Autismo não tem “cara”. Dessa constatação surgiu, há dois anos, a ideia de se ter uma carteira de identificação para quem porta o transtorno do espectro autista (TEA), uma demanda necessária que, no Paraná, chegou a mais de 4,5 mil pessoas, segundo levantamento da Secretaria da Justiça, Família e Trabalho do Estado do Paraná, responsável pela emissão dessas carteirinhas que evitam transtornos e facilitam a vida de quem tem familiares com TEA.
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Lançada em maio de 2020 no estado, a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (CIPTEA) foi criada no início daquele ano, pela Lei nº 13.977 (Lei Romeo Mion) para garantir a atenção integral, pronto atendimento e prioridade no atendimento e acesso aos serviços públicos e privados (em especial na saúde, educação e assistência social) e porta nome, data de nascimento, RG, tipo sanguíneo e informações sobre o responsável/cuidador. O documento é liberado somente com a comprovação do laudo diagnóstico.
A emissão dessas carteiras, no Paraná, teve um salto neste ano, quando foram feitas 2.240 carteirinhas, quase metade do total emitido até agora, 4.566 segundo a secretaria, consultada pela Gazeta do Povo. O número é maior do que o de emissões de todo ano de 2021, 1.435.
Sem constrangimento em filas e preferência no atendimento
Alexandra Melo, que tem o filho Théo, de 6 anos, com autismo diagnosticado desde os 2 anos de idade, lembra que depois de obter a carteira os constrangimentos em relação ao filho acabaram. "A carteirinha foi muito importante para nós porque é um documento oficial, chegamos a passar por maus momentos, principalmente em filas de supermercado e de bancos, porque as pessoas nos olhavam e até mesmo ironizavam perguntando se éramos idosos para ocupar a fila preferencial”, recorda a mãe.
Nesses casos, Alexandra costumava explicar que, no autismo, o indivíduo tem muita dificuldade com a espera, pela questão da previsibilidade, mas que mesmo que tivesse de dar “uma aula” sobre o tema, sentia que as pessoas não tinham entendido direito e permaneciam desconfiadas. “Então, hoje, quando eu e o Théo saímos, ele usa a carteirinha pendurada em um cordão e eu levo uma cópia na capa do meu celular, para ter de pronto a identificação”, explica ela, que em hospitais, atendimentos de saúde e vacina, por exemplo, evita filas.
O transtorno envolve diferentes condições marcadas por perturbações do desenvolvimento neurológico, todas relacionadas com dificuldade no relacionamento social. O Ministério da Saúde alerta que alguns sinais podem ser percebidos nos primeiros meses de vida, com o diagnóstico estabelecido por volta dos 2 a 3 anos de idade.
Segundo Rosemari Denise, presidente da Associação de Atendimento e Apoio ao Autista (AAMPARA), as mães com quem ela tem contato reconhecem a carteirinha como um benefício justamente para não ter que ficar provando o tempo todo que seu filho é autista. “O autista não tem cara, com a carteirinha ele pode usar filas preferenciais e ter assento garantido nos ônibus, além de ter o laudo do diagnóstico sempre à mão”, diz ela.
Apesar de a carteira ser um passo importante pelos direitos das pessoas com o transtorno, Daniela Kozelinski, presidente da União de Pais pelo Autismo, que existe desde 2008 e congrega 300 famílias que trocam informações sobre direitos, indicação de médicos, terapias e realiza eventos, sente falta de uma maior agilidade em áreas mais urgentes como a do diagnóstico do transtorno, visto que, sem ele, não há carteirinha, assim como para terapias.
Carteira também ajuda a quantificar pessoas com o transtorno
Além de ser um recurso de identificação que evita constrangimentos, a carteirinha também serve como um banco de dados para quantificar o número de pessoas no espectro autista no estado e no país, o que pode ajudar a traçar estratégias e políticas públicas.
A quantidade de indivíduos com o transtorno ainda é difícil de ser estimada, mas com cerca de 2,4 milhões de crianças até os 14 anos, segundo dados do IBGE de 2010, o Paraná pode ter mais de 50 mil crianças nessa condição, se tomada como estimativa os dados norte-americanos dos Centers for Disease Control and Prevention (CDC).
Em pesquisa de 2018, a instituição chegou ao número de incidência do transtorno de 23 por 1 mil crianças de 8 anos de idade, ou 1 para cada 44 crianças, o que daria aquele número. Já para a Organização Mundial da Saúde (OMS), o autismo afeta uma em cada 160 crianças.
Hoje, as mais de 4,5 mil carteirinhas no Paraná estão distribuídas, principalmente entre as maiores cidades: Curitiba tem 1.246 pessoas com carteirinha, seguida de Foz do Iguaçu e Ponta Grossa, com 290 cada, Cascavel com 212 e Londrina e Maringá com 178.
O levantamento de carteirinhas emitidas no Paraná feito pela Secretaria da Justiça, Família e Trabalho do Estado do Paraná também mostra uma informação curiosa em relação ao sexo das crianças com autismo. Mesmo que, segundo dados também do CDC, a incidência em meninos seja de quatro vezes o encontrado entre meninas, do total de carteirinhas emitidas no estado 3.465 foram direcionadas para indivíduos do sexo feminino, enquanto 1.101 foram para o masculino.
Em relação à faixa etária, a pessoa mais velha com a carteirinha de identificação de autismo no Paraná é uma mulher com 73 anos de idade, que lidera o grupo de 28 pessoas acima dos 50 anos diagnosticadas com o transtorno. O maior número se concentra em crianças com 4 anos de idade (488), seguido de crianças com 3 anos de idade (484). Dos 2 aos 10 anos concentra-se o maior número de carteirinhas emitidas até o momento, 2,8 mil.
Segundo a Secretaria de Saúde do Estado do Paraná (Sesa-PR), consultada pela Gazeta do Povo, o estado mantém também um cadastro de crianças diagnosticadas e que pode ser preenchido de forma voluntária pelos responsáveis a partir deste link, mas os números estão muito abaixo do de carteiras emitidas. “Até a data de hoje, o estado tem 751 cadastros, sendo 713 com diagnósticos confirmados”, relata a secretaria.
Como solicitar a carteirinha no Paraná
Para solicitar a Carteira do Transtorno do Espectro Autista (CIPTEA) no Paraná, os pais ou responsáveis devem acessar este link, com RGs e CPFs tanto do autista quanto do responsável, fotografia do autista digitalizada e o laudo médico digitalizado, que deve ter os dados do paciente, a Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados a Saúde (CID) e assinatura e carimbo de identificação com CRM do médico responsável. Também deve-se ter em mãos o exame do tipo sanguíneo digitalizado ou foto digitalizada da carteira de nascimento ou carteira de vacina que conste a tipagem sanguínea.
Assim que aprovada, a carteira fica disponível no login do usuário para impressão ou uso no celular via QR Code. As dúvidas podem ser sanadas no Departamento de Políticas para a Pessoa com Deficiência pelo email cpcd@sejuf.pr.gov.br e telefones (41) 3210-2430 e (41) 3210-2635.
Estrutura de atendimento no estado
No Paraná, são diversas as estruturas de saúde especializadas que recebem indivíduos com esse tipo de transtorno. A Sesa-PR explica que conta com 323 pontos de atenção especializados em atendimentos às pessoas com deficiência intelectual/TEA, na sua maioria APAE.
Já os Centros Especializados em Reabilitação (CER) são destinados ao atendimento especializado de pessoas com deficiência que necessitam de reabilitação física, intelectual e autismo, visual e auditiva. Existem 4 habilitados: CER III-CHR-CHT (física, auditiva e visual) em Curitiba, CER II (física e Auditiva) em Jacarezinho, CER IV (física, auditiva, visual e intelectual) em Foz do Iguaçu e CER II-AFECE - Associação Franciscana de ensino ao Cidadão Especial (intelectual e física) em Curitiba. "Em 2021, em parceria com o Florida Institute of Technology - referência no tratamento do autismo - a Sesa-PR certificou profissionais do SUS, em 19 regiões do estado, que realizaram o curso de capacitação para uso da terapias.
Transtorno vai de nível 1 a 3, com características próprias
Também chamado de Desordens do Espectro Autista, o transtorno recebe ainda o nome de espectro, segundo o Ministério da Saúde, porque envolve situações e apresentações muito diferentes umas das outras, em uma graduação que vai da do nível 1 ao nível 3. São eles:
- Autismo Nível 1: menor necessidade de apoio no dia a dia.
- Autismo Nível 2: popularmente conhecido como autismo moderado, nesse nível a pessoa precisa de um pouco mais de apoio em sua rotina.
- Autismo Nível 3: conhecido como autismo severo, a pessoa precisa de mais apoio para as atividades da vida diária.
A identificação de atrasos no desenvolvimento, o diagnóstico oportuno de TEA, o encaminhamento para intervenções comportamentais e o apoio educacional na idade mais precoce possível podem levar a melhores resultados em longo prazo. As causas do transtorno ainda permanecem desconhecidas, mas acredita-se que haja uma interação de fatores genéticos e ambientais.
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