Recepção de amostras para teste do coronavirus no Laboratório Central do Estado – LACEN| Foto: Geraldo Bubniak / AEN
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No início de março (7), a Secretaria de Saúde do Paraná lançou no boletim diário da Covid uma atualização com 42.724 casos retroativos de Covid. No mesmo dia, o número de novos casos confirmados não retroativos era quase vinte vezes menor, 2.243. A avalanche de números retroativos abalou a base de dados para cálculo do índice de transmissão Rt da Covid no Paraná. Atualmente, esse índice, segundo a plataforma científica Loft, está em 0.92. Ou seja, a pandemia estaria decrescendo, com cada 100 pessoas transmitindo o vírus para outras 92.

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O alerta, no entanto, é que se não pode confiar no cálculo de Rt que tenha como base o banco de dados da Secretaria da Saúde, por causa dessa distorção causada pelas atualizações retroativas. Em 16 de fevereiro, outra atualização já havia lançado 4.878 casos represados de Curitiba, num único dia, nas estatísticas estaduais. O médico infectologista do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR) Bernardo Montesanti de Almeida ressalva que olhar o Rt isoladamente pode criar a ilusão de uma virada de chave que não ocorreu. “Esses dados represados impactam muito no cálculo do Rt. Se existe um padrão e apenas em um dia você registra 10 a 20 vezes mais do que a média, ocorre uma perturbação do cálculo da transmissão”, alerta o infectologista. “Esse Rt não representa os dados reais do Paraná. Num primeiro momento, ele superestima, então vai ter um Rt acima do verdadeiro. E num segundo momento ele cai, fica subestimado. Somente depois de mais ou menos um mês é que o índice deixa de sofrer a influência dos dados fora da curva”, aponta.

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A própria plataforma Loft, que faz levantamento com índice Rt por todo o país, ressalva que os cálculos se apoiam tão somente nas informações oficiais fornecidas pelas secretarias estaduais de Saúde. As inconsistências na base de dados podem explicar parte da prudência do secretário de Saúde do Paraná, Beto Preto, ao comentar a suposta conquista de um índice de transmissão de 0,79, na semana passada. "Nosso Rt baixou um pouco, mas os testes mostram que o coronavírus circula muito facilmente, de maneira comunitária, em todo o Estado, principalmente em Curitiba, na Região Metropolitana e na região Oeste. Por isso, quem pode precisa ficar em casa para não fazer o vírus circular”, avaliou em declarações à Agência Estadual de Notícias.

Para ter uma visão mais realista do quadro, segundo Bernardo Almeida, é preciso abrir o leque de indicadores, incluindo dados como número de óbito e de internamentos, fila de espera nos hospitais e taxa de positividade nos testes realizados. Todos esses se mantiveram em alta na semana passada. A fila por leitos caiu, é verdade, de um pico de 1.357 para menos de mil, mas ainda se encontra num patamar muito elevado. Já o número de mortos pode demorar ainda uma ou duas semanas para se reduzir, por ser naturalmente o último índice a responder às medidas de contenção da pandemia – após a redução de casos e de internamentos.

Epidemiologista defende rastreamento do vírus com testes antígenos

Almeida lamenta que ainda não se tenha adotado no país a massificação de testes na população para detectar os transmissores da doença. Os testes de antígenos, que podem ser feitos numa farmácia, por exemplo, com resultado em 15 minutos, seriam uma “arma poderosa”, diz ele. Almeida aponta que a estratégia tem sido seguida com sucesso em países como Austrália, Nova Zelândia, Vietnã e China, e é um mantra repetido pela Organização Mundial de Saúde: “testar, testar e testar”.

“Fazendo testagem, você encontra os transmissores e atua no isolamento desse grupo, que é de cerca de 1% a 2% da população. Os outros 98% poderiam ter vida normal, se otimizássemos a identificação desses 2%. (...) Vamos colocar os testes nas escolas, para liberarem as escolas, talvez nos profissionais de saúde, duas vezes por semana. Ou, no mínimo, se teve um contato domiciliar positivo, vai lá e faz o teste”, recomenda.

A estratégia de testar em massa a população é vista com bons olhos também pelo professor José Rocha Faria, da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). No entanto, Faria diz que o momento atual é de emergência e, diante da escassez de recursos, os testes perdem prioridade para medidas necessárias na linha de frente, como compra de equipamentos e de remédios. “Os recursos destinados à saúde são finitos, então têm de ser alocados no que é mais emergente no momento. Havendo remissão, (a testagem) poderia ser estratégia para acelerar a retomada as atividades. Lembrando sempre que a sensibilidade do teste antígeno é mais baixa do que o PCR, porém é mais barata”. Para o epidemiologista, os testes antígenos têm se mostrado bastante úteis em empresas, como nos frigoríficos do Paraná que enfrentaram seguidos surtos de Covid no ano passado. “É uma estratégia a ser avaliada pelas próprias empresas, isso não precisa necessariamente ser feito pelo poder público”, sublinha.

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A Secretaria de Saúde do Paraná foi contatada para comentar sobre a distorção do cálculo do fator de transmissão da Covid devido ao lançamento frequente de milhares de casos retroativos no banco de dados, mas até o fechamento desta reportagem não havia se posicionado. Na divulgação dos boletins que trazem atualização dos casos retroativos, a secretaria tem explicado que a medida é resultante de um alinhamento de informações entre a própria Sesa, a Secretaria Municipal da Saúde de Curitiba e o Ministério Público do Paraná, que solicitou ao município que passasse a utilizar o sistema Notifica Covid-19, desenvolvido pelo Estado, assim como os 398 municípios paranaenses fazem desde o início da pandemia. Contatado, o Ministério Público do Paraná informou que o procedimento da Promotoria de Justiça de Proteção à Saúde de Curitiba sobre a possível divergências dos números segue em trâmite. Inclusive nesta segunda-feira (29), foi feito um novo pedido de informações à Sesa, com prazo de resposta de dez dias.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]