A série Diários Secretos traz à memória lembranças fortes para quatro pessoas que estiveram no coração dos acontecimentos, há dez anos. Para além da divulgação das reportagens, houve mobilização. Gente que viajou para protestar, que escreveu para todos os deputados, que estimulou estudantes e entidades da sociedade civil organizada. Numa época em que não era assim tão comum a manifestação popular.
Karine Muzeka era integrante de movimentos sociais e estava entre os jovens que derrubaram o portão da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) para protestar dentro do prédio, em 14 de abril de 2010. Naquele dia, estudantes decidiram se manifestar, cobrando mudanças na gestão da Casa.
Alguém teve a ideia de cantar o hino nacional e, logo, todos ali estavam unidos pela canção e emocionados. Karine foi registrada pelas câmeras da RPC com a mão sobre o peito, engrossando o coro. Eram tempos diferentes, quando jovens vestindo todas as cores se misturavam para atingir um objetivo comum: serem ouvidos, mandando o recado de que aquela Casa de Leis também é do povo.
Karine conta que, naquela época, trabalhava como auxiliar de cozinha num restaurante, em Balneário Camboriú/SC. Hoje, com 34 anos, lembra com emoção daqueles dias. “Eu fiquei sabendo da manifestação pelo Orkut”, que era a rede social com o maior número de usuários. “Aquele dia era minha folga de serviço. Eu trabalhava em Santa Catarina e eu pude vir para cá e participar da manifestação. Foi um chamado, né? Eu me senti, assim, chamada por aquela manifestação, por aquele caso”.
O protesto começou do lado de fora, até que um grupo de estudantes forçou a entrada, já que os seguranças tentavam barrar o acesso ao prédio. Ao entrarem, os manifestantes entoaram palavras de ordem, até que o momento do hino. “Eu sempre fui de cantar o hino com a mão no peito”, diz Karina. “Em forma de respeito, em forma de dizer sim, que eu gosto dessa pátria e é por ela que eu luto. Era por isso que eu estava naquele dia aqui”.
Quem também resolveu protestar, mas de outro jeito, foi Acir João Cardozo, servidor público municipal. Ele conta que, ao acompanhar as reportagens pela Gazeta do Povo e pela RPC, se interessou na mesma hora. E se indignou com a indiferença — e até certa arrogância — dos parlamentares. Por causa disso, escreveu para cada um dos 54 representantes do povo, cobrando uma posição sobre as denúncias.
“Basicamente, a pergunta era: qual vai ser a sua atitude diante dessas denúncias dos Diários Secretos? Eu não tive nenhuma resposta propositiva, que dissesse nós vamos apurar. Ninguém respondeu, sabe. Isso é uma conveniência. Um silêncio pairou”, revela. Dos 54 e-mails, quatro deram respostas automáticas, de recebimento, e prometendo contato posterior. O restante não deu nenhum sinal.
“Fiquei chateado como cidadão, né, porque eles estão lá através do voto da gente. A gente deposita confiança em 54 pessoas e eu não quero generalizar aqui. Existem bons parlamentares. Mas a resposta que não me foi dada é que me deixou chateado, a palavra correta é chateado. Parecia que todos estavam envolvidos naquilo. Sei que não eram todos, mas a atitude deles, ou a não-atitude, a omissão deles, é que me deixou chateado”, explica.
O advogado José Lúcio Glomb era o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Paraná (OAB-PR) em 2010. Quando as denúncias vieram à tona, sentiu que a entidade tinha que se pronunciar sobre essa situação. Mas não a OAB isoladamente: todos aqueles que representavam um novo estado, o “Paraná que queremos”, que é o nome do movimento que acabou reunindo o apoio de 1.496 empresas, 615 sindicatos, associações e entidades, além de 91.524 pessoas físicas.
“Nós sempre valorizamos o estado do Paraná como aquele de povo trabalhador, esforçado, valoroso, que dá o seu melhor em tudo o que faz. Assim fizemos o manifesto. E, em oposição a isso, existia um outro Paraná. Um Paraná que estava no submundo da corrupção, dos empregos de pessoas fantasmas na Assembleia”, recorda. “E então perguntávamos: que Paraná queremos? Essa era a ideia”.
Ele se lembra da noite de 8 de junho de 2010, o ‘dia do basta’, quando o movimento mostrou a sua força ao reunir 30 mil pessoas na Boca Maldita, em Curitiba, e em 15 cidades no interior do estado. “Uma noite fria de inverno, com garoa e que milhares e milhares de pessoas lá apareceram para prestar o seu apoio. Foi algo que marcou a minha vida, pessoal e profissional”, revela.
Paulo Moreira da Rosa Júnior também estava na Boca Maldita naquela noite. Ele era o presidente da União Paranaense dos Estudantes (UPE), uma das centenas de entidades que apoiaram a mobilização. Com o movimento “ Caça-fantasmas”, esteve à frente dos primeiros protestos de reação às denúncias reveladas pela série. “A gente conseguiu levar para as principais cidades do estado. A gente envolveu vários centros acadêmicos e diretórios centrais de estudantes do estado todo”, comenta.
Sobre o desenrolar das denúncias, lamenta que a expectativa de justiça não tenha encontrado plenitude nos tribunais. “Eu acho que esse é o sentimento que todo brasileiro tem quando vê escândalos assim, que são notórios. Você vê os verdadeiros mandatários dos crimes ficando impunes, né. Então eu acredito que esse é um sentimento de certa angústia. Mas eu acredito, que ao mesmo tempo, a gente não pode desistir. Porque se a gente deixar esse sentimento dominar, é deixar quem está errado vencer”, reflete.
Para Paulo, o jornalismo investigativo foi o que cativou os estudantes. “A indignação veio, mas a gente percebeu o valor do jornalismo investigativo, né. Quando o jornalismo é feito de forma séria, ele cumpre esse papel, de trazer informação de fato para a sociedade. E quando a gente sente uma indignação, a gente não pode ficar calado. Mas não basta também só atitudes isoladas. A gente precisa se organizar”, acredita.
Colaboram Caroline Maltaca e Rafaela Liberato.
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