Especialistas alertam para caos na segurança pública com descriminalização da maconha.| Foto: Ekaterina/Pixabay
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A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), por oito votos a três, pela descriminalização do porte de maconha para uso pessoal - fixando em 40 gramas ou seis plantas fêmeas de Cannabis sativa para diferenciar um usuário de um traficante de drogas - terá impacto direto na segurança pública, com efeitos de provocar um caos social, avaliam especialistas.

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Para o coronel da reserva remunerada da Polícia Militar do Paraná (PMPR) Alex Erno Breunig, vice-presidente da Assofepar (Associação dos Oficiais da PM e dos Bombeiros Militares do Paraná), a descriminalização vai fazer pressão sobre pontos das cidades que costumam ser frequentados pelos usuários; estimular o chamado tráfico “aviãozinho”, feito com pequenas quantidades da droga e muitas vezes por dia; e ampliar o tráfico em âmbito macro, para atender o aumento no consumo e estimular novos usuários.

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“Se antes ainda existia algum receio de consumir, de comprar, de ter a droga consigo, agora isso não existe mais, e sim, isso vai trazer impactos diretos e preocupantes à segurança pública das cidades”, alertou Breuning, ao lembrar do número elevado de crimes que têm relação direta com uso ou tráfico de drogas.

Nos 27 anos dedicados à segurança pública em Curitiba (PR), o coronel esteve lotado em regiões marcadas pelo uso de entorpecentes e a venda deles. Na avaliação dele, a situação tende a piorar. “No 12º Batalhão atuei em 27 bairros em Curitiba, incluindo Centro Cívico, Largo da Ordem, São Francisco. A segurança pública principalmente nessa parte mais central, que é muito movimentada, com bares e muita gente transitando, sofrerá influência ainda maior para o uso de entorpecentes".

Ele reitera uma opinião comum na área: "A segurança pública, no nosso entender e pelo conhecimento prático de quem conviveu muito com situações assim, vai sofrer uma piora estimulando crimes que são praticados para manter o vício, como furtos, roubos e crimes contra a vida”, alertou.

Medida administrativa a usuários gera dúvidas para agentes da segurança

Para o coronel da PM do Paraná, a decisão do STF pela descriminalização da maconha pode ampliar o preocupante consumo de drogas em espaços públicos, sem contar a medida administrativa que passa a ser adotada a quem for pego nessas condições. “A medida administrativa não explica exatamente como será cumprida, porque pelo que vi na decisão, se alguém é surpreendido com qualquer quantidade de droga até 40 gramas, será um ilícito administrativo. Mas qual é a penalidade? Vamos comparar isso com uma multa de trânsito? O sujeito está no centro da cidade fumando um baseado e a decisão diz que ele deve continuar sendo encaminhado para a delegacia, mas não é crime. Me parece bastante sui generis (sem semelhança com nada)”, avaliou.

Pelas novas regras, não há mais a infração penal aos que guardarem, tiverem em depósito, comprarem, transportarem ou carregarem até 40 gramas de maconha para consumo pessoal. Apesar de a decisão do STF não legalizar o porte de maconha, autoridades em segurança pública avaliam que é um aval para que usuários passem a portá-la com tranquilidade.

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Para o presidente do Conselho Comunitário de Segurança de Cascavel (PR), Sergio Leonardo Gomes, o que era considerado preocupante promete piorar com a descriminalização da maconha. Como exemplo, Gomes, que é policial rodoviário federal aposentado, lembrou de um homem preso ao menos 30 vezes em Cascavel em poucos meses praticando crimes similares para alimentar o vício. “Entendemos que a descriminalização também vai levar as drogas para mais perto das escolas, elevar os problemas rotineiros de consumo em via pública. Aquelas situações que antes as forças de segurança tinham dificuldades em controlar agora terão menos controle ainda”, reiterou ele.

A cidade de 350 mil habitantes no oeste paranaense viu os crimes contra a vida dispararem: de janeiro a junho foram mais de 40 homicídios. No ano passado inteiro foram 26. “A maior parte desses crimes tem relação com uso, tráfico, disputas entre facções. Então, além do consumo, vai estimular a disputa pelo tráfico, porque se existe o consumidor, precisa existir quem forneça para ele”, completou.

No fim de junho, o Supremo julgou a constitucionalidade do Artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), estabelecendo penas alternativas que vão desde uma advertência até o comparecimento em cursos relacionados ao maleficio causado pela dependência.

A Lei das Drogas foi aprovada em 2006 pelo Congresso Nacional e previa que o porte não deveria levar à prisão ou processamento criminal, mas não estabelecia a quantidade da substância para caracterizar usuário e traficante. “Os pequenos traficantes, chamados de 'aviõezinhos', ficam andando o dia todo, de um lado para outro, com pequenas porções. Então isso vai estimular essa pequena traficância, apesar de a lei estipular que existem características que possam indicar o tráfico mesmo estando dentro do limite de 40 gramas”, lembrou o coronel da reserva remunerada da PM.

Descriminalização da maconha exige preparo e atenção das forças de segurança

O procurador-jurídico da Associação Brasileira da Advocacia Criminal (Anacrim), Márcio Berti, salientou que a descriminalização da posse de até 40 gramas de maconha não significa que o uso da droga em locais públicos esteja liberado. “A regulamentação do consumo em espaços públicos permanece sob a alçada das autoridades locais e estaduais, que podem estabelecer normas específicas para garantir a ordem e a segurança pública”, esclareceu.

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Para o advogado, a experiência de outros países que adotaram políticas semelhantes mostra que, com a implementação de programas educativos e de prevenção, é possível controlar adequadamente o uso em locais públicos sem causar descontrole.

Berti avaliou, no entanto, que a preparação das forças de segurança pública é crucial para a implementação bem-sucedida de qualquer mudança na política de drogas. “A decisão do STF exige uma adaptação por parte das autoridades, incluindo a capacitação de agentes para lidar com novas situações decorrentes da descriminalização. Isso envolve treinamentos específicos para distinguir entre posse para uso pessoal e tráfico, além de uma abordagem integrada com serviços de saúde e assistência social”.

Segundo o STF, para caracterizar tráfico mesmo dentro da quantidade permitida, deverão ser considerados pelos delegados no momento da autuação indícios de comercialização, como apreensão de balança para pesar o entorpecente, possíveis registros de vendas e de contatos entre traficantes e intermediadores nas negociações.

Segundo o ministro Luís Roberto Barroso, a lei poderá retroagir para beneficiar usuários que tenham sido condenados pela Justiça, desde que não tenham ligação com o tráfico. “São muitas as incertezas. O número de usuários deverá aumentar e, consequentemente, o número de traficantes também”, completou o coronel Breuning, da reserva da PM do Paraná.

A Gazeta do Povo procurou órgãos de segurança pública do Poder Executivo para comentarem a decisão. A Secretaria da Segurança Pública do Paraná (Sesp) disse que não iria se pronunciar sobre o tema. A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP) afirmou apenas que "as ocorrências envolvendo apreensões de drogas serão atendidas pelas polícias Civil e Militar de acordo com a legislação vigente". Municípios que operam com Guardas Municipais procurados pela reportagem não quiseram comentar a decisão do Supremo nem a forma como pretendem se adequar para a mudança na legislação.

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Congresso protagonizará novo capítulo com a PEC das Drogas

Na Câmara dos Deputados, o presidente Arthur Lira (PP) afirmou, após decisão do STF pela descriminalização da maconha para consumo, que vai instaurar uma comissão especial para analisar a proposta de emenda à Constituição que ficou conhecida como a PEC das Drogas (45/2023), de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD). A PEC foi aprovada pelo Senado.

Se aprovada, a proposta pode derrubar o critério técnico estipulado pelo STF e voltar a criminalizar a posse de qualquer quantidade de maconha. Lira disse que não haverá uma votação apressada, mas a decisão do Supremo causou mal-estar entre parlamentares.

Como votaram os ministros do STF pela descriminalização da maconha

A favor da descriminalização

  • Gilmar Mendes
  • Edson Fachin
  • Rosa Weber
  • Luís Roberto Barroso
  • Alexandre de Moraes
  • Dias Toffoli
  • Luiz Fux
  • Cármen Lúcia

Contrários à descriminalização

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  • Cristiano Zanin
  • Kassio Nunes Marques
  • André Mendonça 

O ministro Flávio Dino não votou porque Rosa Weber apresentou voto favorável à descriminalização antes de se aposentar. Dino ocupou a cadeira deixada por ela no STF.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]