“Sorte ou direcionamento licitatório?” é um dos questionamentos que o Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) fez em relação à licitação para o gerenciamento da loteria estadual do Paraná (Lottopar) da empresa escolhida, Pay Brokers Paraná. A 4ª inspetoria do TCE apontou falhas no processo. A empresa que ganhou o certame também é alvo da CPI do Futebol, que investiga possíveis esquemas de manipulação de resultados em partidas no Brasil.
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À reportagem, o governo do Paraná disse que a Lottopar respondeu todos os questionamentos do TCE e destacou que a licitação estipula medidas para coibir práticas irregulares. A Pay Brokers não retornou à reportagem, até o momento da publicação.
A Pay Brokers EFX é uma empresa que fornece serviços de pagamento atuando em compras online e sites internacionais. A organização foi a escolhida para disponibilizar e operacionalizar a plataforma de gestão do serviço de loterias no Paraná. O valor da licitação é de R$ 167 milhões e tem 20 anos de vigência do contrato.
Inspetoria do TCE relata falhas na licitação
Em março deste ano, a equipe de fiscalização da 4ª Inspetoria de Controle Externo do TCE-PR formulou um relatório constatando irregularidades na contratação da empresa Pay Brokers. No mesmo documento, foi recomendada uma medida cautelar com a suspensão do edital de licitação para prevenir danos jurídicos e financeiros. Porém, foi negado o pedido, em abril. Com o contraditório, a 4ª Inspetoria do TCE e o Ministério Público de Contas irão se manifestar e, com isso, o próximo passo será o julgamento. Ainda não há prazo para isso.
No relatório que a Gazeta do Povo teve acesso, a inspetoria apontou deficiências consideradas de caráter grave no processo de licitação. Dentre elas, a restrição à competitividade, pois o edital exigiu a experiência mínima de um ano de operação em gestão e monitoramento de lotéricas em mercados regulados. Mas no Brasil ainda é algo embrionário.
Entre outras falhas citadas estão: especificação demasiadamente detalhada de hardware, sem motivação; a exigência de prova de conceito em prazo exíguo; inexistência de detalhamento de custos unitários do contrato; estudos de receita deficientes; falta de previsão de um regime de transição para a transferência de tecnologia no estado; matriz de riscos deficientes e carência de estabelecimento de parâmetros e requisitos para a atualização tecnológica dos hardwares e softwares da solução tecnológica.
O TCE-PR destacou que por ser um mercado novo, com poucas licitações realizadas, é difícil detalhar o número de empresas que poderiam participar de um edital como esse. No caso do Paraná, somente uma empresa apresentou impugnação ao edital. "O objetivo da impugnação era retirar a previsão de tratamento beneficiado às microempresas e empresas de pequeno porte. O recurso não foi conhecido, porém foi provido, em razão do dever de autotutela da administração”, diz o relatório.
No Paraná, a empresa escolhida foi a Pay Brokers EFX – Facilitadora de Pagamentos S.A. Os mesmos sócios da organização são donos da PIXS Cobrança e Serviços em Tecnologia S/A - empresa que ganhou a licitação no Rio de Janeiro. No estado fluminense, apenas duas organizações participaram da disputa, mas uma delas foi desclassificada, restando uma.
Apesar do TCE frisar que a coincidência de sócios não reflete uma irregularidade, pontua que “é possível afirmar que o mercado potencial da licitação é tão restrito, que a administração deveria tomar cautelas ao estabelecer os requisitos de habilitação desse tipo de licitação, verificando o mercado potencial ao qual a contratação está endereçada”.
No edital de licitação da Lottopar era necessário a experiência mínima de um ano, restringindo possibilidades de empresas disputarem. “No Paraná, a Administração sequer conseguiu juntar orçamentos de empresas que compreendessem a integralidade dos serviços que se tenciona contratar para fins de cotação de preço. Das três cotações feitas, duas não atuam com sistema de gestão, apenas com meio de pagamentos”, apresentou o documento. A inspetoria do TCE-PR expôs que, aparentemente, foi criado um nicho de mercado e que isso é preocupante por conta de ter poucos players no mercado.
Falta de estimativa de custos para a Lottopar
A cotação dos preços para fins de licitação foi realizada com três fornecedores. E somente um deles era apto para prestar o serviço. Outro ponto de observação presente no relatório do TCE é a falta de estimativa de custos. “É necessário que a administração pública estime os custos do contrato. Para tanto, deve saber o valor de mercado dos softwares de prateleira existentes. A esse valor, deve somar o custo de customização”. A equipe de fiscalização também evidenciou que é preciso estimar o número de horas necessárias para a manutenção do sistema – o que não foi feito.
“Sem esses dados, a mera estimativa com três orçamentos é temerária e tem grande potencial de gerar uma contratação superfaturada e antieconômica à administração”, indica o documento. A Procuradoria Geral do Estado também expressou preocupação em relação à falta de estudos para estimar o custo de customização do sistema.
Empresa é alvo da CPI do Futebol
No final do mês de maio, o deputado federal Luciano Vieira (PL/RJ) protocolou um pedido de quebra de sigilo bancário das movimentações de algumas empresas e, dentre elas, a Pay Brokers EFX e também dos sócios da organização, Edson Antonio Lenzi Filho e Thiago Heitor Presser. O objetivo é “investigar, possíveis práticas criminosas na movimentação financeira dessas apostas”. O pedido está no âmbito da Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar esquemas de manipulação de resultados em partidas de futebol profissional no Brasil (CPIFUTE).
A justificativa do parlamentar é que há possíveis fraudes e crimes praticados pela empresa e que “houve prática de transações financeiras diversa dos padrões convencionais e legais”. Segundo o gabinete do deputado, as empresas de aposta estão hospedadas fora do país, mas utilizam de organizações nacionais para receber e pagar as apostas, como é o caso da Pay Brokers EFX. O gabinete afirmou que a empresa recebe pagamentos de diversas casas de aposta e pode haver possíveis irregularidades, mas não detalhou quais seriam.
Denúncia na Alep
Os registros elencados pelo TCE e informações complementares foram expostos como forma de denúncia, no início da semana, na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) pelo deputado Requião Filho (PT). Ele tratou como uma possível fraude à licitação na contratação de empresa de gerenciamento de serviços em loteria no Paraná, serviço criado em 2021 sob a justificativa de aumentar a arrecadação dos cofres do estado diante da pandemia de Covid-19.
O deputado disse que um dos sócios da empresa, Henrique Moreira, foi servidor da Seap de 2020 a 2021 e “tinha cargo de chefia na Divisão de Coordenação Administrativa, compondo o grupo de trabalho que elaborou o edital e acompanhou a licitação, além de acompanhar a elaboração da Lei da Lotepar”. O Estado refuta a acusação e diz que Moreira não teve participação ou ingerência sobre o modelo ou formatação da loteria paranaense.
Requião Filho também apontou uma doação de campanha à reeleição do governador Carlos Massa Ratinho Junior (PSD), em 2022, no valor de R$ 400 mil, sendo R$ 130 mil dos CPFs dos sócios da empresa, além de outros R$ 270 mil de pessoas ligadas, por sobrenome, aos sócios da empresa.
O que diz o Governo do Paraná
“Essa licitação é a primeira a ocorrer seguindo a Nova Lei de Licitações (14.133/21), que estipula uma série de medidas para coibir práticas irregulares, como a apresentação de Estudo Técnico Preliminar e Mapeamento de Riscos. O edital previa a participação de quaisquer empresas no formato de consórcio, a fim de possibilitar a atuação de diferentes especialidades técnicas para entregar o melhor projeto para o Paraná”, destacou o órgão estadual.
Segundo a Lottopar, a pessoa apontada na suposta denúncia (Henrique Moreira) “nunca teve relação com o projeto, em nenhuma de suas fases”. Reitera, ainda, e que os nomes dos servidores que atuaram no Grupo de Trabalho que discutiu a viabilidade do serviço de loteria, bem como os responsáveis por cada etapa da licitação, “são públicos e estão disponíveis no Diário Oficial e no Portal da Transparência do Estado”. O Estado afirmou que o servidor em questão desempenhava atividades administrativas e não relacionadas ao departamento de contratações públicas e que “foi exonerado em 2021, antes da criação da Lottopar”.
O governador Ratinho Junior não comentou sobre as supostas doações de campanha.
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