“Com que roupa eu vou” é um verso do samba lançado por Noel Rosa em 1930 e uma pergunta que a maioria da população mundial se faz todo dia. De alguns anos para cá, muitas pessoas começaram a se questionar também de onde vinha a peça de vestuário escolhida, quem a fabricou e em quais condições. Ao mesmo tempo, estilistas e fabricantes, que já tinham essa preocupação ou a desenvolveram em períodos recentes, ampliaram a oferta de roupas ambientalmente sustentáveis, dando mais opções a consumidores preocupados com os impactos causados pelas escolhas que compõem seus guarda-roupas.
Se uma das motivações de Noel Rosa ao compor a música era a falta de dinheiro para adquirir alguma roupa, como consta na Enciclopédia Itaú Cultural de Arte Brasileira, a realidade agora é outra: há possibilidades para todos os bolsos. As mais baratas muitas vezes se confundem com aquelas de maior pegada ecológica – como as peças produzidas em larga escala do outro lado do mundo e transportadas por milhares de quilômetros ao custo de muita emissão de gás carbônico. Mas a designer Aline Bussi, consultora de moda e professora, diz que consumidores de qualquer faixa podem aderir à moda sustentável e autoral.
“Estamos em um país com desigualdade muito grande, então é claro que para alguns a moda sustentável não será acessível. Mas mesmo dentro do fast fashion [caracterizada pela renovação de coleções e descartes rápidos] há algumas iniciativas importantes, como na Renner e na C&A. Em todos os casos, é preciso ser um consumidor esperto, tentando entender o processo, o produto usado. Mas temos sim opção para todos os consumidores”, observa Aline.
A consultora destaca a cena local de Curitiba, com muitos integrantes produzindo moda sustentável e autoral. “É uma característica da cidade. As indústrias grandes estão no interior, e aqui temos muitas microempresas que trabalham mais de forma exclusiva, com um slow fashion muito expressivo. São marcas autorais, isto é, que participam de todo o processo, inclusive se responsabilizam pelo resíduo gerado”, explica.
Dever de cidadão
O casal Alexandre Linhares (36 anos) e Thifany F. (32) criou a marca H-AL em 2007, tendo como exemplo cases da Alemanha, onde a sustentabilidade não era um diferencial ou questão de marketing, mas apenas um dever de cidadão. “Nos primeiros momentos, a gente não tinha dinheiro para investir. Quando comprávamos tecido, o que sobrava ia para o lixo, e vimos que na verdade era um pouco de dinheiro sendo jogado fora. Então a gente começou a guardar todo e qualquer material que sobrava e aplicava ele em novas peças, intuitivamente”, conta o estilista.
Entre 2014 e 2015, os dois fizeram cursos de pós-graduação; ele em Ecodesign e ela em Slow Design. “Percebemos que a gente pecava na origem. Por mais que reaproveitasse o tecido, era um material que vinha da China, de São Paulo, com uma alta carga de emissão de monóxido carbono, talvez até com trabalho escravo. Então começamos a trabalhar com resíduo de tecido de fato. Recolher sobras de ateliês de amigos, excedente de produção, peças descartadas e começamos a reaproveitar isso. Até que chegou a fase do material bruto indústria”, diz Linhares.
A matéria-prima das roupas fabricadas e vendidas pelo ateliê H-AL é excedente de vários tipos, como plásticos, tecidos, material novo, mas que seria descartado. Um exemplo foi a lycra que sobrou da fabricação de maiôs e biquínis de uma indústria. Segundo o designer, a qualidade do material era superior ao que havia para venda. “Fora que demoraria 300 anos para se decompor. E nós estamos dando um tempo de vida maior para esse tecido. Para a gente, foi muito importante, trabalhar com o que iria para o lixo”, explica.
Upcycling
Essa reutilização de materiais na moda é descrita como upcycling – transformar o usado em algo novo, geralmente de forma personalizada. É um contraponto à reciclagem tradicional, que necessita de aditivos químicos para quebrar as moléculas de um resíduo já usado para transformá-lo em nova matéria-prima.
O termo também foi incorporado por Kamila Olstan, 31 anos, criadora da Farrapo Couture, como forma de “facilitar” a compreensão por parte dos clientes. “Comecei a usar para explicar melhor o que faço, para as pessoas conseguirem entender, darem valor e deixar o preconceito de lado, que ainda existe”, relata. Quando ela começou a costurar, 15 anos atrás, se inspirando na avó com a máquina de costura, juntava muitos retalhos para criar algo novo, mas não havia um rótulo para se encaixar. “Fui descobrir o upcycling quando fui fazer projeto de conclusão do curso de Moda na PUCPR. Sempre tentei trabalhar com valores mais éticos. Fui descobrindo mais dados sobre a indústria da moda, que é muito prejudicial para o meio ambiente. Tem alguns estudos que dizem até que só perde para a extração de petróleo”, destaca.
Seis anos atrás, Kamila lançou sua marca. No início, ia muito em brechós, garimpar roupas vintage, para descosturá-las e aproveitar para criar novas peças. “Trabalho basicamente recuperando tecidos. É um processo artesanal e experimental. Vou garimpando tecidos e eles me levam a uma coleção. Na história da moda, os produtos passaram a ser fabricados muito rápido, em larga escala. Quero fazer exatamente o contrário: mostrar valor no processo artesanal, na peça única. Voltando às origens de uma costureira, de um pequeno ateliê”, descreve. Ela também é a responsável pelo Banco de Tecido em Curitiba, pelo qual as pessoas podem depositar sobras e fazer trocas, deixando o equivalente a 30% do peso do tecido para remuneração e manutenção do empreendimento.
Orgânico
A estilista Karin Oliveira, 24 anos, por sua vez, escolheu o algodão orgânico como matéria-prima, de um fabricante de Santa Catarina. “O Brasil é o maior produtor de algodão sustentável do mundo. Esses tempos postei nas minhas redes sociais sobre o produto, expliquei de forma sintetizada. Sempre busco educar as pessoas. A gente tem muitas causas para lutar, e é complicado querer que todo mundo abrace todas as causas. Mas com o tempo, com passos de formiguinha, isso vai entrando na cabeça de cada pessoa, e ela enxerga a moda de outro modo. Talvez ela não compre de mim, mas meu propósito como cidadã está sendo atingido”, diz ela.
A causa ambiental de Karin vem de berço, da família criada em contato com a natureza. Foi escoteira, o que a aproximou ainda mais dessa temática. Nas brincadeiras de criança, fazia roupas para bonecas, cursou Design de Moda e pós em Branding, o que a motivou a lançar marca própria no fim de 2017: Estúdio 363, em referência ao número da casa onde cresceu. Atualmente, se preocupa com os resíduos da fabricação, mas está guardando retalhos e pesquisando o que fazer com eles.
Além de ateliês já consolidados na cena curitibana, novas marcas se destacam na produção mais sustentável. Algumas delas foram selecionadas para participar da iniciativa Propulsão Local, que em novembro realizou uma oficina com empreendedores locais de diversos segmentos para impulsionar os negócios, com auxílio de ferramentas de comunicação e tecnologia. Entre elas estão a Sevena, marca de quimonos idealizada por Juliana Neves, com loja online, e o Ateliê de Costura Luan Valloto, aberto em dezembro no Centro de Curitiba.
Segurança pública: estados firmaram quase R$ 1 bi em contratos sem licitação
Franquia paranaense planeja faturar R$ 777 milhões em 2024
De café a salão de beleza, Curitiba se torna celeiro de franquias no Brasil
Eduardo Requião é alvo de operação por suspeita de fraudes em contratos da Portos do Paraná