Foi no entardecer de uma segunda-feira, 15 de março de 2010, que a primeira reportagem da série Diários Secretos foi ao ar, na RPC. Simultaneamente, um texto foi divulgado no site da Gazeta do Povo. Um esquema de desvios de dinheiro público, entranhado na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), começou a ser revelado, 10 anos atrás, numa produção em parceria entre os dois veículos de comunicação.
A primeira matéria mostrou que a Alep usava diários oficiais avulsos, ou seja, não numerados. Começar a série mostrando que eram produzidos documentos não rastreáveis foi uma estratégia para que nenhum diário fosse “fabricado” para “legalizar” as irregularidades apontadas.
A aridez do assunto foi mesclada com uma história que mostrava a face humana do escândalo: duas lavradoras semianalfabetas da cidade de Cerro Azul, a 80 quilômetros da capital, que viviam em meio a pobreza enquanto em suas contas bancárias havia sido depositado mais de R$ 1,6 milhão (mais tarde o Ministério Público viria a descobrir que elas aceitaram participar da fraude em troca de uma mesada de R$ 150).
Também vinha à tona, na primeira leva de reportagens, como eram propositalmente inacessíveis os diários oficiais da Alep e que alguns eram impressos, quando necessário, na gráfica que funcionava no subsolo do prédio, atendendo a demandas específicas, sem que fossem produzidos documentos a serem destinados para algum lugar de consulta. Não havia um acervo externo, que pudesse servir de contraprova.
Foi o estopim para uma sequência de conteúdos programados para aquela semana de março de 2010. A matéria seguinte apresentava “o todo poderoso” da Assembleia Legislativa, de quem muita gente ouvia falar, mas que não constava em nenhum registro da imprensa, seja em fotos, seja como entrevistado. Era Abib Miguel, conhecido como Bibinho, que herdara parte do poder do deputado Aníbal Curi, falecido em 1999.
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O perfil do então diretor-geral da Alep, que ocupara o cargo por duas décadas, mostrava uma rede de pessoas próximas a Bibinho, empregadas no Legislativo, com altos salários, sem que ninguém efetivamente trabalhasse na Casa do Povo. Procurado, Bibinho não aceitou dar entrevista.
O relato sobre os funcionários fantasmas promoveu a primeira reviravolta no caso. Abib Miguel foi afastado do cargo de diretor-geral. A queda do “todo poderoso” foi divulgada no mesmo dia em que o especial trazia os excluídos da lista da transparência, nomes que a Assembleia havia ocultado em sua relação de funcionários – alguns tinham sido demitidos na véspera da divulgação e recontratados no dia seguinte e outros nem chegaram a ser exonerados, continuavam recebendo salário, mas não constavam nos arquivos oficiais da Alep.
À essa altura, a repercussão da série já era imensa, com outros veículos de comunicação, principalmente do Paraná, mas também de outros estados (muito por causa da divulgação no Jornal Nacional, da Rede Globo, já que a prática de viralização online ainda estava muito longe de ser instituída) abordando o esquema revelado. Com o assunto sendo abordado em jornal, TV, rádio e internet, o escândalo ganhou as rodas de conversa, da fila da padaria ao salão de beleza, causando indignação.
A partir de então, uma série de acontecimentos abalou as estruturas da política estadual: operações policiais, prisões, mais de uma centena de inquéritos abertos a partir de uma força-tarefa de 20 promotores e o início de um processo mais transparente de contratação de funcionários na Alep, com economia substancial de recursos públicos.
Também foi um período de intensas manifestações populares, como a dos estudantes que entraram na Assembleia para protestar, e o movimento O Paraná que Queremos, encabeçado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que levou milhares de pessoas para a Boca Maldita, em Curitiba, e em outras 15 cidades do estado.
Durante a semana, a Gazeta do Povo irá publicar um conjunto de conteúdos para mostrar os desdobramentos da série Diários Secretos. Acompanhe aqui.
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