Décadas depois, invertem-se os papéis. E Curitiba, cidade que serviu de exemplo para inspirar o modelo de transporte coletivo da capital da Colômbia, Bogotá, agora faz o caminho no sentido inverso. A cidade colombiana virou case mundial em eletrificação da frota de veículos do transporte público e deve render à capital do Paraná o acesso à experiência que ajudará a definir o modelo de negócio de mobilidade elétrica a ser adotado em 2024.
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Nesta quinta-feira (11), a prefeitura de Curitiba anunciou a aquisição dos primeiros 70 ônibus 100% elétricos que irão operar na cidade a partir do ano que vem, com um investimento de R$ 200 milhões, bancados com recursos do município. É o primeiro passo rumo ao cumprimento do plano de ação climática da cidade, que prevê redução na emissão de poluentes de 30% até 2030 no transporte público e de 100% até 2050.
Os testes com os ônibus elétricos começaram no final de abril, com um veículo da chinesa BYD. Até outubro, pelo menos nove modelos de ônibus homologados serão testados, produzidos também pelas empresas Eletra, Volvo, Mercedes, Higer e Marcopolo.
Os fabricantes dos primeiros 70 veículos devem ser escolhidos a partir destes testes, que darão parâmetros de autonomia, segurança e conforto para o passageiro na eletrificação do transporte. “São quesitos que vão direcionar qual será o ônibus escolhido, tanto no modelo padrão quanto no modelo articulado”, adianta Ogeny Pedro Maia Neto, presidente da Urbanização de Curitiba (Urbs), empresa pública municipal que faz a gestão do transporte.
Até o momento, sabe-se que, dos primeiros veículos a serem adquiridos, 28 serão articulados e servirão à linha Interbairros II e 42 serão modelo padrão, para atender à rede integrada de transportes. Mas o modelo de negócio do sistema em si ainda não foi definido.
O município avalia alguns cenários possíveis, como contratação única para veículos, energia, operação e manutenção, ou um contrato para veículos e energia e outro para a manutenção e operação. Há, ainda, um terceiro modelo, com três componentes, sendo separados os contratos de fornecimento de veículos, infraestrutura de energia e outro para a operação e manutenção.
“Nós temos o modelo integral; o modelo híbrido, parte público, parte privado; temos um modelo de abastecimento separado. São diversas modelagens dentro de uma matriz que vamos construir aqui, para definir a melhor opção”, afirma o presidente da Urbs, referindo-se às discussões com os atores envolvidos no processo de eletrificação do transporte, entre operadores, fabricantes de veículos, financiadores, prestadores de serviço de energia e consultorias internacionais no tema.
Retribuindo o favor
Curitiba, que serviu de exemplo em transporte para o mundo com o BRT (Bus Rapid Transit, ou ônibus de trânsito rápido), sistema em que os ônibus dispõem de vias exclusivas e integração otimizada para dar melhor vazão ao transporte, quer agora ser o exemplo do BRT elétrico, segundo o prefeito, Rafael Greca. “A ideia é que o modelo BRT, consagrado aqui, em Bogotá e em 200 cidades do mundo, seja o metrô de superfície elétrico e não poluente de Curitiba”, diz.
E Bogotá, que adotou o BRT em 2000 após estudar o funcionamento do sistema em Curitiba, pode fazer o caminho de volta para ajudar a capital do Paraná na missão.
A capital colombiana enfrenta problemas comuns às grandes cidades brasileiras no que tange ao transporte público, especialmente no cenário pós-pandemia, como perda de passageiros e o consequente ônus causado pela queda na arrecadação – o que leva as prefeituras a aumentar o subsídio ano a ano para dar conta dos custos do sistema.
No entanto, no que se refere à eletrificação do transporte, é destaque mundial. E, no médio a longo prazo, este fator pode, inclusive, impactar positivamente no valor da tarifa, ajudando a atrair novamente o usuário do coletivo. Afinal, embora sejam mais caros, ônibus elétricos têm manutenções mais baratas. E a escalada na aquisição mostra que o preço dos veículos tende a reduzir.
A capital colombiana conta com 1.485 ônibus elétricos em circulação, quase 10% do total da frota. Para se ter uma ideia, São Paulo tem 219 veículos elétricos circulando - embora apenas 18 sejam do modelo padrão, enquanto os outros 201 são trólebus, ônibus que circulam a partir de hastes no teto e que têm rotas pré-estabelecidas.
Já Salvador, a cidade brasileira com a maior frota de ônibus tradicionais elétricos, tem 20 modelos padrão. A capital paulista só deve passar Bogotá no final de 2024, a partir de uma legislação que estabelece que a frota da cidade deve ser composta por pelo menos 2,6 mil ônibus elétricos até lá.
Felipe Ramirez, diretor de Mobilidade da WRI, consultoria internacional que atua no desenvolvimento de estudos e implementação de soluções urbanas, conta que a eletrificação do transporte de Bogotá foi um tanto desafiadora, já que em todo o mundo não havia uma frota de transporte urbano nesses moldes tão grande em operação. “Isso exigiu precauções adicionais e a aquisição foi gradual, durante os últimos quatro anos. Hoje é a maior frota elétrica fora da China.”
Quando o projeto de eletrificação começou a ser implantado, em 2019, Ramirez era secretário de Mobilidade da cidade. Segundo ele, encontrar os modelos financeiros e operacionais adequados foi fator fundamental para o sucesso do projeto.
A WRI atua com análises que contemplam esses modelos conforme o perfil de cada cidade, entendendo as dificuldades e apoiando os governos. Na Colômbia, depois que a eletrificação começou a ser implantada, o próprio mercado começou a ter melhor aceitação pelos veículos elétricos. E com a competitividade em jogo, as fornecedoras começaram a oferecer melhores condições e preços. A exemplo da BYD, que ganhou todas as licitações de veículos elétricos em Bogotá.
Mas a base foi a lição de casa feita pelo governo colombiano, que estabeleceu diretrizes regulatórias favoráveis à transição. As tarifas de importação para veículos elétricos foram zeradas e o governo passou a oferecer descontos no imposto de circulação, nos seguros obrigatórios contra acidentes e nas revisões técnicas compulsórias.
Felipe Ramirez destaca ainda outros cases de eletrificação de frotas de sucesso mundo afora que podem servir para o Brasil. “Um exemplo muito bom foi o que realizamos na Índia, onde vários estados se reuniram a fim de padronizar o tipo de veículo que seria utilizado”, menciona. "Conseguimos fazer uma licitação de 5 mil veículos entre estes diferentes estados e cidades da Índia, e, com isso, houve uma redução de cerca de 30% no custo dos ônibus elétricos.”
Com o modelo validado, o passo seguinte é escalar – o que tende a baratear ainda mais os veículos. “O que estamos fazendo agora é passar de 5 mil para 17 mil veículos e, posteriormente, chegaremos a 50 mil”, adianta. “Queremos fazer esses investimentos em diferentes lugares do mundo para torná-los mais rápidos. Esse avanço tecnológico é a transformação em direção a tecnologias que ajudem a reduzir os gases de efeito estufa”, conclui.
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