Depois de venezuelanos e haitianos, a região da tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina tem recebido uma nova e expressiva onda migratória. Com a perspectiva de deixar a crise econômica enfrentada pelo país natal, argentinos que chegam à região oeste do Paraná buscam, além de se manterem próximos da Argentina, oportunidades de novos empregos. Porém, a colocação formal no mercado de trabalho tem esbarrado na burocracia. Imigrantes relatam dificuldades para agendar ou de conseguir atendimento na Delegacia da Polícia Federal (PF) em Cascavel, município da região. O procedimento é fundamental para formalizar a condição de trabalho em território brasileiro.
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“Temos milhares de vagas de trabalho, empresas dispostas a contratar, precisamos muito destes profissionais, mas sem a regularização necessária, não temos como encaminhar o processo de admissão”, explicou o coordenador da Câmara Técnica de Empregabilidade da região e coordenador da Agência do Trabalhador no município de Toledo, Rodrigo Souza.
Composta por 50 municípios, a região paranaense concentra cinco das dez maiores cooperativas do agro brasileiro, que juntas registraram faturamento de R$ 65 bilhões em 2022. Na região, agricultura e pecuária as maiores fontes de gerações de emprego e renda. Por lá, as indústrias oferecem 12 mil vagas formais que seguem há meses sem preenchimento. O processo migratório tem levado centenas de estrangeiros ao entorno, mas os relatos de impasses nesse processo são semelhantes.
Brayan é venezuelano, tem 18 anos e está com problemas para emitir a documentação. O desespero vai tomando conta porque enfrenta dificuldades financeiras. O jovem diz que já perdeu a conta de quantas vezes foi à Delegacia da PF para tentar um agendamento, mas voltou sem resposta. Enquanto isso, ele conseguiu uma colocação informal para coleta de recicláveis.
A falta de informação relatada por quem procura a PF também dificulta o acesso à documentação. “Estou há dois anos no Brasil e preciso de ajuda para tirar o RG, não sei como faço. Minha família também precisa do RG”, relata a também venezuelana Claudia.
O argentino Ari tem 32 anos e vive em um albergue no oeste do Paraná. “Vendo doces no sinal e peço ajuda. Enquanto não consigo trabalhar com registro, vou me virando como dá, mas está difícil. Já fui na agência [do trabalhador], mas disseram que preciso dos documentos para trabalhar. Só que não consigo agendar horário na Polícia Federal”, conta.
Setor produtivo pede soluções
O problema, que vem sendo registrado há meses, fez com que o setor produtivo regional se mobilizasse. Com tantas oportunidades de trabalho aguardando profissionais, as indústrias avaliam o risco da estagnação de plantas por falta de mão de obra.
O Programa Oeste em Desenvolvimento (POD), que reúne as maiores indústrias e empregadores regionais, tem se mobilizado a partir da Câmara de Empregabilidade e de órgãos que atuam no atendimento a imigrantes. Eles vão pedir informações à Polícia Federal no Paraná sobre a demora para agendamentos e atendimentos a estrangeiros, além de solicitar mecanismos para resolução dos entraves.
“Os migrantes encontram na região uma oportunidade para recomeçar suas vidas, com emprego e dignidade. O que seria uma oportunidade de ser conquistada acaba não acontecendo pela falta da documentação. Atendemos casos em que se espera por um agendamento há 120 dias”, destacou a coordenadora da Embaixada Solidária, Edna Nunes. A entidade atua na assistência a estrangeiros que chegam sem uma rede de apoio. De lá, são encaminhados para acesso a políticas públicas e de empregabilidade. “Somente nas duas últimas semanas registramos cerca de 50 casos com esses mesmos problemas. São pessoas de diversas etnias, mas temos sentido um aumento muito grande na chegada de argentinos à região”, pontua ela.
Conhecida como fronteira aberta, a passagem entre Brasil, Paraguai e Argentina, com baixo controle e fiscalização migratória, além da falta de atendimento formal, evidencia a dificuldade em contabilizar o número de argentinos que estão estabelecendo residência no Brasil.
Falta de respostas a imigrantes traz reflexos econômicos e sociais
Para o diretor da Câmara de Empregabilidade do POD, Rodrigo Souza, a dificuldade dos imigrantes com documentação se reflete nas áreas econômica e social. “Se houvesse mais agilidade, poderíamos encaminhar mais pessoas para as contratações. Temos as vagas, as empresas querem contratar, as pessoas querem trabalhar, mas com essa limitação não se consegue encaminhar”, destaca.
Somente na regional atendida por Toledo, que compreende cerca de 10 municípios do entorno, são cerca de 2 mil estrangeiros empregados. Na abrangência de 55 municípios da região oeste paranaense, estima-se que sejam mais de 6 mil imigrantes no mercado formal de trabalho. “Há centenas de outros que poderiam estar empregados não fosse os problemas com a documentação”, reitera Souza, que também percebe a chegada de uma maior quantidade de argentinos.
Outro reflexo desse panorama é sentido por quem faz o atendimento na ponta: os municípios, com sobrecarga no sistema, sobretudo na área da assistência social. “Enquanto o emprego não chega, são os municípios que precisam dar suporte às famílias, o que acaba sobrecarregando o sistema de atendimento”, completa o coordenador da Câmara de Empregabilidade.
Na avaliação dele, a situação pode piorar nos próximos meses, quando a maior indústria para o abate de suínos da América Latina, instalada em Assis Chateaubriand, vai iniciar as operações. Somente na unidade, onde a previsão é de abate de 7.880 suínos por dia, projeta-se 8,5 mil novos trabalhadores. “Se hoje, sem a planta em operação, temos tantas vagas abertas e sem preenchimento, imagine depois quando ela passar a operar”, salienta Souza.
Para o presidente do POD, o empresário Alci Rotta, a empregabilidade é um tema permanente analisado com atenção pelo programa. “A região oeste do Paraná está em franco desenvolvimento e preencher vagas é um constante desafio. O agendamento digital [na PF] já auxiliaria muito. Nossa preocupação é habilitar essas pessoas para o mundo do trabalho”, destaca.
PF tenta reduzir as filas de atendimento a imigrantes
Há um mês, a reportagem da Gazeta do Povo já havia noticiado as imensas filas de imigrantes na Delegacia da Polícia Federal (PF) de Cascavel. Na última semana, um comunicado foi fixado na porta da DPF, alertando que os agendamentos a estrangeiros serão feitos exclusivamente às sextas-feiras e com requerimento preenchido no site da Polícia Federal.
A instabilidade no sistema on-line da PF aumenta as dificuldades no atendimento ao público, de acordo com confirmação do delegado-chefe da DPF em Cascavel, Marco Smith. Na última semana, mais de 100 pessoas se concentravam na delegacia, em uma única tarde, no aguardo do atendimento.
De acordo com o delegado, os agendamentos, que poderiam ser feitos pela internet, só ocorrem de forma presencial. Smith acrescenta que foi feita a identificação do ataque de um robô que vinha realizando o preenchimento de todos os horários disponíveis, pelo site da instituição. Após os agendamentos, um grupo tentava comercializar os horários, de forma ilegal.
Questionada, a Superintendência da PF no Paraná disse que a capacidade de atendimentos é limitada pelos recorrentes cortes orçamentários, o que impede a contratação de mais profissionais. Enquanto isso, a Delegacia de Cascavel planeja promover mudanças para tentar reduzir os transtornos aos imigrantes.
A proposta do delegado Smith é de fazer atendimentos a estrangeiros não mais na sede da delegacia, e sim em um imóvel a cedido pela prefeitura de Cascavel. Mas esse local ainda não está definido. “Não precisarão mais ficar todos os que esperam atendimento em um mesmo ambiente. Quem emite passaporte seguirá sendo atendido na delegacia, quem precisa regularizar documentos, como estrangeiros, vai para este novo local”, diz.
Também como medida para melhorar o atendimento, a delegacia da PF em Cascavel planeja contar com um haitiano para facilitar a comunicação com outros imigrantes. "Algumas dessas mudanças darão mais agilidade, mas seguimos com os mesmos problemas no sistema, para os agendamentos”, evidencia o delegado.
O Departamento da Polícia Federal em Brasília foi procurado, mas respondeu por meio da assessoria de imprensa que o assunto deveria ser tratado com a Superintendência no Paraná. O Ministério da Justiça e Segurança Pública, a quem a Polícia Federal está vinculado, também foi procurado, mas até a publicação desta reportagem não retornou o pedido.
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