O reúso da água não é obrigatório nem proibido. Algumas situações específicas são regidas por leis federais ou regras locais, mas não há uma normatização detalhada, estabelecendo quais parâmetros são adequados. Enquanto isso, muita água potável continua sendo usada para atividades que poderiam contar com um produto de menor qualidade, como lavar calçadas e molhar a grama. Há um enorme tabu em volta da prática, muito consolidada em outros países, principalmente naqueles em que os recursos hídricos são escassos. A abundância no Brasil é um dos motivos que explica a demora na adoção do reúso. No Paraná, a estiagem prolongada que prejudica a oferta de água até para fins essenciais acabou por forçar a discussão sobre o assunto.
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Um grupo de trabalho, formado por agentes públicos e representantes da sociedade civil, foi instituído. A primeira reunião deve acontecer nos próximos dias e o planejamento inclui que, em seis meses, esteja pronta uma minuta de resolução a ser apreciada pelo Conselho Estadual de Recursos Hídricos. Para quem acha que 180 dias é muito tempo para avaliar o assunto, é importante destacar que todo o regramento jurídico precisa ser estudado e também que há uma série de adaptações necessárias, com a criação de indicadores de qualidade para cada tipo de atividade. O Paraná ensaiou, em 2018, fazer esse debate, mas a troca de governo fez com que a questão voltasse à estaca zero.
Bruno Tonel Otsuka, gerente de gestão de bacias hidrográficas do Instituto Água e Terra (IAT), comenta que não há uma regulamentação estadual sobre o reúso e que as normas federais dão apenas diretrizes, o que é insuficiente para implantar um amplo programa de reaproveitamento. Nesse sentido, Ceará e São Paulo estão bem mais avançados, em termos de regramento. Ele menciona como uma experiência interessante o projeto paulista Aquapolo, uma parceria entre o setor privado e o poder público, que capta água poluída e trata a ponto de ser usada por indústrias petroquímicas.
No Paraná, a discussão sobre o reúso deve se concentrar nas potencialidades dentro das três principais áreas de uso direto da água. A primeira é o abastecimento e saneamento, que poderia considerar fontes alternativas para lavagem e irrigação em parques, por exemplo. A segunda é voltada para o uso industrial, que vai desde áreas em que não é possível recorrer à água de reúso, como algumas produções de fábricas de alimentos e bebidas, até setores em que isso já é plenamente possível e até adotada, como processos de resfriamento em indústrias metalúrgicas. A terceira área é a agropecuária, que também precisa considerar especificidades: uma coisa é água de reúso para lavar instalações e outra é para irrigar hortas. Nos dois casos é possível, mas os indicadores de qualidade mudam consideravelmente.
Bruno Tonel Otsuka explica que o objetivo não é tornar o reúso obrigatório, o que precisaria ser por lei, mas regulamentar a prática. Ele comenta que algumas cidades já estabeleceram regras para setores específicos, como um decreto em Curitiba para a área de construções. Mas é possível considerar mais algumas atividades, como exigir que empresas lavadoras de veículos tenham obedeçam um mínimo de recirculação de água. O gerente destacou que instalar tecnologias de reúso tem um certo custo, que é preciso considerar, mas que acabam sendo amortizados ao longo do tempo.
Mauricy Kawano, coordenador de sustentabilidade da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), faz parte do grupo de trabalho que irá debater os parâmetros a serem adotados no estado. Ele considera que o primeiro passo é o esclarecimento para a população, incluindo explicar que existem várias modalidades. É considerada água de reúso aquele que “sobra”. Por exemplo, no banho, em ambiente residencial, o não há retenção expressiva. Quase tudo que chega escoa pelo ralo. Com tratamento adequado, esse recurso poderia ser usado na descarga sanitária. E há a água de recirculação, geralmente em indústria, que fica dentro de um sistema fechado, sendo reaproveitada constantemente.
O coordenador da Fiep comenta que a indústria sabe que a água é um insumo importante, com a qualidade e a quantidade variando muito de acordo com a atividade. Algumas incorporam aos produtos fabricados, como é a caso das bebidas, mas a maioria “usa e devolve”. Ele afirma que percebe uma mudança de consciência, com cada vez mais preocupação com a água. Sem a obrigatoriedade de reúso, a instalação de tecnologias de reaproveitamento está mais ligada a decisões para reduzir custo operacional e a tentativa de evitar prejuízos com autuações de órgãos ambientais.
Também o setor agropecuário tem alterado procedimentos relacionados à água. Alexandre Lobo Blanco é técnico do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural no Paraná (Senar-PR), encarregado de treinamentos, comenta que em um dos cursos, de boas práticas agrícolas, aborda as possibilidades, começando por destacar a necessidade da proteção das nascentes. Ele conta que algumas investigações sanitárias já apontaram a contaminação na fonte de água como o problema que originou doenças no rebanho e nas culturas.
O técnico destaca que algumas propriedades são incentivadas a instalar hidrômetros, como forma de monitorar o consumo, identificando oportunidades de aproveitamento. Também edificações, principalmente em granjas e locais de ordenha, estão refletindo a preocupação com a água, a partir de projetos dimensionados que se apropriam melhor de recursos de ventilação e luz solar.
Para Alexandre Lobo Blanco, os produtores rurais já se atentaram para a questão, mas os fabricantes se anteciparam. Ele cita que as mais recentes ordenhadeiras, por exemplo, são projetadas para ter a limpeza facilitada. Outros equipamentos têm a mesma eficiência, com menor vazão de água. O técnico enfatiza que os parâmetros de qualidade para o reúso interessam sobremaneira para o setor agropecuário, que pode ter os produtos ou até mesmo os trabalhadores contaminados se não houver cuidado adequado à atividade. Ele acredita que questões financeiras muitas vezes inviabilizam a instalação de ciclos de reúso e que os produtores precisam também contar com apoio laboratorial, para a realização de testes constantes.
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