Com a maior parte da safra voltada para a exportação, a decisão do governo do estado de manter funcionando o Porto de Paranaguá foi decisiva para que o setor do agronegócio paranaense fosse um dos menos impactados pela crise econômica gerada pela pandemia de Covid-19. Em entrevista à Gazeta do Povo, o presidente da Federação da Agricultura do Estado do Paraná, Ágide Meneguette, destacou que, com exceção de algumas culturas que foram impactadas pela redução do mercado consumidor (laticínios) ou pela crise no preço do petróleo (álcool e açúcar), o setor está produzindo normalmente durante os meses de situação de emergência no estado e, ainda, tira proveito da demanda mundial por alimentos e da alta no preço do dólar. Confira a entrevista.
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Vários setores da economia tiveram impactos profundos com a pandemia, muitos deles já planejando um ano perdido por causa das restrições nas atividades e outros tendo de conviver com demissões e falências. Como a pandemia atingiu a agricultura e o agronegócio?
Como o setor rural foi classificado como excepcionalidade desde os primeiros decretos do governo estadual e do governo federal, nós não paramos. Nem tínhamos como parar. A safra de soja estava pronta para ser colhida, a safra de café estava andando, a safra de cana, também. Os aviários estavam produzindo. Não tinha como parar de abater frango, suínos, bovinos. Os frigoríficos seguiram funcionando. Então nós fizemos um diálogo muito bom com o governo no estado do Paraná e o governador entendeu. Minha primeira preocupação era o Porto de Paranaguá e deixamos isso bem claro. O porto, prontamente, emitiu uma nota informando que não fecharia, o governador esteve lá, o pessoal montou plano de ação que serviu de exemplo para o mundo. O porto seguiu funcionando com segurança, com médicos enfermeiros atendendo praticamente 24 horas. Isso nos deu uma situação de tranquilidade no interior. Também solicitamos ao governador que, se precisasse, garantisse, com o uso da polícia, qualquer tentativa de obstrução da nossas rodovias. Nós tivemos então um bom encaminhamento, até. Então, aqui, tirando a parte de laticínios, que produz muçarela para as pizzarias, que ficaram praticamente paradas, e, por isso, tiveram problema de escoamento, as outras atividades que nós temos estão correndo bem. O preço da soja no mercado internacional manteve-se praticamente o mesmo, mas, em contrapartida, o dólar a mais de R$ 5,00 nos deu um preço muito bom. E com Paranaguá funcionando direitinho conseguimos exportar bem e por bom preço. Trabalhando sempre dentro das regulamentações exigidas pela Organização Mundial da Saúde, seguimos com poucos impactos.
Quando tudo isso passar, essa pandemia vai acabar originando mudanças de hábitos na vida das pessoas. Tanto na questão da higiene, como hábitos sociais e de trabalho. No campo, que transformações a pandemia pode gerar ou antecipar?
Temos certeza que também a hora que isso passar, o Brasil, o Paraná serão outros. Vamos ter uma outra forma de enxergar o dia a dia, porque essas transformações nos fazem pensar em como melhorar. Temos de procurar nos aperfeiçoar para que possamos continuar trabalhando, produzindo alimentos para o paranaense, o brasileiro, e para exportação, sustentando nossa economia. A principal transformação para o campo deverá ser na automação e na agricultura de precisão. Isso, de outro lado, tem o aspecto negativo, pois significa desemprego também, já que vamos precisar de mão de obra mais preparada para poder usar todos os recursos tecnológicos, mas é um avanço inevitável. No ano passado, o único lugar que abrigou um trator com cabine foi no Brasil. Nos outros países já é tudo automatizado, tudo por controle remoto. É a tendência. Então, estamos discutindo desde já os avanços que precisaremos ter para qualificar mão de obra para conseguirmos seguir competindo no mercado internacional.
O fechamento do comércio, de restaurantes e lanchonetes prejudicou o fornecimento de alimentos para o mercado interno, ou o fato de os supermercados seguirem abertos e as pessoas em casa, preparando suas refeições, compensou?
Não tivemos notícia de grandes prejuízos por causa disso, mesmo porque, nós do Paraná estamos exportando muito. O produtor está voltado para a exportação. Temos a vantagem de a cidade mais longe do Porto de Paranaguá estar a 700 quilômetros. Todas as regiões do estado podem exportar por Paranaguá. Tivemos esse problema pontual do laticínio, evidentemente, a questão da avicultura também, em algumas regiões, em que o pessoal não está com grandes contratos de exportação. Mas, no geral, no meio rural, acho que estamos conseguindo passar. O pessoal está se reinventando em todos os setores. Os produtos agroindustrializados vão ter um deslanche maior. Já conseguimos perceber isso nos Estados Unidos na Europa.
E a agroindústria? Também seguiu trabalhando normalmente, por ser um serviço essencial? Que mudanças tiveram de ser feitas nas fábricas? No que isso impactou?
Todas as atividades econômicas têm de respeitar as orientações técnicas de segurança, higiene e saúde do trabalho. Todo mundo está operando dentro de suas condições. Um exemplo é com o transporte de trabalhadores, por exemplo, um ônibus que levava 30 trabalhadores para a indústria, hoje, esse transporte está limitado a 10 passageiros. Assim, precisamos aumentar a contratação desse transporte. Todas as recomendações médicas e de saúde do trabalho estão sendo implantadas e isso é que está dando condições para que a gente possa trabalhar. Mas o tamanho do impacto disso só poderá ser medido mais para frente. Ainda é muito cedo falar porque não sabemos até quando teremos essas restrições. Evidentemente que todo mundo está perdendo, principalmente na própria tranquilidade de trabalhar e viver. Todos estão com medo desta doença. Mas eu acredito que, aqui no Paraná, estamos andando bem. Estamos vivendo um momento que todos nós temos que nos reinventar para trabalhar. Vai exigir muito de nós.
Na questão das exportações, essa crise da pandemia também teve um princípio de crise diplomática com críticas e, até, ofensas, por parte de membros do governo e dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, à China. Sendo a China o principal mercado das exportações paranaenses, isso chegou a prejudicar, com a ameaça de retaliação comercial dos chineses, ou ficou só no discurso?
Não chegou a afetar, mas preocupou. Das exportações do Brasil, 70% vão para a China. Então eu, pessoalmente, conversei com o governador, já que ele e o pai dele têm amizades pessoais com o presidente Bolsonaro, pedindo para que ele falasse para o presidente tentar controlar o “gabinete do ódio”. “Pede para eles ficarem quietinhos e deixarem a gente trabalhar, porque nós estamos gerando emprego e riqueza para pagar até o salário deles”, falei. O nosso grande importador é lá. Disputamos o mercado deles com os Estados Unidos. Temos de aproveitar o impasse entre eles para ganhar mercado. Não podemos, nós, criar impasses também.
A Gazeta do Povo mostrou, na semana passada, o cenário favorável que a soja brasileira encontrou com preços altos, bom mercado e, principalmente, dólar muito alto. Em compensação, o câmbio pode prejudicar na importação de equipamentos e insumos. Na balança do agronegócio esse câmbio, também diretamente influenciado pela pandemia, ajuda ou prejudica o setor agrícola?
Nós temos segmentos na economia do agronegócio que estão passando por dificuldades. Por exemplo, o setor produtor de álcool - que, com o derretimento do preço do petróleo, foi, evidentemente, impactado. O preço do açúcar também despencou nas bolsas. Temos vários seguimentos sofrendo com esse dólar e com o preço do petróleo, pois ninguém imaginava que, de US$ 120,00 fosse cair para US$ 12,00. Esses assuntos já foram levados ao presidente da República e ao ministro Paulo Guedes. Temos seguido de perto, com dificuldade, mas enxergando que vamos conseguir superar essa pandemia.
O senhor já disse que não há como prever até quando essa situação de emergência perdurará. Mas como o setor se prepara para o depois? Como vai ser a saída da crise para o agronegócio? O que esperar para o segundo semestre?
Eu estive viajando de carro pelo interior do Paraná nas últimas duas semanas e vi que ninguém está parado. O nosso produtor está aplicando calcário, está fazendo a sua conservação de solo, porque precisa fazer. Nosso setor está trabalhando: comprando o herbicida que precisa, o adubo que precisa. Todo mundo preparando para produzir. Fruto também dos bons preços internacionais. Quando que íamos sonhar o preço do milho, em dólar, como está hoje. Não podemos parar. De outro lado, esses seguimentos que têm uma maior dificuldade estão conversando com o Ministério da Agricultura, procurando achar caminhos para que o produtor não tenha descontinuidade no seu serviço. Tudo está tendo ajustes, é evidente que aquilo que é mais supérfluo, terá mais dificuldade. Mas esperamos melhorar nossa eficiência e nossa produtividade para continuar a sermos competitivo.
Que avaliação o senhor faz da condução política da pandemia, tanto no nível estadual quanto no nível federal?
Começando pelo Paraná: o governador do estado cumpriu o compromisso que ele assumiu antes de ser eleito. Quando nós tivemos reunião com ele, nós falamos: “o maior insumo que o governo pode dar para nós é não encher o saco do produtor rural, deixando ele trabalhar em paz”. E ele está cumprindo. Agora, é evidente que nós levamos sugestões e eles têm tomado a favor do produtor rural. Então, no Paraná, não tivemos tanta dificuldade. No nível federal, a ministra da agricultura, Tereza Cristina, foi excepcional. O ministro dos Transportes, Tarcísio Freitas (Infraestrutura) também faz um excelente trabalho. Então, da questão federal, o que posso falar é do atendimento à agropecuária e, para o nosso setor, o que poderia ser feito está sendo feito: prorrogação de dívidas, revisão de tributos, recursos para seguro. Mas nós temos, ainda, uma exigência, que eu tenho certeza que vai acontecer a partir do encerramento disso: a questão sanitária vai ser muito mais levada a sério do que está sendo levado hoje. Isso vai se dizer que depende de nós cada vez mais correr atrás e procurar produzir não apenas para nós, mas produzir aquilo que o mercado quer comprar, porque senão o nosso negócio não vai mudar.
Quando o senhor fala da questão sanitária, o senhor acha que a discussão sobre a possível origem deste vírus a partir da utilização de animais silvestres para a alimentação na China deverá mudar as exigências mundiais para a importação de alimentos, de carnes, principalmente?
Nós também consumimos e criamos animais silvestres para a alimentação. Alguns de nossos bonivocultores trabalham com animais silvestres. Mas nós temos de trabalhar o controle sanitário disso. Nós temos de ter o mecanismo para continuar trabalhando a produção dentro do padrão sanitário internacional. O que temos de fazer é evoluir para atender às exigências sanitárias do Japão, que paga mais, a Europa e os próprios Estados Unidos. A questão sanitária é primordial. Então eu vejo que esse vírus chegou aí. Por enquanto não atingiu nossos bichinhos, mas vamos enfrentar e nos preparar, cada vez mais, fazendo o nosso dever de casa.
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