Passados nove meses do registro dos primeiros casos da Covid-19 no mundo, muitas regiões começam a ensaiar um possível retorno à normalidade, retomando atividades e serviços que até então estavam paralisados ou em ritmo lento em razão da baixa atividade econômica, incluindo a produção industrial. A pandemia, porém, causou transformações profundas e talvez irreversíveis nesses processos, reaquecendo práticas no reaproveitamento de materiais e acelerando inovações que podem nos levar para um consumo mais sustentável em um curto espaço de tempo, num processo conhecido como economia circular.
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Artigo recentemente produzido por pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e publicado na revista Brazilian Journal of Health Review aponta que esse período pelo qual estamos passando deve causar uma redefinição nos ciclos de produção tradicionais em razão da urgência para se reerguer as economias, fomentando o reaproveitamento de insumos para se evitar gastos desnecessários. Esse movimento, que talvez levasse anos para se tornar realidade, foi acelerado em razão do coronavírus. A reutilização de materiais para a fabricação de máscaras e outros EPIs alternativos, por exemplo, é apontado como uma dessas medidas que teve o objetivo de suprir a falta desses acessórios. “Na ausência de muitos insumos necessários para garantir a proteção das equipes médicas e de enfermagem, hospitais estão se mobilizando para recorrer a alternativas de baixo custo e facilmente acessíveis, sem, no entanto, reduzir a segurança dos profissionais de saúde”, aponta o artigo.
Um dos autores do estudo, o professor Harrison Corrêa, do departamento de Engenharia Mecânica da UFPR, sugere que a mobilização de pessoas, empresas e governos causada pela pandemia só foi vista em um grau semelhante ao observado na Segunda Guerra Mundial, quando, embora de forma breve e pontual, a prática da economia circular também foi empregada. Na falta de matérias-primas convencionais para a fabricação de paraquedas, o governo dos EUA recorreu a opções mais baratas e de fácil acesso, como a utilização de meias-calças, todas de poliamida, que foram a base das fibras usadas na fabricação dos equipamentos para o exército americano.
“Não só no Brasil, as máscaras e os equipamentos como escudos de proteção facial tiveram sua produção realizada de maneira alternativa e não convencional devido à falta de insumos certificados, mas, que na linha de batalha, se tornaram a única opção disponível. Utilizou-se poliacetato de celulose como máscara face shield. É uma forma de reutilização. A economia circular, na verdade, é a ideia de você reutilizar, remanufaturar, reciclar, sem a necessidade de se extrair diretamente dos recursos naturais”, diz o pesquisador.
Pandemia força uma nova lógica de produção
A cadeia industrial em todo o mundo trabalha com uma linha linear de produção, quando a matéria prima é extraída, transformada, utilizada e finalmente descartada. “Você retira da natureza o recurso natural, usa-o para produzir um produto que é vendido, chega na mão de um consumidor que vai utilizá-lo, e, tão logo ele perca o seu atrativo, sua finalidade principal ou envelheça, ele é descartado. Essa foi até então a lógica normal, predominante, de produção”, diz Marilia de Souza, gerente executiva do Observatório Sistema Fiep.
Segundo ela, atualmente não existe uma aplicação da economia circular em larga escala em lugar nenhum do mundo, porém, o que tem se observado é que a produção dentro destes princípios vem sendo pensada de maneira mais ativa. “Também como resultado da pandemia, vemos que os países mais desenvolvidos que estão desenhando o seu plano de recuperação econômica têm colocado a economia circular como um pilar desse processo. Ou seja, é para se produzir diferente, consumir diferente e cuidar de uma forma diferente daquilo que a gente produz e usa”, afirma.
Uma das razões para essa reestruturação acelerada, segundo Marilia, ocorreu em virtude das dificuldades enfrentadas recentemente pela maioria dos países, que perceberam, do dia pra noite, que se encontravam numa situação de extrema fragilidade, uma vez que seus processos produtivos foram terceirizados para outras nações e eles se viram sem insumos básicos para o enfrentamento da pandemia, como EPIs, medicamentos, roupas de proteção etc. O fechamento das fronteiras também agravou essa situação, uma vez que mesmo tendo comprado determinados produtos, os mesmos ficaram bloqueados em portos e aeroportos ao redor do mundo. Dessa maneira, as economias se deram conta de que essa concentração de produção em determinados locais é danosa e tem um custo elevado para a sociedade, para a vida humana e para a natureza. A partir disso deve ocorrer um processo de reindustrialização. “Vai haver um movimento de reaproximação dos centros de produção para os centros de consumo. Quando esses países dizem que estão incorporando agora uma dinâmica de economia circular, na verdade estão trazendo esses centros de produção de volta para os seus territórios e com isso devem gerar empregos e diminuir o que eles chamam de distância entre a produção da matéria prima e a transformação do produto. Isso faz com que o produto resultante esteja dentro dessa dinâmica de economia circular, porque eu não preciso atravessar o mundo para poder caminhar de uma matéria prima para um produto transformado”, diz.
Um dos entraves apontados pela pesquisadora da Fiep para a adoção da economia circular em larga escala é o chamado custo da transição circular, quando ocorre a mudança de um modelo produtivo linear para esse novo conceito. A alteração do modo de produção, dos processos, da lógica de compra e até mesmo o uso de tecnologias tem um custo elevado. “Esse seria talvez o maior empecilho. O segundo elemento é uma questão de cultura mesmo. Eu acho que o entendimento sobre o que é economia circular, a sua importância e os benefícios, também é um desafio”.
Startup de Curitiba aposta na economia circular
A startup de Curitiba “Indústria Circular” foi criada em 2019 justamente para atender uma demanda que já vinha crescendo de forma lenta e gradual, antes da pandemia. A empresa promove o reaproveitamento dos resíduos industriais por meio do mapeamento dessas companhias, dos dados relativos ao consumo de matérias-primas e da geração de resíduos inseridos na plataforma, com o objetivo de criar um ecossistema de fluxo de materiais para promover negócios com o reuso e reciclagem desses rejeitos. O trabalho é focado em identificar as melhores oportunidades para destinação do resíduo sólido industrial. “Apesar das discussões das questões ambientais terem sido iniciadas na década de 70, é recente o debate sobre os malefícios do modelo econômico linear e a atenção da sociedade como um todo sobre as ações de sustentabilidade. E quando se trata de economia circular, na qual é possível obter soluções para as exigências ambientais concomitantes e um retorno financeiro, é aí que o interesse aumenta muito mais”, diz Joselice Abreu, uma das fundadoras da empresa.
Segundo Joselice, é visível que a pandemia acentuou mudanças na forma de pensar tanto das pessoas quanto das indústrias e isso refletiu diretamente na maneira de enxergar o meio ambiente. “Acreditamos que, com essa alteração de perspectiva, as indústrias estão cada vez mais abertas a nos atender e ouvir. Além disso, estão mais dispostas a aceitar nossos serviços”, afirma.
Joselice enfatiza que a economia circular estimula um modelo ideal convergindo desenvolvimento econômico e sustentabilidade. Entre os benefícios, o mais importante é a viabilidade de negócios que geram ciclos sustentáveis para o uso dos recursos, prolongando o tempo de vida útil desses materiais que em muitos casos são destinados a aterros. “É também possível trazer resultados financeiros, pois na venda de um resíduo a indústria obtém uma receita secundária ou pode adquirir uma matéria-prima alternativa mais barata proporcionando uma economia”, conclui.
Klabin é indústria precursora da economia circular
Apesar de novo, muitas empresas que são referência no mercado já têm aplicado o conceito de economia circular em suas matrizes e colhem os benefícios dessa mudança nos processos de produção atuais. A Klabin, indústria de papel e celulose com mais de 120 anos de atuação e que tem suas maiores fábricas no Paraná, em Telêmaco Borba e Ortigueira, há décadas tem utilizado ações de economia circular em sua produção e esses conceitos foram se modernizando com o passar dos anos e as transformações da tecnologia. Atualmente todos os processos da fábrica são baseados na economia circular, afirma Júlio Nogueira, gerente de Sustentabilidade e Meio Ambiente da Klabin.
Toda a produção é originária de florestas plantadas com manejo sustentável, criadas exclusivamente para esse fim. Cerca de 89% da matriz energética da fábrica é oriunda de fontes de energia renováveis. O consumo da água, recurso bastante utilizado na produção de papel, também foi drasticamente reduzido nas últimas décadas. “Nós invertemos a curva. Aumentamos a produção e reduzimos o consumo da água. Isso é mais um exemplo da prática da economia circular dentro da empresa”, diz Nogueira.
Outro problema enfrentado pela empresa e que teve como solução a adoção de práticas de economia circular foi a destinação de resíduos industriais. A Klabin implantou uma grande central de tratamento de despejos onde parte desses detritos sãos transformados em corretivos de solo para posteriormente serem distribuídos aos pequenos agricultores da região, que plantam e fornecem os alimentos cultivados para a própria fábrica. “Nós temos um programa chamado Matas Sociais - Planejando Propriedades Sustentáveis, onde trabalhamos com pequenos agricultores da região para ajuda-los a diversificar a renda. Damos assessoria, treinamento e ajudamos a legalizar suas propriedades, recuperar a mata nativa, proteger as fontes de água e também uma assessoria para ampliação de renda. Os resíduos orgânicos e inorgânicos gerados pelas fábricas são processados e transformados em um composto, que então é aplicado na agricultura. Doamos para os nossos parceiros, eles utilizam na propriedade, geram hortifrutigranjeiros em suas terras, a Klabin compra esses produtos e utiliza-os nos próprios restaurantes industriais das duas plantas”, completa o gerente.
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