O impasse envolvendo os governos de Brasil e Paraguai sobre os valores da tarifa de energia de Itaipu passou a ser tratado, nos bastidores, como uma crise diplomática em ascensão. Oficialmente, o Itamaraty nega a crise, mesmo depois de virem à tona relatos sobre o descontentamento do presidente Lula (PT) com sua equipe para tratar do assunto.
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Nenhum dos países está disposto a ceder. O Paraguai insiste em cobrar mais do Brasil pelo excedente de energia produzido no país vizinho - sob ameaça de comercializar com o país que pagar mais. Por aqui, durante as cinco décadas em que durou o acordo inicial (Tratado de Itaipu) alardeou-se a ideia de que, após quitada a dívida para construção da hidrelétrica, a tarifa de energia seria mais barata.
Na última sexta-feira (26), ao falar com a imprensa, o ministro de Minas e Energia do Brasil, Alexandre Silveira, disse que há “diálogo diplomático” entre os parceiros para se chegar a um consenso, mas sugeriu que o Brasil pode ser rigoroso nas tratativas.
O chanceler paraguaio, Rubén Ramíres Lezcano, seguiu no mesmo caminho e disse ao ABC Color, no mesmo dia, que as discussões estão avançando e que nesta semana há uma nova reunião entre as equipes governamentais - na qual espera-se que o Brasil dê uma reposta à proposta paraguaia.
O presidente Lula cogita ir ao país vizinho para uma nova reunião com o presidente do Paraguai, Santiago Peña. Não há data anunciada para a viagem nem para o encontro agendado entre as equipes governamentais (chamadas "altas partes").
Internamente, quem está acompanhando de perto o impasse diz que o Brasil subestimou o Paraguai nas negociações, que ainda são prévias à revisão do Tratado de Itaipu.
A revisão vai tratar do chamado anexo C, que estipula de que forma os dois países vão utilizar a "sobra" de US$ 2 bilhões ao ano, fruto da quitação da construção da usina. Para a mesa de negociação, o Paraguai chega querendo investir em grandes obras de infraestrutura, enquanto o governo Lula quer apostar em projetos sociais e em destinação a povos originários - descartando grandes obras.
Brasil não vai romper contrato de Itaipu com o Paraguai, diz ministro
A nova etapa do mal estar de bastidor entre os dois países havia sido gerada depois de circular a informação de que o governo brasileiro estudava romper o contrato para a compra do excedente da energia do Paraguai. Alexandre Silveira nega que essa hipótese esteja na mesa de negociação.
Pelas regras atuais, cada margem da Itaipu fica com 50% da energia produzida. O Paraguai utiliza cerca de 17% da sua metade. O Brasil adquire o restante ao valor de US$ 16,71 o kilowatt (kW). O Paraguai pressiona por mais e quer superar a casa dos US$ 20 por kilowatt, sob justificativa de os valores estarem defasados e de que o Paraguai precisa para ampliar investimentos.
O orçamento anual de Itaipu se aproxima dos US$ 3,5 bilhões, dos quais cerca de 70% eram destinados ao pagamento dos financiamentos - agora quitados - para construção da usina. A utilização de parte desses recursos é defendida pelo governo brasileiro para redução das tarifas.
O governo Lula também teme aumento da inflação e queda de popularidade, com a hipótese de elevação da tarifa e de ceder como quer o Paraguai.
Itaipu responde por cerca de 10% da energia elétrica que abastece o Brasil.
O possível rompimento de contrato com o Paraguai poderia levar o país vizinho a questionar o não cumprimento em corte internacional. No alto escalão do governo brasileiro, há quem defenda esse rompimento na tentativa de reverter o jogo.
O chanceler paraguaio Rubén Ramírez Lezcano afirmou que, assim que soube do possível rompimento, fez contatos com o Ministério de Minas e Energia brasileiro, no qual teria sido informado que o Brasil não trabalha com esta hipótese.
Paraguai aguarda semana decisiva
Nesta segunda-feira (29), representantes dos ministérios de Minas e Energia e de Relações Exteriores tinham agenda com a direção brasileira de Itaipu para tratar do assunto. Até a publicação desta reportagem, não foram divulgadas definições tomadas no encontro.
A reportagem da Gazeta do Povo procurou o Itamaraty para saber sobre o andamento das negociações, mas até a publicação deste texto não recebeu retorno.
Alexandre Silveira vem afirmando que o Brasil vai manter posição de defesa pelo não aumento das tarifas. Do lado de lá, o ministro paraguaio afirmou que o país também não vai ceder.
O impasse sobre a tarifa fez com que o Paraguai travasse o caixa da binacional, que também está sem o orçamento aprovado por este ano. No Brasil, funcionários da hidrelétrica que estavam com benefícios e 13º salário referente a 2024 atrasados conseguiram na justiça que a margem brasileira efetuasse o pagamento na quinta-feira (25).
Cerca de 1,4 mil pessoas receberam os atrasados e o salário do mês. A “brecha” jurídica foi o caminho encontrado por sindicatos para quitação das pendências trabalhistas considerando que o problema não é de caixa.
No dia do pagamento, o diretor jurídico da margem brasileira de Itaipu, Luiz Fernando Delazari, esclareceu que essa discussão tarifária ocorre anualmente, mas que desta vez há um fator diferente que coincide com as definições do orçamento. “E que me parece ser uma radicalização por parte dos nossos sócios paraguaios é o fato de a tarifa estar sendo feita [debatida] ao mesmo tempo que se discute o orçamento que pode ser aprovado imediatamente por medidas e procedimentos provisórios, ser implantado à gestão de 2024 independente da questão da tarifa”, destacou.
Delazari lembrou que o cumprimento da decisão judicial foi possível porque no Tratado de Itaipu está pactuado entre as partes o compromisso de cumprir as decisões judiciais, principalmente nas questões relacionadas ao direito do trabalho.
Impasse sobre pagamento dos funcionários paraguaios
Informações de sindicatos dos funcionários do lado paraguaio indicavam na sexta-feira (26) que uma parte dos 1,6 mil trabalhadores do país vizinho chegou a ter salário creditado, mas os valores foram bloqueados nas contas.
Outra parte, que recebe por um segundo banco, sequer havia registrado o crédito em conta. O lado paraguaio de Itaipu, que não tem se manifestado sobre o assunto, não informou se a margem havia realizado os pagamentos. Segue o temor sobre uma possível paralisação dos funcionários, caso os pagamentos dos servidores paraguaios nãos sejam quitados.
A tensão vem escalando desde a reunião entre Lula e Santiago Peña no último dia 15 de janeiro, em Brasília, que também gerou impasse interno. Lula teria dado bronca em seus ministros pelo fato de não ter sido preparado sobre a reivindicação que Peña sobre o aumento da tarifa. Lula reclamou que foi pego de surpresa sobre o assunto e teria se irritado com o caixa bloqueado da binacional.
Os reflexos na revisão do Anexo C
Além dos valores das tarifas e a definição do orçamento para 2024, Brasil e Paraguai trabalham na revisão do Anexo C do Tratado de Itaipu. Os debates prometem ser acalorados, segundo interlocutores ligados à hidrelétrica. Santiago Peña já alertou que pretende pedir na revisão o direito de vender o excedente de energia a quem pagar mais.
Além dos impasses com o Paraguai que travam o caixa da hidrelétrica pela primeira vez na história, ministros do governo federal brasileiro foram alertados por setores técnicos, segundo oValor, que faltaria transparência da binacional quanto aos investimentos socioambientais.
Ano passado, a hidrelétrica lançou o programa Itaipu Mais que Energia, pelo qual destinou, “com pouca burocracia”, R$ 1 bilhão para 434 municípios do Paraná e do Mato Grosso do Sul, a serem investidos em projetos aprovados pela área técnica da hidrelétrica.
Em meio à polêmica, Itaipu celebra R$ 1,3 bi de investimentos em Foz do Iguaçu
Nesta segunda-feira (29), a Itaipu anunciou um “encontro para celebrar R$ 1,3 bilhão de investimentos em Foz do Iguaçu”. A cidade paranaense localizada na fronteira com o Paraguai é onde a usina está instalada, na margem brasileira do rio Paraná. O evento está marcado para a manhã de quarta-feira (31) no Centro de Recepção de Visitantes da usina.
Esses investimentos, segunda a hidrelétrica, foram aplicados ao longo do ano de 2023, mas não foram detalhadas todas as obras e ações. “No total, incluindo investimentos em obras, responsabilidade social, turismo, meio ambiente e saúde, o valor ultrapassa os R$ 1,3 bilhão”, reforçou a binacional.
Na mesma cerimônia será anunciado o projeto de revitalização de uma das mais importantes avenidas da cidade. “A proposta desenvolvida tem custo preliminar estimado de R$ 22 milhões e prazo total de execução de 24 meses”, esclareceu.
Também no evento será assinado um convênio de mais de R$ 5 milhões destinados a associação local para desenvolvimento de projeto para “prevenir situações de vulnerabilidade de crianças e adolescentes em situação de risco através de atividades esportivas, culturais, de lazer e fortalecimento de vínculos familiares e comunitários”.
Outro convênio que deve ser fixado envolve o Hospital Municipal Padre Germano Lauck, por meio da prefeitura de Foz do Iguaçu e a Secretaria Municipal de Saúde. “Serão investidos R$ 13.719.994,37 para diminuir a enorme fila de espera dos usuários do SUS para cirurgias eletivas e de alta complexidade em Foz do Iguaçu”, completou a Itaipu, ao anunciar o evento.
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