A pandemia de Covid-19 trouxe insegurança alimentar para metade das famílias da região sul do Brasil. O número é parte de um estudo de pesquisadores da Universidade Livre de Berlim, na Alemanha, feito em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e com a Universidade de Brasília (UnB). O levantamento mostra uma face preocupante dos impactos da pandemia, que pode ser ainda mais cruel com as famílias de baixa ou nenhuma renda.
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É o que revela José Antonio Campos Jardim, presidente estadual da Central Única das Favelas (Cufa Paraná). Entre as ações coordenadas por ele e pela equipe da central está a distribuição de cestas básicas para famílias que já viviam em condições de vulnerabilidade, que foram potencializadas pela disseminação generalizada do novo coronavírus.
Em entrevista à Gazeta do Povo, José Antonio estimou que o grupo já tenha movimentado cerca de 170 toneladas de alimentos entre os meses de fevereiro e abril. “Hoje nós recebemos doações de duas empresas que deram no total 40 toneladas de alimentos”, revelou o presidente da central.
Parte desses alimentos foi doada a moradores de um residencial popular de São José dos Pinhais, onde vivem pessoas que foram retiradas de áreas de risco há sete anos. Por estarem incluídas em programas sociais do governo federal, elas tiveram a chance de ter uma casa própria. Só que, mesmo com essa oportunidade, a realidade de muitas dessas famílias ainda é de extrema pobreza.
“Algumas das famílias que moram lá continuam à mercê das políticas públicas. Eles entraram pagando R$ 70 de prestação do imóvel e do dia para a noite esse valor foi para R$ 270 por causa da taxa de condomínio. Se a gente pegar um exemplo de morador lá, uma pessoa na terceira idade que tem um rendimento de pouco mais de R$ 1 mil, e soma as contas com remédio, contas de água e luz e esse valor de condomínio de quase R$ 300, vai sobrar o que para os custos de sobrevivência? Dá pouco mais de R$ 200, tem casos que sobra menos de R$ 180. Para sobreviver os 30 dias do mês. Isso mal dá para a pessoa sobreviver. Ninguém vive com um valor desse”, relatou.
Cerca de 60 famílias do condomínio receberam doações de alimentos e cestas básicas vindas da Cufa em abril. Mães e avós que criam filhos e netos mesmo sem ter uma renda fixa, ou até uma expectativa de receberem algum dinheiro no fim do mês. Uma das moradoras ouvidas pela Gazeta do Povo e que preferiu não se identificar confirmou que se não fosse pela doação “não teria o que dar de comer aos filhos”.
Para José Antonio, “o condomínio é até bonito, mas continua sendo uma favela”. Isso porque, segundo ele, a classificação de favela não leva em conta o espaço físico onde moram as pessoas. “Favela é a condição de vida e a falta de políticas públicas. O que define um bolsão de pobreza é o estado em que a pessoa vive, e não o território. O IBGE fala em bolsão de pobreza com base nos índices de vulnerabilidade social, de desnutrição e de educação. Não há uma definição sobre o estilo das moradias, se é barraco de lona ou de resto de madeira. Não é assim que é classificado”, explicou.
Pandemia ajudou a tonar custos inviáveis
A auxiliar de limpeza Sílvia Aparecida Martins mora com o marido, a nora e a neta em um dos apartamentos do residencial. Ela conta que não chegou a faltar comida em casa, mas a situação financeira está longe de ser confortável.
Moradora no local desde o início do empreendimento, há sete anos, ela está a três anos de quitar o apartamento e poder tirar a escritura do imóvel em seu nome. Um impedimento, porém, a está afastando do sonho da casa própria passado para o papel. Por dois anos e meio ela não conseguiu quitar as parcelas da taxa de condomínio. A dívida rapidamente escalou para impagáveis R$ 13 mil. Ela então precisou fazer um empréstimo e negociou os valores atrasados com uma entrada de R$ 2 mil e mais 28 prestações de R$ 390. Desde então tem sobrado pouco para as compras do mês.
“A minha dívida já estava no Fórum, o apartamento estava com risco de ir para leilão. Agora tem essa parcela, e se somar com o que eu pago de condomínio aqui, que é R$ 210, já vai para R$ 600. A conta de luz aqui fica em torno de R$ 120, mais o gás que é R$ 70. Meu salário como auxiliar de limpeza é de R$ 900. Não sobra nada, como é que vai comer?”, desabafou.
Ela conta que a empresa para a qual trabalha não parou durante a pandemia, mas ela precisou ser afastada do trabalho por suspeita de Covid. O desconto no vale-alimentação, que segundo ela “é pouco, mas ajuda”, trouxe um impacto grande nas contas da casa.
“A gente veio de uma área de risco e não pagava nada para morar lá. É lógico que qualquer coisa que seja cobrada, para muitas pessoas acaba se tornando inviável. Eu sou assalariada e não estou conseguindo arcar com as minhas contas, imagina quem é catador de papel, os idosos que nem aposentados são. É muito complicado, muito difícil”, disse.
Ações da Cufa
Além da doação de alimentos, a Cufa também atua em outras duas frentes igualmente importantes na visão de José Antonio. Uma delas é o programa próprio de transferência de renda. Famílias em situação grave de vulnerabilidade social podem se cadastrar junto à central e, nos casos em que o cadastro é aprovado, a Cufa faz um pagamento de R$ 120 mensais para complementar a renda dessas pessoas e ajudar na compra de alimentos
Outra ação é a de conectividade, na qual as pessoas cadastradas podem receber um chip de celular com até seis meses de acesso grátis à internet. “Nós doamos chips de celular para que muitas dessas mães e avós tenham esse acesso. Para quem não pode ou não consegue sair de casa, pode ser a única forma de conversar com os filhos ou os netos. Uma idosa que não tomou a vacina ainda, como vai interagir com a família? A gente também tem que se preocupar com a saúde mental dessas pessoas, e essa é uma situação que não é muito discutida”, comentou o presidente da Cufa Paraná.
Quem pode ajudar?
Para ajudar as famílias em situação de vulnerabilidade, a Cufa conta ela própria com doações de empresários e pessoas físicas. O contato pode ser feito por meio do site oficial da entidade, o que segundo José Antonio foi a forma encontrada para reduzir o número de golpes que são aplicados em nome da central.
“O caminho para doar para a Cufa passa pelas nossas redes sociais e pelo nosso site oficial. Não disponibilizamos um endereço físico nem telefone de contato, porque há pessoas que montam esquemas para aplicar golpes em quem quer ajudar. Até nessa situação de pandemia tem quem pensa dessa forma. Basicamente, essa é a nossa ideia de solidariedade, que a gente espera que contagie todo o Brasil. Somos, no final, só a ponte entre os doadores e quem realmente conhece a realidade dessas pessoas”, comentou.
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