Um empreendimento de luxo com apartamentos de até R$ 3,2 milhões, projetado para a cidade de Guaratuba, litoral do Paraná, é investigado pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR) por suspeitas de irregularidade no processo de concessão do alvará para execução da obra. A construção, com endereço na Avenida Vicente Machado, 825, está programada para começar no início do ano que vem, e a entrega é estimada pela construtora para agosto de 2022.
Sob responsabilidade da construtora Piemonte, que afirma cumprir estritamente a legislação vigente, o edifício Costa Reale, cujo alvará é alvo do inquérito civil, será lançado oficialmente no próximo sábado (16). O projeto prevê um edifício de dez andares, com 43 unidades de 127,73 m² a 450,8 m². Procurada pela reportagem, a Piemonte encaminhou documento em que questiona a legitimidade do processo instaurado pelo MP.
RECEBA notícias do Paraná no seu WhatsApp
Desde maio, a 2ª Promotoria de Justiça de Guaratuba conduz um inquérito civil, instaurado a partir de denúncias feitas por vizinhos ao terreno do Costa Reale. Eles alegam que o zoneamento do município, estabelecido no plano diretor da cidade, não permite um imóvel de dez pavimentos na quadra onde está previsto. A construção geraria sombreamento da orla e sistema viário, impacto sobre a paisagem urbana, além de prejudicar a vista de imóveis próximos.
À época da denúncia, a área pertencia ao grupo J. Malucelli, por meio da razão social J. Malucelli Balneário Guaratuba. A empresa foi a responsável por fazer as solicitações de anuência prévia ao Conselho de Desenvolvimento Territorial do Litoral Paranaense (Colit) e de alvará de construção à prefeitura para o empreendimento desde 2014.
Em 2019, a J. Malucelli Balneário Guaratuba alterou sua razão social para Balneário de Guaratuba Empreendimento Imobiliário e passou a integrar o grupo da Piemonte Construções e Incorporações em um acordo comercial que prevê uma permuta por algumas das unidades construídas.
Versões divergentes de zoneamento
O pomo da discórdia é um entendimento divergente em relação à classificação da zona residencial na qual o terreno do imóvel está inserido. Segundo a última versão do mapa de zoneamento da cidade, anexo a uma lei de 2012 que alterou dispositivos do plano diretor, a quadra em que o empreendimento será construído está dividida em duas diferentes classificações: uma parte é considerada Zona Residencial 2, que permite habitações coletivas de até três pavimentos, e outra, Zona Residencial 3, com autorização para imóveis de até dez pavimentos – os lotes que serão utilizados na maior torre do empreendimento estão nesta última.
Os denunciantes afirmam que esse traçado do zoneamento é diferente do publicado em 2005, quando a lei que instituiu o atual plano diretor da cidade foi aprovado pela Câmara Municipal de Guaratuba. De fato, a divisão da quadra em duas zonas não aparece em edição anterior do mapa, disponível no site do Colit. Nessa versão, todos os lotes ficariam restritos a construções de até três pavimentos.
A lei de 2012, que trouxe anexo o novo mapa, posteriormente anexado também a um decreto estadual de 2014 que referenda o plano diretor, não descreve em seu texto-base a alteração no zoneamento da quadra.
Chama atenção ainda o fato de que, em geral, as linhas divisórias de zoneamento não costumam passar pelo interior de quadras, mas pelo meio de vias – ‘caixas da rua’ no jargão técnico. Na notícia de fato apresentada ao MP, os autores consideram a divisão da quadra “uma linha excêntrica que não apenas não observa o princípio do ‘centro da caixa da rua’, mas que também teima em inscrever os interesses de terceiros de forma a ‘legalizar’ o projeto”.
O questionamento não é novo. Já em 2016, justamente por causa dessa divergência, técnicos do Colit se manifestaram contrariamente ao pedido de anuência prévia feito pela J. Malucelli para a construção de um empreendimento de dez pavimentos no terreno. O parecer ressaltava ainda que a linha divisória da quadra sequer estava alinhada à projeção do eixo central da Rua Antônio Rocha, que poderia ser um critério usado para o zoneamento.
A própria prefeitura reconheceu o erro no traçado, em uma manifestação, ainda em 2016, do então secretário municipal do Urbanismo, Natanael Fanini Antonio. “Em relação ao padrão de zoneamento, concordamos que este deve ser estabelecido por meio da caixa da via e não passando pelo meio das quadras”, declarou Antonio.
“Atualmente encontramo-nos em fase de revisão do Plano Diretor e tal conceito já está sendo observado, conforme se pode denotar da minuta do novo mapa de zoneamento, integrante da revisão ora em fase conclusiva, que contempla a correção desta situação”, diz trecho do documento. Segundo o ofício, a revisão transformaria toda a quadra em Zona Balneária, cujo limite de construção é ainda menor, de dois pavimentos.
Apesar disso, a empresa apresentou novo pedido de anuência, atendendo a outros questionamentos, como a exigência de um Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), que não havia sido apresentado anteriormente. Apesar das manifestações contrárias do grupo técnico e da assessoria jurídica, o processo seguiu para uma análise do conselho pleno do Colit, que inclui representantes indicados por diversos órgãos governamentais, como secretarias estaduais e prefeituras de municípios litorâneos.
A própria submissão do caso para a instância superior do Colit é incomum. “Quanto ao encaminhamento para o pleno, não é o caso deste procedimento”, afirmou em ofício a advogada Ednéia Ribeiro Alkamin, chefe da assessoria jurídica da então chamada Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sema), atual Secretaria do Desenvolvimento Sustentável e do Turismo.
No documento, ela explica que, segundo o Decreto 2.415 de 2015, cabe à Secretaria Executiva do Colit conceder anuência prévia “aos procedimentos administrativos de edificações com três ou mais pavimentos, quando situados nas áreas de menor restrição, e quaisquer edificações nas áreas de maior restrição definidas no Regulamento aprovado pelo Decreto nº 2.722, de 14 de março de 1984 e alterações posteriores e Planos Diretores Municipais homologados pelo Conselho.”
O dispositivo foi mantido, com idêntica redação, no Art. 2º, inciso VI do Decreto 7.948 de 2017, que revoga o ato de 2015.
Apesar disso, o conselho pleno do Colit analisou o processo e concedeu a anuência em abril de 2018. Com base nessa autorização, a prefeitura de Guaratuba autorizou, por sua vez, o alvará de construção em 16 de agosto do mesmo ano.
O que dizem os envolvidos
Procurada pela reportagem na semana passada, a Piemonte encaminhou documento em que questiona a legitimidade do processo instaurado pelo MP, uma vez que a ação atenderia a “interesses privados por meio de instrumento de tutela de interesses coletivos”. A construtora afirma ainda que a notícia de fato apresentada à 2ª Promotoria de Justiça de Guaratuba “foi apresentada omitindo uma série de informações e de documentos”.
Na nota, a empresa alega que o limite de zoneamento do imóvel no qual o empreendimento será destinado “não sofreu quaisquer alterações desde o ano de 1995, ano em que foi aprovada a lei de uso do solo e zoneamento do município”. Além disso, acrescenta que em abril de 2018 foi elaborado Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), que concluiu pela viabilidade do empreendimento e pela concessão de anuência prévia para sua construção por parte do Colit.
A Gazeta do Povo entrou em contato com o promotor Élcio Sartori, da 2ª Promotoria de Justiça de Guaratuba, por meio da assessoria de imprensa do MP. Em nota, o órgão informou que “o inquérito civil que apura a questão está em andamento e somente após sua conclusão será possível fornecer detalhes sobre os fatos apurados”. Ainda segundo o MP, não há prazo para o encerramento da investigação.
O grupo J. Malucelli também foi procurado. Em nota enviada à reportagem, afirma não ter mais responsabilidade sobre a área onde o edifício será construído. “A atual proprietária do imóvel e responsável pelo empreendimento, Balneário de Guaratuba Empreendimentos Imobiliários, encaminhou competente nota de esclarecimento, à qual ratificamos todos os seus termos.” A empresa declarou ainda que não deveria ser mencionada nesta matéria, pois “restaria caracterizada exposição indevida de seu nome”.
A Gazeta do Povo cita o grupo por considerar a informação essencial para a compreensão do processo que levou ao questionamento do alvará de construção do Costa Reale. Além disso, todas as informações publicadas que mencionam a empresa são públicas.
A prefeitura municipal de Guaratuba enviou nota assinada pelo secretário municipal do Urbanismo, Fernando Gonçalves Cordeiro, em que afirma que “o empreendimento cumpriu com todas as formalidades e exigências legais e está em consonância com a legislação municipal vigente”. A administração municipal acrescenta que o projeto “foi devidamente analisado e aprovado pela Secretaria Executiva do Colit”.
O Colit informou, no entanto, que técnicos do órgão realizam “uma análise minuciosa da denúncia” e que aguarda manifestação dos demais órgãos envolvidos “para tomar as providências cabíveis, caso necessário”.
Nota oficial da Piemonte
Nota oficial do Ministério Público do Paraná
A respeito da solicitação de informações referentes a possíveis irregularidades em empreendimento no litoral, a 2ª Promotoria de Justiça de Guaratuba informa que o inquérito civil que apura a questão está em andamento e somente após sua conclusão será possível fornecer detalhes sobre os fatos apurados.
Nota oficial da J. Malucelli
A JMalucelli esclarece que não é mais proprietária do imóvel onde está sendo instalado o empreendimento em questão. A atual proprietária do imóvel e responsável pelo empreendimento, Balneário de Guaratuba Empreendimentos Imobiliários, encaminhou competente Nota de Esclarecimento à qual ratificamos todos os seus termos.
Por fim, entendemos que a J.Malucelli não deve ser mencionada em eventual matéria veiculada, pois restará caracterizada exposição indevida de seu nome.
Nota oficial da prefeitura de Guaratuba
Nota oficial do Colit
Técnicos do Conselho do Litoral estão fazendo uma análise minuciosa da denúncia e foi encaminhado para a prefeitura um parecer para ciência.
Estamos aguardando manifestação de demais órgãos envolvidos para tomar as providências cabíveis, caso for necessário.
Segurança pública: estados firmaram quase R$ 1 bi em contratos sem licitação
Franquia paranaense planeja faturar R$ 777 milhões em 2024
De café a salão de beleza, Curitiba se torna celeiro de franquias no Brasil
Eduardo Requião é alvo de operação por suspeita de fraudes em contratos da Portos do Paraná