Portos que mudaram a história de países. Obras de infraestrutura marítima desafiadas por ondas gigantes e terremotos. Terminais que precisam de ilhas artificiais para receber navios a quilômetros da costa. Os desafios impostos pela engenharia portuária e marítima partem de projetos que transformam o mar em um canteiro de obras que acompanha a diversidade dos lugares onde se instalam.
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Não é de se estranhar, portanto, que o Brasil transformou-se em um polo que exporta para o mundo o know-how de profissionais especializados em unir o desenvolvimento do projeto à metodologia executiva para construção de portos e estruturas marítimas nas Américas, África, Europa e Ásia.
A diversidade imposta à engenharia pela costa brasileira ajudou a criar uma empresa que tornou-se projetista de gigantes mundiais da operação portuária no mundo. Os 32 projetos de portos construídos em praticamente todos os continentes pela EXE Engenharia, empresa de projetos de Curitiba (PR), são assinatura de carreiras focadas numa área muito específica da engenharia, de mão de obra escassa e com profissionais que costumam transitar em meio a clientes que somam poucos players mundiais. Afinal, a complexidade de se pensar um porto demanda conhecimento técnico apurado e um networking nada desprezível.
Era preciso aproveitar esse potencial. Foi quando, em 1999, os irmãos cariocas Rubens e Leandro Sabino se uniram com uma colega de trabalho, a curitibana Mirna Maron, e criaram a empresa. Os três engenheiros traziam o know-how de multinacionais de engenharia de infraestrutura e decidiram focar em uma empresa que desenvolvesse projetos mais bem casados com a execução das obras. Uma “conversa” complexa nesse meio.
Rubens trazia a experiência de obras de engenharia portuária e marítima nacionais e internacionais. Diretor-técnico da empresa, ele acredita que, para a engenharia, nada é impossível. Mas a portuária, especificamente, carrega uma dose extra de complexidade. “Talvez a primeira particularidade das obras marítimas seja encontrar um lugar que viabilize um empreendimento de forma econômica”, conta.
Ao avaliar os 8,5 mil quilômetros da costa brasileira, pode-se dizer que achar lugar para um novo porto é quase como encontrar agulha no palheiro. “Precisa de profundidade e águas abrigadas. Se não tem isso, precisa fazer quebra-mar, dragagem, escavações. O que envolve questões ambientais mais complexas e custos maiores.”
Outro desafio é que portos precisam ter fácil acesso às zonas de produção, tornando as opções de locação ainda mais escassas. “Eles estão em posições estratégicas para o comércio mundial. Não adianta ter um porto na Patagônia, onde não se produz nada e fica longe do mundo inteiro”, compara. Fora as particularidades de cada um, já que a infraestrutura de terminais de graneis, contêineres, gás, veículos e passageiros também muda conforme a finalidade.
No litoral do Rio Grande do Norte, por exemplo, o desafio era encontrar um lugar para instalar um terminal de exportação de sal. O mar se estende por quilômetros com profundidade de até seis metros. “Lá trabalhamos com uma ilha artificial. O sal é transportado (a partir do continente) de barcaça e, na ilha, embarcado no navio, a cerca de 14 quilômetros da costa”, explica o engenheiro, citando o projeto do terminal salineiro de Areia Branca, que replica condições de mar comuns em outras regiões do Norte e Nordeste brasileiros.
Já em Doraleh, na República do Djibouti, na África, a empresa projetou um porto com propostas diferentes - embora não menos desafiadoras. O primeiro terminal, finalizado em 2005, era para comércio de graneis líquidos. “O projeto foi vencedor de uma licitação internacional, com a melhor solução, o menor custo e o menor prazo de construção”, lembra o sócio Leandro Sabino.
Mas como no país não havia mão de obra nem produção industrial para a construção do porto, praticamente toda a estrutura necessária precisou ser feita no Brasil, transportada de navio e, então, “montada” in loco. “Tinha que ser um projeto que utilizasse o mínimo de mão de obra e equipamento locais. Em oito meses foi feita a obra”, complementa Rubens.
Em 2009, a instalação do segundo terminal portuário no país venceu mais um desafio: dessa vez, de ordem social. O terminal de contêineres de Doraleh foi instalado para recebimento de ajuda humanitária. Dez anos depois, a República do Djibouti registrava índices de desenvolvimento consideráveis. “Depois que o porto foi construído, a expectativa de vida subiu bastante”, observa Mirna Maron. Mais especificamente, de 7 anos para homens e 8 para mulheres, segundo dados do site Statista. “Realmente o porto serviu ao propósito que tinha, de trazer um pouco mais de ajuda àquele povo.”
Aprimoramento de tecnologias construtivas
Além de levar em conta as peculiaridades de cada região, a engenharia em mar precisa contar com tecnologias versáteis. Para vencer ondas grandes e ganhar tempo em obra, os engenheiros da EXE aprimoraram o projeto de um equipamento que permite trabalhar sobre a água, com uso de plataformas autossuficientes que fazem com que a obra aconteça independente das condições do mar: o cantitravel. “Toda a logística de materiais e pessoas acontece sobre a própria estrutura que está sendo construída”, explica Rubens Sabino.
O maior cantitravel já projetado pela empresa foi para a construção de um porto de fertilizantes na Argélia, também na África. “A estrutura tinha cerca de 50 metros (de comprimento) e comportava um guindaste de 600 toneladas. Para se ter uma ideia, um contêiner se deslocava por cima dela”, cita o engenheiro.
O cantitravel possibilita que os guindastes façam a cravação das estacas no leito do mar a partir da estrutura que fica por cima da água. No Peru, a construção do terminal de gás natural de Melchorita aconteceu sobre ondas de até sete metros de altura. “A obra durou dois anos e meio e só parou um dia por causa das condições do mar.” Nas últimas duas décadas, 27 dessas estruturas serviram para a construção de obras de engenharia portuária e marítima em países como Brasil, Iraque, Uruguai, Marrocos, Cuba e Equador.
Algumas regiões ainda impõem sobre os engenheiros o desafio de projetar estruturas que suportem terremotos, furacões e tsunamis. Na República Dominicana, a usina termelétrica de Punta Catalina demandou a construção de uma megaestrutura marítima.
A ponte de acesso e o cais, projetado para receber navios com até 75 mil toneladas carregados de carvão para abastecer a planta, tinham que contar com estrutura à prova de múltiplas intempéries e abalos sísmicos. “O grande desafio é que as ondas chegam a 10 metros de altura no caso de furacões, além do alto índice de terremotos, um dos mais altos que já pudemos encontrar”, lembra o engenheiro Rubens Sabino.
O projeto também contemplava obras de proteção costeira, com a execução de quebra-mares para a tomada da água usada no resfriamento da usina e emissários submarinos. “Foram feitos (os quebra-mares) com elementos pré-moldados que permitiam proteger as águas a serem captadas pelas bombas de sucção. Mais os tubos de 2 metros e meio de diâmetro, que se estendiam por 750 metros para jogar a água de volta ao mar depois do resfriamento.”
Alternativas para trabalhar também debaixo d'água
Para além das questões logísticas, ambientais e financeiras, entre a ideia de se construir um porto até a execução os prazos são longos. Entre 8 e 10 anos, em média. Daí a tendência em utilizar instalações já existentes, com ampliações de portos em operação.
As modernizações acompanham o perfil dos portos, mais tecnológicos e competitivos. Mas nesses casos, boa parte do trabalho da engenharia portuária é feita não apenas em cima, mas debaixo da água. “A ideia é fazer com que estruturas existentes sejam potencializadas para receber navios ou equipamentos maiores e mais modernos”, menciona o diretor-técnico.
Nisso, a inovação também ajuda. A empresa é uma das pioneiras a utilizar drones subaquáticos para inspecionar estruturas portuárias e analisar as alterações que viabilizam aumento de capacidade dos portos.
Em vez de mergulhadores, são os ROVs (Remotely Operated Vehicles, ou veículos operados remotamente, em tradução livre) que descem a até 150 metros de profundidade para analisar as estruturas. Uma tecnologia que antigamente era voltada para o alcance de naufrágios e que, de um tempo para cá, virou solução de engenharia.
E como a história retorna a Curitiba?
Contar com mão de obra e técnicas construtivas brasileiras talvez seja uma das principais particularidades destes projetos, que imprimem o conhecimento dos profissionais de engenharia portuária e marítima em obras espalhadas por 37 países.
Mas a expertise não veio pronta. De volta à capital paranaense, há cerca de 20 anos a cidade virou escola de quem atua nesse ramo. “Podemos dizer que Curitiba hoje é um polo de engenharia portuária”, diz Rubens Sabino.
Quando a EXE começou, os profissionais capacitados na área eram raros. Os sócios costumam dizer que formar pessoas é uma filosofia - mas não deixa de ser uma necessidade. O que obrigou a empresa a virar escola, a ponto de serem raros os profissionais contratados ou que atuam como prestadores de serviços que não começaram ali mesmo, como estagiários.
“É muito mais da experiência mesmo do que da formação acadêmica”, enfatiza o diretor, que destaca a política rigorosa de treinamentos internos. Os engenheiros são treinados para criar soluções e, nos canteiros, verificar a interação dos projetos com a obra. “A gente orienta e incentiva os nossos engenheiros que se ‘formem’ com a gente. E assim, podemos crescer também”, finaliza.
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