No dia 15 de novembro, o comando das prefeituras das 399 cidades paranaenses estará em jogo. Com a chegada das eleições, realizadas mais tarde do que o normal neste ano devido à pandemia do novo coronavírus, volta à tona o alerta de um problema enfrentado por muitos municípios do estado: a coleta e a destinação do lixo.
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A Lei Federal 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), trouxe que os aterros sanitários são a disposição final ambientalmente adequada para o lixo coletado nas cidades brasileiras. A versão mais recente do Relatório da Situação da Disposição Final de Resíduos Sólidos Urbanos no Estado do Paraná, divulgada pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP) em 2017, entretanto, aponta que em 24,5% das cidades paranaenses os resíduos sólidos urbanos (RSU) ainda são destinados a lixões ou aterros controlados, ou seja, de forma inadequada.
Enquanto os lixões são vazadouros a céu aberto, onde o lixo não recebe nenhum tipo de tratamento ou qualquer controle ambiental, nos aterros sanitários os resíduos são depositados em solos impermeabilizados. Os aterros controlados, por sua vez, são uma categoria intermediária entre os lixões e os aterros sanitários. De forma resumida, nesses lugares o lixo recebe uma cobertura, como de argila, terra e grama, mas não há impermeabilização, sistema de dispersão de gases e tratamento do chorume decorrente da decomposição dos resíduos.
Professora do curso de Engenharia Ambiental da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Ana Flavia Locateli Godoi ressalta, entretanto, que por mais que se trate da opção considerada por lei federal a ambientalmente correta, os aterros sanitários brasileiros ainda apresentam inúmeros problemas, seja de operação, manutenção, fiscalização ou controle.
“Pelo fato de representarem hoje a única solução disponível, acabam operando em qualquer condição. A solução é investir em projetos de reciclagem, inclusive de resíduos compostáveis, o que implica na conscientização e educação da população. Mas qualquer iniciativa só terá sucesso com o comprometimento total de todos os envolvidos. O cidadão vive hoje uma situação muito confortável, quando ele coloca sua sacola de resíduos na calçada e só espera ela ser levada pelo caminhão da coleta. Enquanto as pessoas não tomarem consciência e não se assumirem como participantes ativos nesse ciclo, os desafios persistirão”, opina.
Mesmo que o número não seja o ideal, o IAP afirma que houve uma significativa evolução quanto à destinação do lixo no Paraná. Quando se compara os relatórios de 2012 e 2017, os dois mais recentes produzidos, observa-se que o número de municípios que destinam seus RSU a aterros sanitários licenciados passou de 185 para 301.
Coordenador de projetos sustentáveis da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Sustentável e do Turismo (Sedest), o engenheiro Charles Carneiro destaca alguns aspectos e desafios que dificultam a gestão adequada dos resíduos sólidos urbanos no Paraná. Segundo ele, seria necessária uma maior participação do Poder Público nessa seara, com apoio técnico e financeiro aos municípios, em especial no caso dos menores. O engenheiro ainda diz que a cobrança da taxa do lixo é problemática, pois muitas cidades não o fazem ou cobram de maneira insuficiente. Isso acaba comprometendo o orçamento municipal e a execução da atividade e pode limitar a participação da iniciativa privada no setor.
“Quer seja pela falta de cobrança da taxa de lixo, quer seja por inadimplemento do município, também há limitação de maior participação da iniciativa privada e empresas de economia mista no segmento. É fundamental, portanto, criar mecanismos de garantia aos prestadores de serviço”, afirma.
Levando isso em consideração, Carneiro diz que há uma grande preocupação por parte do estado em relação à condição de operação dos aterros sanitários e aterros controlados. Muitas vezes, mesmo com licença ambiental de operação, esses locais encontram dificuldades técnicas ou financeiras para atender plenamente à legislação ambiental.
“É preciso prestar atenção não apenas aos lixões, mas também aos demais sistemas, para que não voltem à condição de lixão. É fundamental preservar os bons. O Paraná deu um passo importante na solução desse problema crônico com a promulgação da Lei Estadual 19.261/2017, que criou o programa Paraná Resíduos. A iniciativa prevê que cabe ao estado, por meio da Sedest, estimular a constituição de consórcios públicos regionalizados para a gestão integrada de resíduos sólidos, com a participação do Governo do Estado como um dos entes consorciados”, explica.
Como bom exemplo, Carneiro cita o aterro sanitário de Cianorte, no Noroeste do estado. Trata-se de unidade da Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar) certificada pela norma ISO14001, devido ao cumprimento das mais rígidas normas ambientais. Pela grandiosidade, o engenheiro da Sedest também lembra do aterro na Região Metropolitana de Curitiba. Para ele, ainda que o sistema precise avançar com nova rota tecnológica, fazendo um melhor aproveitamento energético de resíduos não reusáveis e não recicláveis, é um sistema que tem um bom nível operacional de aterramento e controles ambientais.
Desafios
A preocupação do engenheiro quanto às cidades menores faz sentido. Dados do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes), formulados com base no Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que em 27 cidades do Paraná, 50% ou mais dos domicílios particulares ocupados não têm seu lixo coletado. Todos esses municípios são considerados pequenos. Nesses casos, os resíduos são queimados na propriedade, enterrados, jogados em terreno baldio ou logradouro público ou jogados em águas de rio, lago ou mar. Um novo censo seria realizado em 2020, mas foi adiado para o ano que vem em razão da epidemia de Covid-19.
Outro ponto de atenção relacionado ao lixo no Paraná pode ser verificado na Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic), do IBGE, de 2017. O levantamento aponta que dos 399 municípios paranaenses, 236 contam com Plano Municipal de Saneamento Básico. Apenas em 179, entretanto, o plano abrange serviços de limpeza pública e manejo de resíduos sólidos.
Pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos em Resíduos (Ninter) da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Caio Victor Lourenço Rodrigues afirma não ser questão de alegar descaso das Administrações municipais, mas sim uma falta de conhecimento técnico e despreparo. “O estado do Paraná conta com uma grande quantidade de municípios de pequeno porte, que muitas vezes não apresentam em seu quadro de servidores um engenheiro ou profissional com conhecimento técnico mínimo para responder sobre a questão dos resíduos sólidos. Assim, os planos elaborados acabam não compreendendo esse serviço de saneamento”, diz.
Ele complementa que prefeitos precisam encarar os serviços de saneamento básico, incluído aqui o manejo dos RSU, como um investimento em saúde pública, vez que garantir uma correta destinação a esse material ajudaria, inclusive, a evitar doenças, como a dengue. O investimento em programas de educação ambiental é ponto que, para ele, também deveria estar no radar das prefeituras do Paraná. O maior desafio dos prefeitos da próxima legislatura, especialmente nas cidades do interior do Paraná, entretanto, diz respeito à coleta seletiva, que teria de ser mais incentivada, principalmente por meio do cooperativismo.
“Um dos grandes desafios será aumentar a eficiência dos sistemas de coleta seletiva já instituídos. Os dados disponibilizados pelas prefeituras em 2017, para compor o diagnóstico do Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos realizado pela Secretaria Nacional de Saneamento, apontam baixa taxa de recuperação de recicláveis em relação ao total de resíduos domiciliares coletados. Algumas cidades ainda relataram exígua taxa de cobertura da coleta seletiva porta a porta”, relata.
Rodrigues aponta que será importante criar estratégias municipais para aumentar a eficiência dos sistemas, o que implicaria em capacitação e acompanhamento das cooperativas de catadores, realização de trabalho intensivo de educação ambiental voltado à reciclagem junto à sociedade e estímulo a parcerias com empresas locais para facilitar a comercialização de materiais com reduzido número de compradores e baixo valor de mercado, como o vidro. Segundo o pesquisador, muitas embalagens pós-consumo com potencial de reciclabilidade entram nas cooperativas como recicláveis, mas saem como rejeito.
Tecnologia como aliada
Nesse sentido, a tecnologia pode – e precisa – ser uma importante aliada das prefeituras. Conselheira titular do Conselho Estadual do Meio Ambiente do Paraná, a engenheira ambiental Rafaela da Silva Limons da Cunha afirma que, hoje, grande parte do que é encaminhado para os aterros não são rejeitos, mas resíduos que poderiam ser utilizados como recursos em outros processos, que têm valor. Deve-se, porém, levar em consideração a realidade de cada local.
“Às vezes, não adianta a gente trazer uma tecnologia que funciona bem em outro país, mas que não é adequada para a nossa realidade. Todas essas tecnologias terão um custo. Aqui no Brasil, temos vários casos bem sucedidos, como a questão de geração de energia utilizando resíduos orgânicos, como o lodo de estações de tratamento de esgoto. Esses resíduos são tratados, gerando energia e evitando que todo esse material vá para os aterros”, explica, complementando que a questão deve ser tratada por diversos atores. “Não podemos deixar toda a responsabilidade com o Poder Público. A academia também tem um papel importante, a partir das pesquisas.”
Aqui, a tecnologia precisaria ser pensada além da melhoria dos equipamentos e maquinários, utilizados tanto na coleta dos RSU quanto na reciclagem e, ainda, na operação dos aterros. O investimento teria de ser empregado a fim de integrar todos os processos envolvidos no gerenciamento dos RSU, de forma a estimular a participação da população e também para facilitar a fiscalização.
A professora Ana Flavia Locateli Godoi, da UFPR, partilha do entendimento, afirmando que a busca por novas soluções tecnológicas que contribuam para a redução dos resíduos sólidos que são descartados sem aproveitamento é primordial. Nesse ponto, o incentivo às pesquisas desenvolvidas em universidades e centros de pesquisas é fundamental, vez que iniciativas empreendedoras devem ser valorizadas e viabilizadas.
Como alternativas à destinação do lixo aos aterros, Ana Flavia cita a compostagem – processo biológico que transforma o lixo orgânico em adubo natural, que pode ser usado na agricultura, jardinagem e em plantas ornamentais –, a biodigestão para resíduos orgânicos, a reciclagem e o reaproveitamento de materiais. Ela cita ser importante aplicar conceitos da “economia circular” nesse processo, já que quando um produto passa a ser resíduo, ele pode ser inserido em outro ciclo produtivo como matéria-prima ao invés de ser, simplesmente, descartado. A professora também concorda com a ideia de que uma fiscalização efetiva por parte das autoridades é fundamental.
Lixo eletrônico em tempos de obsolescência programada
Outra preocupação relativa a descarte atualmente está ligada ao lixo eletrônico, especialmente em uma época de obsolescência programada, quando os itens tecnológicos já são pensados com uma espécie de “prazo de validade” definida pelo produtor para forçar o consumidor a adquirir artigos da nova geração. Modelos de celular que depois de um tempo não são capazes de atualizar o sistema operacional são um exemplo. Quando produtos eletrônicos são descartados de forma inadequada, podem contaminar o solo, rios e a água subterrânea, pois possuem compostos químicos bastante nocivos ao meio-ambiente e aos seres humanos.
Uma boa saída para o problema seria a maior aplicação da logística reversa, prevista pela própria Lei Federal 12.305/2010. A prática consiste no retorno de materiais já utilizados para o processo produtivo para que sejam reaproveitados ou descartados de forma correta.
“Ao realizar a logística reversa, a empresa responsável por receber o resíduo pode reutilizá-lo no seu próprio processo, vendê-lo para outra indústria que possa utilizá-lo como matéria prima ou até mesmo garantir que seu descarte seja feito de forma adequada, seja pela reciclagem ou não, o que não seria possível garantir caso esse descarte fosse feito indiscriminadamente pelo consumidor final” afirma Ana Flavia.
Caso fosse efetivamente realizada, a logística reversa impulsionaria o país rumo à já comentada economia circular. A doutora Lilian Aligleri, pesquisadora do Ninter da UEL, afirma, entretanto, que está longe de ser verdadeiramente aplicada no Brasil. Segundo ela, muitas cadeias produtivas, como a de embalagens de vidro, não se comprometeram com a solução.
“A aprovação da PNRS tardou 20 anos em função do conhecido lobby do setor empresarial em aceitar a responsabilização pós-consumo. Nos acordos de logística reversa já firmados pelo Governo Federal, não há definições satisfatórias sobre os papéis de cada um dos envolvidos no cumprimento dos requisitos mínimos exigidos pela lei e sobre a divisão dos custos decorrentes da implantação da logística reversa. De fato, nos pequenos e médios municípios, é rara a participação de empresas geradoras de resíduos na coleta seletiva pós-consumo destes. O custo de coleta continua sendo pago pelo Poder Público municipal e os arranjos de governança não estão avançando”, diz.
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