A possibilidade de o celular de um dos conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) ter sido indevidamente interceptado foi um dos motivos que levou à recente anulação da sentença criminal da Operação Fidúcia, assinada no ano passado pela juíza federal Gabriela Hardt, da 13ª Vara Federal de Curitiba. Deflagrada em março de 2015 pela Polícia Federal, a Operação Fidúcia trata de desvio de dinheiro público por meio de Oscips (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público) que mantinham contratos com prefeituras do Paraná, a maioria na área da saúde. Com base na investigação, o Ministério Público Federal (MPF) ofereceu denúncia à Justiça Federal contra oito pessoas em dezembro daquele ano.
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A anulação da sentença, por decisão unânime da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), ocorreu no último dia 13 e acabou se tornando conhecida porque, durante o julgamento do caso, o desembargador federal Leandro Paulsen observou que a juíza federal Gabriela Hardt copiou parte das alegações finais feitas pelo Ministério Público Federal (MPF). “De fato a sentença apropriou-se ipsis litteris dos fundamentos constantes nas alegações finais do MPF, sem fazer qualquer referência de que os estava adotando como razões de decidir, trazendo como se fossem seus os argumentos, o que não se pode admitir”, afirmou Paulsen.
Hardt foi quem condenou o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a 12 anos e 11 meses de prisão no caso do sítio em Atibaia. Ao questionar a sentença, a defesa do petista também apontou um “copia e cola” de trechos de uma decisão do ex-juiz federal Sergio Moro, que condenou Lula no caso do tríplex no Guarujá. Ela admitiu que usou parte da sentença de Moro como modelo.
Interceptação indevida
Em relação à sentença da Operação Fidúcia, além da observação feita pelo desembargador federal Leandro Paulsen, o relator do caso, João Pedro Gebran Neto, entendeu que pode ter havido interceptação telefônica sem autorização judicial, do telefone do conselheiro do TCE-PR Fernando Guimarães. Entre os condenados no primeiro grau da Justiça Federal na Operação Fidúcia está Keli Cristina de Souza Gali Guimarães, que é esposa do conselheiro.
Pelo cargo que ocupa, Fernando Guimarães só poderia ser alvo de uma investigação no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília – em agosto de 2017, o ministro Humberto Martins, do STJ, determinou o arquivamento da sindicância criminal aberta para apurar a relação do conselheiro com os fatos tratados no âmbito da Operação Fidúcia.
A condenação de Keli Guimarães e de outras sete pessoas é de março de 2018. Depois disso, a defesa da esposa do conselheiro apresentou extratos telefônicos com indícios de que o celular do marido estava interceptado sem autorização judicial. A defesa de Keli Guimarães suspeita que as informações do Sistema Guardião foram adulteradas para ocultar a ilegalidade, como se as chamadas tivessem sido captadas do telefone da acusada Keli Guimarães, quando, na verdade, teriam sido captadas sem autorização judicial do celular do conselheiro.
A Gazeta do Povo entrou em contato nesta segunda-feira (25) com o MPF, autor da denúncia oferecida à Justiça Federal, e aguarda um retorno.
Em outubro daquele ano, ao analisar o recurso da defesa, a juíza federal Gabriela Hardt determinou a instauração de um inquérito policial para apurar o caso, mas rejeitou o pedido para anular a sentença. “A suspeita de ilicitude na interceptação telefônica, envolvendo apenas o conselheiro do TCE, não está confirmada, sendo certo que o conselheiro não foi julgado neste processo criminal. Ademais, agrego que a prova decorrente da interceptação telefônica, apesar de ter agregado ao conjunto probatório, não foi o principal meio de prova empregado na Operação Fidúcia. Ao contrário, o principal meio de prova deste processo é mesmo o documental”, justifica ela.
Ao rejeitar a anulação, a magistrada também lembra que “a principal integrante da organização criminosa, Cláudia Aparecida Gali, é confessa nesta ação penal em relação aos principais crimes que compõem a imputação”. “De qualquer forma, considerando que, se comprovada, a alegação se reveste de considerável gravidade, e para que não se alegue omissão, entendo necessário aprofundada apuração dos fatos”, continua ela, ao propor a instauração de um inquérito policial.
Responsável pelo Instituto Confiancce, e também pela Oscip Instituto Brasil Melhor (IBM) e pela empresa Med-Call Sul Serviços Médicos, Cláudia Aparecida Gali foi condenada a 19 anos e 2 meses de reclusão, além de multa, pelos crimes de organização criminosa, peculato, lavagem de dinheiro e frustração a direitos trabalhistas. Ela é tia de Keli Guimarães. Ex-funcionária do Instituto Confiancce, Keli Guimarães foi condenada a 12 anos e 10 meses de reclusão, além de multa, pelos crimes de formação de quadrilha, peculato e lavagem de dinheiro.
“Dúvida razoável”
Com a negativa da juíza federal Gabriela Hardt, a defesa de Keli Guimarães recorreu ao TRF4, em Porto Alegre. No último dia 13, em seu voto na 8ª Turma do TRF4, o desembargador federal João Pedro Gebran Neto entende que há “dúvida razoável de que tenha havido interceptação ilegal do telefone do conselheiro e as conversas tenham sido indicadas como originadas/recebidas pelo telefone de Keli”.
“Vale ressaltar que eventual interceptação telefônica irregular de autoridade com prerrogativa de foro, por si só, não invalidaria todo o conteúdo das escutas legitimamente realizadas. Todavia, havendo dúvida quanto à integridade da prova e a possibilidade de manipulação dos dados obtidos, o melhor caminho a ser trilhado, e fim de evitar futuras nulidade, é a realização de perícia judicial no material colhido, ou esclarecimento técnico específico, bem como enfrentamento da matéria por ocasião de futura sentença”, continua Gebran.
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