmo período de 2022.

Ricken pontua que, de 2016 até agora, houve um aumento expressivo na produção estadual, mas que praticamente se mantiveram as condições de armazenagem. “Em 2016 nossa capacidade estática de estocagem era de 90% da safra e a produção normal era de 36 milhões de toneladas. Conseguíamos estocar até 29 milhões de toneladas. Hoje temos uma safra de quase 46 milhões de toneladas, logo caminhamos para os 50 milhões e os armazéns passaram de 29 para 31 milhões de toneladas de capacidade”, compara.

Segundo ele, se forem sobrevoadas áreas produtivas no estado será possível identificar propriedades inteiras tomadas por silos bolsa, cereais ensacados ou em armazenagem em estilo piscinas. Esses espaços não são adequados para a conservação dos grãos em estocagens de longo período. “Essa chuva toda no Paraná piora a situação e preocupa muito pela conservação dos grãos”, reforça.

Setor produtivo pede R$ 1,2 bi ao ano para construção e modernização de estoques

Há pouco mais de uma semana, representantes da Organização das Cooperativas do Brasil (OCB) se reuniram com a diretoria do BNDES no Rio de Janeiro para tratar do assunto. Ricken esteve no encontro cujo tema principal foi a liberação de linhas de financiamento específicas para silos e armazéns.

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“O Plano Safra (deste ciclo) trouxe uma realidade um pouco diferente, com financiamentos para armazéns de fazendas com capacidade para até 6 mil toneladas. São recursos para incentivar o fazendeiro a fazer a estocagem e a regulação na entrega. Para ele é viável, mas não é a realidade do Paraná: 82% dos produtores do estado não têm 50 hectares, não têm dinheiro para fazer um armazém e quem faz esse trabalho são as cooperativas. Recebemos mais de 62% das safras e elas vêm basicamente de pequenas propriedades”, completa o presidente da Ocepar.

Ele lembra que, além do déficit natural, cooperativas paranaenses registraram perda de capacidade de estocagem nas últimas semanas após estruturas serem atingidas pelos fortes temporais. Para Ricken, armazém não se constrói com recurso caro, com juros elevados ou com crédito tomado em dólar, porque o retorno é em um ciclo de 12 a 15 anos. “Não se paga fácil e com juros de investimento só onera a produção. Ter mais capacidade de estocagem é estratégico para o país, fundamental para quem vai passar dos 300 milhões de toneladas de produção e precisa ter o equivalente disso em armazéns”, considera.

O setor produtivo estima que, para equalizar o déficit nos próximos anos, seria necessária, de forma perene, a destinação de R$ 1,2 bilhão por ano somente para capacidade de armazenamento.

O assunto volta à pauta da OCB nas próximas semanas, quando haverá uma reunião, ainda sem data definida, com representantes do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Ministério da Fazenda, do Desenvolvimento e Indústria e o BNDES para tratar de novos canais de financiamento. O setor acredita que isso possa ocorrer dentro do programa de reindustrialização do país, chamado de Plano Indústria, coordenado pelo vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento e Indústria, Geraldo Alckmin.

“O agro é uma indústria. Além disso, não é só construir novos armazéns, é modernizar, otimizar, dar fluxo na recepção, expedição, na secagem, melhorar o que temos”, completa Ricken.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]