Sobre trilhos, um contêiner carregado com soja em grão ou de proteína animal que sai de Cascavel (PR), cidade próxima da região de fronteira com o Paraguai, com destino ao porto de Paranaguá, no outro extremo do território paranaense, leva cerca de dez dias só para chegar ao destino, para o embarque em navio, ou seja, ainda não ao mercado comprador. De lá, leva-se de 30 a 45 dias de navegação até a colocação nos principais compradores do mercado externo, como Xangai, na China.
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Antes disso, porém, a viagem de trem segue a 30 km/h em uma estrutura que não comporta mais a demanda nem a evolução do agronegócio brasileiro. A carga desliza em trote lento até o município de Guarapuava, a 250 quilômetros de Cascavel, em cima de 15 locomotivas e 426 vagões da Estrada de Ferro Paraná Oeste S/A (Ferroeste), a empresa ferroviária estatal que tem como principal acionista o estado do Paraná.
De Guarapuava ao porto são outros 300 quilômetros e mais dois ou três dias de desafios pela frente e serra abaixo, totalizando os dez dias de viagem para um percurso de menos de 600 quilômetros. O gargalo logístico imensurável promete ser resolvido com o projeto da Nova Ferroeste, que, por enquanto, é gestada como forma de projeto, com a promessa do governo estadual de ser licitada em 2024. Na perspectiva otimista e se houver aporte de investidores estrangeiros, a conclusão será na década de 2030. Interesse e dinheiro de outros países existem, reconhece o setor produtivo. Agilidade e interesse público são pontos de atenção, no entanto.
O traçado que promete revolucionar o transporte sobre trilhos, envolvendo Paraná e Mato Grosso do Sul, com benefício direto a Santa Catarina, que está entre os maiores produtores do agronegócio brasileiro, terá cerca de 1,5 mil quilômetros de extensão, de Maracaju (MS) a Paranaguá (PR), onde fica o maior porto graneleiro do país.
Na esteira do projeto da Nova Ferroeste, mas não dependente dele para ser concretizado, o setor produtivo e autoridades políticas têm unido discurso para viabilizar outro grande projeto comum na área da infraestrutura: o sonhado corredor bioceânico, ligando o Porto de Paranaguá ao Porto de Antofagasta, no Chile, passando por Paraguai e Argentina, em um projeto de integração trinacional.
O projeto não é novo. Por mais de uma década, o sonho desenvolvimentista e de agilidade logística ficou engavetado. Agora, além de novas movimentações no Brasil, o novo governo paraguaio pode aumentar a pressão para que a ideia comece a vingar.
Em 2011, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) fez chamada pública para um estudo técnico. O melhor traçado, apontou o estudo, é justamente aquele que volta agora ao debate. “Além dos benefícios econômicos e sociais gerados a partir da implementação do corredor, a disponibilização da estrutura ferroviária atuará como um importante instrumento para a diversificação regional de investimentos e a integração dos países contemplados no traçado. O estudo analisa uma alternativa logística ferroviária para a região e envolve também aspectos de demanda, engenharia, econômico-financeiros, socioambientais e jurídico-institucionais”, reconheceu à época o BNDES.
"Não adianta ter estrutura no porto se não der condições de acesso", diz diretor da ANTT
O Paraná conta com uma malha ferroviária de 2,4 mil quilômetros: 2.039 quilômetros concessionados pelo governo federal à Rumo e 248,5 km concessionados ao governo estadual, cuja administração e operação é executada pela Ferroeste, a mesma que transporta grãos e proteínas, entre outros produtos, de Cascavel a Guarapuava.
Os itens mais levados pela Ferroeste com destino ao porto correspondem à soja em grãos, farelo de soja, óleo de soja, milho e carnes frigorificadas. No contrapé, os vagões descarregam no oeste do Paraná derivados de petróleo, cimento, adubo, fertilizantes, calcário e carga geral. Mas há o reconhecimento que a infraestrutura falha.
“Toda vez que se faz uma visita aos portos brasileiros, me surpreendo com a riqueza do país com sua grandiosidade logística, com a nossa capacidade de produzir e se desenvolver. Fico entusiasmado com o potencial dos nossos portos, mas de nada adianta ter uma estrutura gigantesca dentro do porto se a nossa logística e infraestrutura de transporte não derem condições de acessos aos portos, para que a produção chegue até eles”, afirmou Luciano Lourenço, diretor da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Para ele, essa é uma realidade no Brasil que precisa ser enfrentada.
Muita demanda para poucos vagões é gargalo a ser resolvido com corredor bioceânico
A expectativa da Ferroeste é movimentar, até o fim de 2023, um milhão de toneladas de produtos, a maior parte em grãos. A capacidade é tão limitada que, considerando apenas cinco das dez maiores cooperativas do agro brasileiros, situadas no oeste do Paraná, as exportações no primeiro semestre deste ano, segundo a Secretaria Nacional de Comércio Exterior, passaram de um milhão de toneladas.
“Esse é o reflexo da nossa dependência extrema das rodovias e da perda da competitividade pela falta de trilhos. Nas estradas, em cima de caminhões, temos um transporte mais caro, mais perigoso e que onera toda a cadeia produtiva. Os trilhos representam desenvolvimento, em diversas frentes”, defendeu o gerente de assuntos Estratégicos da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), João Arthur Mohr.
Também de olho na economia de transporte é que o corredor bioceânico volta, com força, à pauta. O transporte de uma carga por trilhos via corredor bioceânico tem expectativa de reduzir em 38% os custos de locomoção. O número é defendido pelo deputado federal Padovani (União-PR). Aproveitando a expertise do que já existe em ferrovias no Paraná e de olho no projeto da Nova Ferroeste, o projeto do corredor ferroviário bioceânico tem entusiasmado.
Mohr lembra que, até o município de Cascavel, o traçado a ser utilizado no corredor bioceânico seria o mesmo existente hoje, mas com ramal direto a partir de Paranaguá. De Cascavel a Foz do Iguaçu, são cerca de 150 quilômetros que exigirão trilhos não existentes. Dali, a estrada de ferro poderia ainda ter uma interligação com Chapecó (SC), forte região produtora e exportadora.
O tráfego internacional via corredor bioceânico passaria pelo Paraguai, seguindo pela Argentina até a chegada ao Chile. Seriam cerca de dois mil quilômetros em trilhos, o que colocaria de fato o Brasil no campo da competitividade internacional, avaliou o deputado estadual Marcelo Micheletto (PL/PR). Ele é um dos que reivindica recursos da Itaipu Binacional, tanto no Brasil quanto no Paraguai, a grandes obras estruturantes que deem sustentação ao corredor bioceânico.
Maior cooperativa de grãos do país enfrenta problemas com escoamento
A maior parte das cargas que sai do oeste do Paraná, maior produtor de proteína animal do país, segue por rodovia e leva cerca de 12 horas para chegar ao porto. A viagem, pelas BRs 277 e 376, conta com estrada quase que totalmente em pista simples e, não raras vezes, os motoristas precisam ficar por horas ou dias parados em trechos interditados no acesso ao litoral. Chegando ao porto, há outras limitações, como a superlotação de caminhões ou demora no embarque.
A maior cooperativa de grãos do Brasil, a Coamo, com sede em Campo Mourão (PR), vem enfrentando dificuldades de escoamento. No mês de junho, a cooperativa deveria ter embarcado 500 mil toneladas de grãos que, com os entraves logísticos, permaneceram em estoque para serem embarcados nos meses seguintes.
Corredor bioceânico ganha protagonismo em debate político
O deputado federal Padovani (União-PR) é vice-presidente da Comissão de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional na Câmara dos Deputados e tem protagonizado uma série de articulações políticas para debater a integração brasileira do Oceano Atlântico ao Oceano Pacífico. O parlamentar destacou que o tema passou a ser prioritário na agenda da comissão, diante da importância e dos benefícios econômicos e de desenvolvimento que o projeto trará não só ao Brasil, mas à América do Sul.
“O corredor bioceânico trará desenvolvimento ao Brasil, ao Paraguai, à Argentina. É um projeto de desenvolvimento e integração logística, de ganhos financeiros, redução histórica do custo de produção em cerca de 38%, considerando só o transporte (no trajeto feito hoje pelos navios). Não podemos mais esperar para garantir competitividade, não podemos mais esperar pelo desenvolvimento”, citou o parlamentar.
Padovani teve uma conversa recente com o senador paraguaio Victor Bogado, que ficou com a incumbência de trazer o novo presidente, Santiago Peña, para o debate. “Temos uma relação muito próxima e a demanda tão importante também, ao Paraguai, chegará ao presidente e certamente vai à mesa para debate”, consolidou o senador.
Bogado assume um cargo de alto escalão da Presidência da República do novo governo do país vizinho. “O Paraguai não tem saídas para o mar e precisamos dela, assim como de infraestrutura. Boa parte do que produzimos passa pelas rodovias do Paraná até chegar ao porto, mas encarece o custo de produção e leva muito tempo para o transporte. Essa proposta do corredor bioceânico trará mais desenvolvimento para todos”, reconheceu.
Corredor bioceânico "encurta" distância em 9 mil quilômetros
O ex-presidente e atual conselheiro do Programa Oeste em Desenvolvimento (POD), presidente da Associação Comercial e Industrial de Foz do Iguaçu (Acifi), Danilo Vendruscolo, avalia que o momento é propício, já que o assunto vem sendo pautado em encontros regionais, nacionais e internacionais. Porém, alguns aspectos precisam de celeridade quando envolve o poder público, reforçou o industrial.
“Temos investidores interessados. Uma comitiva japonesa nos procurou, os chineses nos procuraram, querem investir com fundos trilionários, mas o que eles nos pedem: projetos prontos, não os temos; licenças ambientais, que demoram anos, as vezes décadas para serem liberadas. A morosidade do Estado (poder público) acaba travando os projetos de desenvolvimento”, lamentou Vendruscolo.
Somadas, as regiões oeste e sudoeste do Paraná e o oeste de Santa Catarina respondem por 60% das exportações de proteínas do Brasil. “Para o transporte da proteína animal, o timing do trânsito precisa ser mais rápido que o escoamento de produto in natura, como a soja e o milho. A ferrovia (Ferroeste) não é mais utilizada para as proteínas animais porque é de baixa velocidade, demora muito para chegar ao porto”, lembrou.
Gigantes do exterior querem investir no corredor bioceânico
A China é a maior importadora de soja do mundo e a maior parceira comercial da proteína animal do Sul do Brasil. “E temos Brasil, Argentina e Paraguai como grandes exportadores principalmente e grãos. Precisamos urgentemente de logística, de ganho de infraestrutura para colocar produtos de forma competitiva dos mercados consumidores, seja na Ásia, seja na Liga Árabe, no México, em todos os países para quem exportamos. Vendemos para mais de 160 nações”, completou Vendruscolo.
Para o que chama de custo logístico competitivo, o industrial lembra que o Brasil é extremamente competitivo se comparado aos melhores e maiores produtores do mundo, só que da porteira para dentro. “Da porteira para fora precisamos melhorar muito, é onde temos imensos gargalos. A logística do continente sul-americano precisa melhorar. Com exceção do continente africano, somos os únicos a não ter conexão leste-oeste entre os oceanos Atlântico e Pacífico. E como outros países se desenvolveram? Por meio de ferrovias ligando os oceanos. O Canadá não seria o que é se não tivesse ferrovia de leste a oeste. O Brasil e suas autoridades precisam entender isso”, considerou Vendruscolo.
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