O presidente brasileiro da usina de Itaipu Binacional, Enio Verri, tem um desafio pela frente: balancear as relações diplomáticas com o Paraguai para garantir as melhores negociações na renovação do chamado Anexo C do tratado da hidrelétrica, que estabelece as bases financeiras de comercialização de energia entre os dois países e que deve ser revisto até o aniversário de 50 anos do decreto que oficializou a parceria entre Brasil e Paraguai no empreendimento, completados em agosto de 2023.
Mas, além das negociações sobre a venda da energia paraguaia ao Brasil, o foco dos investimentos de Itaipu projetados pelo governo brasileiro em políticas ambientais e sociais pode conflitar com a visão conservadora do governo do país vizinho – especialmente se as eleições presidenciais paraguaias definirem a continuidade da vertente política atual no poder.
Otimista, Verri tem por base as relações historicamente firmadas entre Brasil e Paraguai desde que nasceu o tratado de Itaipu. “Nestes 50 anos sempre conseguimos grandes conquistas em nossos acordos. E como a palavra diz, em um ‘acordo’, cada um abre mão de alguma coisa para que se possa construir isso”, diz, em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo.
"O que tenho certeza absoluta é que o Paraguai não tem o mínimo interesse em criar problema em um acordo como esse, e muito menos o Brasil. Por isso eu acredito que será uma boa construção”.
Presidente brasileiro da usina de Itaipu Binacional, Enio Verri
Itaipu é responsável por produzir cerca de 86% da energia que o país vizinho consome. Pelo tratado, cada um dos dois países tem direito à metade da geração da hidrelétrica, quantidade que ultrapassa em muito o consumo paraguaio e que resultou no acordo de venda do excedente exclusivamente ao Brasil.
Com a revisão do Anexo C, tanto o valor da energia comercializada como os moldes de venda poderão ser revistos, a depender das ansiedades paraguaias quanto à questão. Em 2007, durante o segundo mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Paraguai reivindicou mudanças nas regras de fornecimento de energia. À época, o pleito era por disponibilidade de vender a terceiros e a preços mais altos.
A possibilidade de flexibilizar a venda nunca foi concedida. Pelo acordo, o Paraguai vende a energia diretamente para as distribuidoras da Eletrobras, mas a revisão deve trazer à tona novamente a expectativa de comercialização com outros países ou no mercado livre de energia (em que a compra da energia acontece de livre acordo entre gerador e consumidor final).
Nesse meio tempo, outras crises também permearam as negociações entre os dois países envolvendo Itaipu. Em 2019, um acordo que previa a compra de energia pelo Paraguai em condições consideradas desfavoráveis ao país chegou a resultar em ameaça de impeachment ao presidente paraguaio, Mario Abdo (Colorado).
Como pelo acordo o Paraguai pagava parte da dívida da construção da hidrelétrica financiada pelo Brasil, custeando o débito no valor da energia, quando precisava contratar mais energia que o previsto (a chamada energia garantida), o valor ficava mais barato, já que na venda excedente os valores não embutiam a dívida. E o acordo previa que o governo paraguaio contrataria mais energia garantida gradualmente nos anos seguintes, em vez de optar pela contratação da energia extra, a preços melhores. O fato gerou revolta da população e o acordo foi cancelado.
Eleições presidenciais se somam ao cenário
Somado a esse pano de fundo, a gestão de Enio Verri na Itaipu assume com a proximidade das eleições presidenciais no Paraguai. No dia 30 de abril, a população vai às urnas e os dois candidatos inicialmente favoritos ao pleito, Santiago Peña, do partido governista Colorado, de centro-direita, e Efraín Alegre, da coligação Concertación Nacional, liberal com alianças progressistas, podem agora disputar com uma terceira possibilidade.
Segundo reportagem divulgada no fim de março pelo jornal La Nación, as últimas pesquisas publicadas pela consultoria Multitarget posicionam o candidato de esquerda da Cruzada Nacional, Paraguayo Cubas (conhecido como Payo Cubas), em segundo lugar nas preferências eleitorais.
Penã estaria em primeiro e Alegre, em terceiro. Cubas vem ganhando força com as intenções de votos de pequenos agricultores que apoiam a reforma agrária, mas até na capital, Asunción, avança nas pesquisas.
Já as pesquisas divulgadas neste início de abril pela Atlas/Intel pontuam Peña e Alegre ainda na liderança, com empate técnico entre ambos - embora com ligeira vantagem para o candidato liberal.
Mesmo com o viés histórico paraguaio, que tradicionalmente mantém no poder governos de direita conservadora (a exceção foi o progressista Fernando Lugo, que governou de 2008 a 2012), e com a possibilidade de que Santiago Peña perpetue a política em voga no país, o presidente brasileiro de Itaipu sabe que vai ter que sentar à mesa para pleitear o melhor acordo, e delega à história a perspectiva de sucesso nas negociações.
“O presidente Lula tem um viés mais desenvolvimentista, mais intervencionista, e historicamente o governo paraguaio tem uma perspectiva mais liberal. Mas independente dessas diferenças no período Lula e Dilma (PT) sempre convivemos muito bem.”
Independentemente do pleito, Enio Verri parece não pautar a discussão dos acordos da Itaipu aos resultados das eleições no Paraguai. “Sem dúvida a experiência mais bem sucedida no mundo de integração é Itaipu. E eu não creio que será diferente agora, mesmo após as eleições”, antecipa.
No entanto, parece certo que, se Cubas tiver chances de ganhar no Paraguai, pode levar a cabo um governo mais voltado a demandas socioambientais, coincidentes com as vertentes do governo brasileiro e com os planos para os investimentos de Itaipu.
“Claro, é um novo governo, e a população que escolhe este novo governo também vai escolher suas prioridades, para onde vai dirigir seus investimentos. Então vai depender muito do que pensa o novo governo eleito pela população paraguaia para conversar conosco”, avalia Verri.
Mais investimentos no socioambiental e menos em obras
Outra questão em que Verri aposta para chegar a um melhor acordo para as negociações do Anexo C do tratado de Itaipu com o Paraguai é nas demandas sociais do país vizinho. Com características econômicas diferentes e de porte bastante inferior ao do Brasil (o Paraguai tem 7 milhões de habitantes), a divisão dos US$ 2 bilhões que resultarão de “sobras” pela quitação da dívida de construção da usina deverá ser significativa para o Paraguai. E, para o executivo brasileiro de Itaipu, o US$1 bilhão que cabem aos paraguaios seriam prioritários para temas como saúde e educação, em detrimento da infraestrutura.
O que iria no mesmo sentido do foco dos investimentos de Itaipu em iniciativas de âmbito social e ambiental do lado brasileiro. Segundo Verri, conforme preconizado como prioridades do próprio tratado, as políticas sociais devem ganhar força nessa gestão, com perda do espaço para investimento em obras de infraestrutura.
“É minha prioridade, mantendo a ordem que está no tratado de Itaipu: a questão ambiental, social e infraestrutura. Não pretendemos dar continuidade a práticas anteriores. Não estou dizendo que estão erradas, até porque era de um governo eleito e que escolheu uma política, é normal. Agora é outro governo. E nós entendemos que a política está a serviço da vida das pessoas”, afirma.
Com isso, ele promete retomar políticas de financiamento de associações comunitárias, agricultura familiar, trabalhos de reciclagem e assistenciais. E, no paralelo, adianta que promoverá a inovação tecnológica, por meio do Parque Tecnológico Itaipu (PTI). “Vamos fazer um trabalho concomitante, de longo prazo, no que se refere à competividade e inovação e, ao mesmo tempo, no atendimento emergencial à qualidade de vida das pessoas, qualificação de mão de obra e construção de uma relação social mais justa”, diz, garantindo que o novo enfoque de investimentos não implicará na suspensão de obras iniciadas ou já contratadas que Itaipu tem previstas até 2025.
Enquanto todas as pautas se concentram no campo da especulação, das questões que serão trazidas às tratativas entre os dois países o único fato é que, antes do vencimento do acordo e das efetivas deliberações, nada pode ser dado como certo. “Este é o cenário que nós temos. Se o anexo C nos levar a um outro desenho, é uma negociação. E negociação não se sabe como termina”.
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