Após 40 anos administrando salas de aula e suas obras literárias, o historiador e ambientalista Renato Mocellin tenta a primeira eleição justamente no posto máximo do executivo municipal. Pré-candidato a prefeito de Curitiba pelo PV, Mocellin acredita que tem a seu favor, apesar da inexperiência, o conhecimento sobre gestores do passado. Admirador de Franklin D. Roosevelt, ele defende que a chave para o desenvolvimento da cidade é o investimento na geração de empregos e que, para isso, não é preciso uma grande quantidade de recursos. Leia a entrevista do professor e pré-candidato concedida a Marcela Mendes.
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Se fosse prefeito, o que teria feito diferente no enfrentamento à Covid-19?
É uma pergunta complexa de ser respondida porque eu poderia, de forma oportunista, dar uma resposta que contraria as ações do atual prefeito. Eu acho este um momento bastante complicado e eu ouviria a sociedade de uma forma geral, especialmente as pessoas da área de saúde. Todo prefeito, governador, tem uma equipe e essa equipe deve ser a mais qualificada possível. E a minha decisão seria com base no que essa equipe viesse a sugerir. Óbvio também que deveríamos, ou deveremos, verificar as experiências que deram certo. Porque a pandemia começou na China, atingiu a Europa... vários países já enfrentaram o problema e alguns até com certo sucesso. O Brasil teve tudo para aprender porque a pandemia chegou aqui mais tarde. O Paraná teve mais o que aprender porque chegou mais tarde do que em Manaus, em outros estados e cidades brasileiros. Então, talvez, quando você fica no meio do caminho, você acaba não dando a solução adequada. “Ah, vai desagradar uma parcela da população”. Paciência. A vida está em primeiro lugar. Devemos pensar nas questões econômicas? Sim, mas sempre priorizando a vida. Você pode sair de uma situação econômica adversa, mas você não pode sair da morte. Especialmente as pessoas que estão perdendo seus entes queridos. Elas compreendem exatamente o que eu estou dizendo. É um tema bastante difícil. Um desafio enorme para os administradores públicos. Eu não vou ser mesquinho de ficar criticando o atual prefeito ou quem quer que seja porque não é uma solução fácil. Aquele que disser que “eu faria isso e daria certo” estaria sendo, no mínimo, demagogo.
Sobrando ainda alguma capacidade de investimento pós-pandemia, onde o senhor concentrará os recursos da cidade nos próximos anos e por quê?
Eu acho que o administrador público deve zelar pelo bem-estar da população. Nós vamos viver uma situação econômica bastante difícil. Então, aquilo que for possível – também não devemos ter a ilusão que vai ter muitos recursos – ajudar na manutenção de empregos. O pequeno, o médio empresário. Enfim, combatendo uma das chagas da atualidade que é o desemprego e que também gera mais e mais desigualdade. E quanto mais desigualdade, mais violência. Uma série de fatores sociais que vem na rabeira dos problemas econômicos. Então, eu acho que o próximo prefeito deve ser bem realista. Os recursos serão limitados. Tem que escolher as áreas que vai investir e essas áreas devem ser aquelas em que o bem-estar da população ou a solução de problemas econômicos prementes vêm ao poder público contribuir. Sem ter a ilusão que vai poder fazer muita coisa. Uma obra que não é tão necessária, não se faz. Procura-se enfatizar aquilo que é fundamental. Eu, como historiador, estudei todos os prefeitos e suas gestões aqui de Curitiba. E, muitas vezes, o prefeito investe em áreas que não aparece. Eu dou exemplo de Omar Sabbag, que investiu enormemente em saneamento. Obviamente, para efeito de marketing, isso não conta. Mas nós devemos usar os recursos que muitas vezes são limitados da melhor maneira possível. Sem obras ostentatórias, sem obras que vêm a beneficiar a poucos. Todas as obras devem focar aquilo que é importante para a maioria da população. E não apenas para determinados grupos.
O senhor tem 40 anos de experiência como professor, já passou por uma eleição e tem um amplo conhecimento sobre história e a cidade de Curitiba. Mas de que forma seu currículo o credencia para assumir um posto no executivo municipal? Não acredita que a inexperiência no jogo político pode ser uma grande desvantagem?
Eu acho que pode ser uma desvantagem, mas pode ser uma vantagem também. Porque o que acontece é que o político que está nas lides durante muito tempo ele vai desenvolvendo certos vícios. Eu acho que quando se fala em nova política é preciso tomar cuidados porque muitas vezes ela vem travestida de coisas que são velhas. E o que eu observo é que muitos políticos, na ânsia de se reelegerem, tomam decisões que são inadequadas e que muitas vezes contrariam os interesses da maioria da população. No Brasil, e aqui eu posso falar com uma certa cátedra, impera o patrimonialismo. O sujeito, ao conseguir um cargo público, ele pensa muitas vezes que aquele cargo é dele e nós temos essa confusão entre o público e o privado. Eu posso não ter uma experiência administrativa direta, mas eu estudei diversas administrações e a história da humanidade. Um presidente que eu tenho grande admiração é o presidente Franklin Delano Roosevelt, que enfrentou uma crise econômica sem precedente. O que o Roosevelt fez? Ele cercou-se de uma equipe econômica altamente qualificada. Eu, por exemplo, não entendo de como você vai construir uma ponte ou um viaduto. Mas, onde está a sabedoria? Você buscar pessoas que entendam do assunto. Porque nós somos ignorantes numa série de questões. Agora você achar que é capaz de resolver tudo é um equívoco. O Roosevelt teve aquele programa, o New Deal. E ele tinha uma comunicação direta com a população, tinha um programa lá, “conversa ao pé do fogo”, onde ele explicava o que estava fazendo. Hoje, com as novas mídias, nós temos como auscultar de forma mais intensa quais são os reclames populares. Hoje nós podemos nos aproximar do ideal grego de uma democracia direta. Onde você consegue em pouco tempo acessar um grande número de pessoas e saber o que essas pessoas realmente necessitam. Aquela política de você ter o cabo eleitoral, o sujeito que faz a intermediação, que consegue emprego para fulano, para beltrano, isso acho que a gente tem que sepultar. Acho que a minha inexperiência de exercer um cargo público, ela pode ser positiva porque eu não tenho os vícios e nem a ambição de querer fazer carreira política, pois eu já estou no outono da vida e não tenho maiores veleidades de no futuro chegar a cargos ou ter uma carreira política ou viver da política.
O mote de sua campanha é “A nossa Curitiba sustentável”, algo naturalmente desejável. Mas o senhor acredita que essa é a principal demanda da cidade?
Nós, no partido, achamos que vivemos uma encruzilhada civilizatória e a questão da sustentabilidade não tem ideologia, ela é premente. Nós temos aqui em Curitiba, por exemplo, o Rio Belém, que é um rio essencialmente curitibano, que é um dos rios mais poluídos do Brasil. Gostaria de fazer um parênteses: Curitiba teve administrações qualificadas, eu citaria o ex-prefeito Jaime Lerner, tem uma frase dele que eu gosto muito. Em uma entrevista ao jornal El País, ele diz que o carro será o cigarro do futuro. Então, é preciso pensar uma cidade onde a mobilidade esteja no foco das atenções. Mas uma mobilidade que consiga romper com esse rodoviarismo. Quer dizer, eu exaltaria o prefeito que constrói mais ciclovia, que conseguir, paulatinamente, substituir toda a frota existente de ônibus com ônibus elétrico. Sei que pode ser uma utopia no momento, mas você [precisa] perseguir ousar. Curitiba foi uma cidade em que os administradores ousaram e isso parece que desapareceu. Nós estamos vivendo administrações que vivem resolvendo problemas. “Ah, mas precisa de recursos”. Nem sempre. Muitas vezes você, com poucos recursos pode fazer coisas significativas. E quando eu falo “A Nossa Curitiba”, eu quero dizer que nós temos que romper com esse personalismo que impera na política paranaense. Parece que a história aconteceu antes do fulano e depois do fulano. Quer dizer, eu sou apenas um agente dentro de uma engrenagem de pessoas que defendem a necessidade de pensarmos a cidade dentro de uma visão ecológica, pacifista. Claro, isso não é fácil. Mas nós temos condições de dar uma administração que foque, que tenha como norte a questão ambiental e a justiça social. Uma cidade sustentável, uma cidade solidária, uma cidade que não seja minha, que não seja sua, mas que seja nossa. E isso não é fácil. Não dá para dizer que tudo que foi feito até hoje está errado. Nós tivemos coisas significativas, boas, inclusive do atual prefeito, não vou ser mesquinho de execrá-lo. Mas é preciso mudar. Eu sou pela alternância no poder. Mesmo que o atual prefeito fosse maravilhoso em todos os aspectos, mesmo assim teremos que ter alternância. Por isso que eu sou totalmente contra a reeleição. Porque você acaba fazendo carreira política e administra pensando na reeleição. É o que acontece, infelizmente, no nosso país. A eleição vai ser em 2022 e em 2020 a administração está focada se vai ser possível ou não a reeleição. Isso é péssimo para a cidadania. E a gente tem que desenvolver, eu acho, quando a gente fala em cidadania são direitos sociais, políticos, civis, mas uma cidadania ambiental. E para isso temos que focar em uma educação ambiental ainda mais intensa. E aprendendo. A visão ambiental que eu tenho hoje é muito superior a que eu tinha há 30 anos. A vida é um aprendizado. E focando isso, nas escolas, na mídia, usar os recursos, por exemplo, da publicidade não para exaltar a administração do Renato Mocellin, mas, sim, para ajudar a desenvolver uma consciência ambiental, social. E por isso que a gente usou esse lema “a nossa Curitiba”.
O senhor disse que tem estudado prefeitos do passado da cidade, como Ney Braga e Jaime Lerner. O que aprendeu dessas gestões que não deve ser feito?
É você investir naquilo que não reverte para a maioria da população. Outra coisa é você não ser transparente. Nós vivemos em uma época em que a transparência é fundamental. A corrupção começa no Brasil já no governo de Tomé de Souza, o primeiro governador-geral, na construção de Salvador, recursos foram desviados. Então, a transparência é uma qualidade que o eleitor deve buscar nos candidatos. Administrações transparentes e a sinceridade. Eu vou ser prefeito, se porventura o povo me eleger, de uma cidade. O poder do prefeito é limitado. Está dentro de um contexto estadual, nacional e num mundo globalizado. É muito comum ver vereadores fazendo promessas que são no mínimo esdrúxulas. Fogem completamente da competência. Tem gente que acha que é candidato a prefeito, mas pensa que vai ser secretário-geral da ONU. Ter a consciência e até um realismo meu exagerado de saber as limitações do exercício daquela função pública. Eu considero fundamental a transparência. No Brasil, infelizmente, vivemos um processo em que há uma corrupção sistêmica, mas eliminar totalmente jamais conseguiremos. E buscar valores que são fundamentais para o exercício da cidadania. Por exemplo, fala-se muito em educação. Mas, que educação? Qual educação? Esses dias eu estava observando uma moça, provavelmente com curso superior jogando a xepa de cigarro na calçada. Quer dizer, essa moça tem educação formal. Mas sendo exemplo. Você não pode, como administrador público, num país com carências, você dilapidar aquilo que não é teu. É muito comum no Brasil as pessoas confundirem o que é público e o que é privado. E, infelizmente, isso faz com que as pessoas não acreditem na política. E quando as pessoas não acreditam na política, elas não participam. E isso é muito ruim. Nós precisamos ter uma sociedade em que haja uma participação intensa para que a democracia realmente se consolide.
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