Polo de uma região de 500 mil habitantes, Guarapuava, no Centro-Sul do Paraná, possui apenas 10 leitos de UTI para pacientes Covid-19. Ciente da frágil estrutura hospitalar para enfrentar a pandemia, o município foi o primeiro do país a adotar o uso obrigatório das máscaras e, com outras medidas preventivas precoces, tem conseguido segurar o avanço do coronavírus. Apesar do baixo número de casos, a cidade de 180 mil habitantes tem pouca margem de manobra e apressa o governo estadual para a entrega do Hospital Regional de Guarapuava.
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Em entrevista à Gazeta do Povo, o prefeito César Silvestri Filho (PPS) destaca que sua maior preocupação no momento não é a Covid-19, mas a instabilidade política nacional e o efeito devastador sobre a economia que uma eventual ruptura institucional poderia ter, principalmente para estados e municípios fortemente ligados ao agronegócio e à exportação. “Tem muita gente boa, de boa intenção, fazendo manifesto em frente de quartel em aceno para intervenção militar. E são pessoas que vivem diretamente do agronegócio, que serão seguramente os primeiros a serem retaliados e prejudicados”, diz, acrescentando não ter dúvidas de que países competidores “não vão desperdiçar oportunidade de criar retaliações econômicas para qualquer situação de comprometimento de nossa democracia”.
Em outra frente, o político defende a agilização das licenças por parte dos órgãos ambientais para destravar os investimentos da iniciativa privada como, por exemplo, na construção das pequenas centrais hidrelétricas. Ele ainda faz um apelo para que o governo estadual negocie com o Tribunal de Justiça o uso emergencial de mais de R$ 1 bilhão depositados no Judiciário. “Poderia ser até uma operação em que o Tribunal não tivesse prejuízo algum, nenhum tipo de perda de capital, mas que permitisse uma aceleração dessa concessão de crédito”, sublinha, lembrando que algo parecido foi feito em 2016 pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Confira a entrevista com César Silvestri Filho que, antes de completar 40 anos, já exerceu um mandato como deputado estadual e está na reta final do segundo exercício seguido como prefeito de Guarapuava.
A situação de Guarapuava é igual, pior ou melhor do que outras cidades brasileiras de mesmo porte, diante da pandemia do coronavírus?
A nossa situação, hoje, do ponto de vista de número de infectados, é bastante melhor do que a maioria dos municípios de mesmo porte brasileiros. Mesmo aqui na região Sul, que ainda tem uma situação melhor do que o resto do país, a gente tem se destacado. Tanto é verdade que, no ranking das 15 principais cidades do Paraná, é a que tem o menor índice de contaminação por mil habitantes, em torno de 0,4 por mil. A grande preocupação que nós temos é a deficiência de leitos de UTI, em que há uma restrição grande. Guarapuava é um polo regional de saúde, então nós respondemos não só pelo nosso município, mas por uma regional em torno de 500 mil pessoas, todas dependendo do mesmo sistema. E aí existe sim um alerta grande. Como nosso número de leitos exclusivos Covid é muito pequeno, apenas 10, é uma situação de alerta permanente, por que você sair de zero para digamos 50 a 60%, numericamente é muito rápido.
Não houve como preparar isso, organizar melhor essa estrutura?
Desde antes do início da pandemia, já vínhamos alertando o governo da necessidade de acelerar a conclusão do hospital regional. Num determinado momento, o governador acabou acelerando o processo, a própria prefeitura acabou ajudando na obra, que nem é do município, é do estado. A iniciativa privada local fez doações de equipamentos, máquinas e conseguiu fazer o encaminhamento disso. Já teve uma decisão importante em relação à operação, o hospital Erasto Gaertner foi escolhido para fazer a gestão desse hospital. Mas ainda não há uma definição clara de quantos leitos serão disponibilizados. Nós estamos reivindicando para o governo pelo menos 30 leitos de UTI, e as informações que temos até o momento é de que governo está com dificuldade para conseguir os respiradores. Desse número de 30, parece que tem garantido por enquanto apenas 10.
A prefeitura fez uma gestão local e conseguimos comprar quatro respiradores. Foi o que conseguimos no mercado, porque realmente está difícil ter acesso. Esses quatro respiradores nós doamos para o hospital São Vicente, e estão lá. Ainda não foram usados por que não foi necessário, mas já estão à disposição do hospital para qualquer necessidade.
Quanto custaram esses respiradores?
Consegui comprar por R$ 75 mil. Eu tinha determinado à minha equipe comprar dez. Num primeiro momento, a gente tinha até conseguido, mas daí o fornecedor cancelou a compra alegando que toda produção tinha sido direcionada para o Ministério da Saúde.
Quando o hospital regional vai ser inaugurado?
A expectativa inicial era início de junho. Agora já estão falando em metade de julho, talvez, final de julho. Ainda tem bastante coisa para ser resolvida.
Ou seja, a corrida das obras tem que ganhar a corrida da doença, porque, se não, a situação relativamente confortável de Guarapuava pode se agravar?
Exatamente. Esse é o ponto crítico que a gente enfrenta hoje. Por isso nós antecipamos as medidas de prevenção, porque não podíamos correr esse risco. Nós fomos no início muito cautelosos, muito conservadores. E esse é um dado interessante: Guarapuava foi a primeira cidade do país a decretar o uso massivo de máscaras, inclusive no transporte público e no comércio. Depois é que vieram as novas recomendações do Ministério da Saúde e que acabou se ampliando essa recomendação, até virar lei.
Do ponto de vista social e econômico, como Guarapuava está aguentando essa crise e como o senhor imagina que será a retomada no pós-pandemia?
Do ponto de vista social, as primeiras medidas que fizemos, o que mais nos preocupava, era a população que atua no mercado informal. Houve ali de duas a três semanas em que a cidade realmente parou. Então trabalhamos com política de assistência mesmo. Por exemplo, os catadores de recicláveis, nós viabilizamos pelo orçamento do meio ambiente uma espécie de complementação de renda para todas essas famílias, depois fizemos uma aquisição massiva de cestas básicas, para assegurar um mínimo de dignidade, um mínimo de subsistência para a população de forma geral.
Esse programa dos R$ 600 do governo federal, ele acabou dando um suporte importante. É interessante isso, ele aqueceu a economia. A gente tem relatos de pequenos comerciantes que passaram a ter incremento de suas vendas em relação aos meses anteriores da pandemia, justamente por que esse dinheiro acabou circulando fortemente na economia. E a gente criou um programa em que equalizamos os juros para o microcrédito aqui em Guarapuava. Até R$ 6 mil para o pequeno empresário. Para o MEI será juro zero e, até R$ 20 mil, terá um juro subsidiado bastante abaixo das taxas de mercado. Do ponto de vista imediato, responsivo, foram essas ações.
A estrutura econômica da cidade, como está? Está esgarçada ou comprometida para a recuperação pós-pandemia?
Por enquanto, não. Nós temos características que nesse momento nos trazem algum conforto. Guarapuava é uma cidade muito baseada no agronegócio. E o agronegócio em 2020 foi disparado o melhor dos últimos anos, tanto em produtividade como em produção de soja, milho e batata, que tem um núcleo de produção importante aqui. Todos eles tiveram produção boa e preços históricos. Então, a essência da economia de certa forma foi preservada. O setor madeireiro, que é muito importante para nós, também teve um impacto inicial, mas acabou se compensando ao longo do tempo, com o câmbio. Quase toda produção madeireira é destinada à exportação. Então, com esse dólar alto, o pessoal acabou tendo um equilíbrio, logo na sequência. Hoje o nosso cenário, pelo menos na economia-base, está preservado. O que nos preocupa são alguns segmentos do comércio que estão sofrendo muito. O setor de eventos está sofrendo demais, o setor ligado à cultura, os relacionados à parte hoteleira. Eu vejo que o pós-pandemia vai criar para municípios com nosso perfil a oportunidade de se reinventar e sair na frente. Uma economia que vai, digamos assim, criar um novo mercado relacionado à inovação, a empreendimentos de base tecnológica.
O senhor acredita que a resposta à pandemia no país poderia ter sido diferente ou melhor? Onde erramos, onde acertamos?
Veja, eu sou bastante crítico em relação à condução feita pelo governo federal. Eu vejo que o Brasil ao invés de ter tido um líder que harmonizasse o país nesse momento, que liderasse o país para enfrentar esse período da crise, dando caminhos, respaldando as autoridades sanitárias – que nesse momento são os governadores e os prefeitos – , trabalhando conjuntamente, criando ações em que a população compreendesse que eram fases de sacrifício, mas que tinham prazo para acabar; o que a gente viu foi uma deflagração de conflito, em várias frentes, desinformando a população, incentivando a desobediência às normas de isolamento, desinformando em relação à terapia, tentando forçar a barra com uso de medicamentos que não têm base científica. Isso tudo foi muito difícil para os prefeitos, porque de alguma forma comprometeu a autoridade sanitária nossa, criou conflitos que não precisava. No início as coisas estavam caminhando muito melhor, em determinado momento ficou muito difícil administrar isso. E exatamente por falta dessa ação organizada, coordenada, eu não tenho dúvida de que o Brasil vai acabar tendo um prolongamento dos efeitos econômicos da pandemia, justamente porque haverá quarentenas prolongadas, e, pior, acredito que reiteradas. Em alguns momentos em que se flexibilizou, será preciso voltar a ter ações de restrição na economia mais severas.
Infelizmente, esse é o quadro que eu vejo. E o pior, que é uma preocupação pessoal, que quando a gente fala em como retomar a economia pós-pandemia, o Paraná, especificamente, é um estado muito baseado no agronegócio. E aí quando a gente vê o governo federal ainda incentivando conflitos, crise entre as instituições, acenos antidemocráticos... O que eu particularmente vejo, na prática, é colocar o Paraná especialmente em risco muito grande em relação às nossas exportações. Sabendo que o agronegócio será a base da nossa retomada, o que a gente vê em alguns momentos são assessores do presidente, e familiares do presidente, criando animosidade desnecessária com a China, que é o nosso principal parceiro comercial; quase 40% da exportação do agronegócio paranaense tem a China como cliente. E o segundo mercado, que é o mercado da União Europeia, que corresponde a cerca de 500 milhões de dólares por ano, é um mercado que certamente vai retaliar qualquer aceno que o Brasil faça em direção que comprometa a nossa democracia. A gente sabe que a Europa historicamente cria barreiras sanitárias, mas que na verdade são barreiras comerciais. Eles criam empecilhos para nossa relação comercial, dada a nossa extrema competitividade na produção de alimentos, e em tempos normais eles usam as barreiras sanitárias como motivo. Não tenho dúvidas de que países como França, por exemplo, que é um grande competidor, que vive criando problemas para o Brasil, não vai desperdiçar oportunidade de criar retaliações econômicas para qualquer situação que a gente tenha, real, de comprometimento de nossa democracia. Eu creio que hoje, esse é o maior risco que a gente corre.
Essas instabilidades institucionais e políticas são alimentadas perigosamente, ao seu ver?
Perigosamente e eu vou além, irresponsavelmente. E o que mais me preocupa é que muitos dos que aplaudem esses acenos antidemocráticos do presidente, são pessoas diretamente ligadas ao setor do agronegócio, que não estão enxergando o tamanho do risco que estamos correndo. Muita gente boa, de boa intenção, fazendo manifesto em frente de quartel para fazer aceno para intervenção militar, e são pessoas que vivem diretamente do agronegócio. Que serão seguramente os primeiros a serem retaliados e prejudicados. Isso é uma coisa que me preocupa mesmo, porque deixou de ser uma mera especulação, um mero risco distante. Isso sim levaria a nossa economia ao caos. Porque se a gente perder esses mercados, aí vamos viver uma situação muito difícil.
Ninguém está blindado então se a gente errar a mão na política nacional?
Não tenho dúvida de que o Brasil vai sofrer retaliação comercial, se ele tiver qualquer comprometimento hoje do funcionamento regular da democracia. Os grandes competidores não vão desperdiçar uma oportunidade como essa. E como vão retaliar? Pela economia, fechando o mercado. E aí sim, seria caótico para nós. Todos os municípios de grande porte do Paraná, com exceção da região metropolitana, são municípios que têm o agronegócio como base da economia, e excessivamente exportadores. A região Oeste do Paraná sofre mais ainda. Vamos falar de Guarapuava. Nós temos muita produção de grãos que vai para a China. Vamos dizer que a China ainda tolere, eles não têm tanto compromisso assim com a democracia Mas as regiões que produzem, por exemplo, frango e suíno, que têm o mercado europeu como mercado principal, eu vejo nisso um risco muito grande. Acho que nesse momento, as lideranças políticas do estado, começando pelo governador que tem uma interlocução direta com o presidente, pelas lideranças do agronegócio, que também de alguma forma estão na base do presidente, é dever de todos nós demonstrar para o governo de forma muito clara o risco que eles estão nos submetendo. Isso seria muito mais grave para nossa economia do que tivemos até agora com a quarentena, com esse isolamento social, por que ficou ainda muito restrito a alguns segmentos do comércio.
Eu vejo que a retomada da economia para nós, nas cidades, passa por crédito. E aí eu tenho uma tese, uma proposta que eu levei para o governador e insisto. O grande gargalo hoje que nós temos é que o parceiro principal das cidades para o crédito é a agência de fomento, mas a agência está descapitalizada e não tem recursos suficientes para suprir as demandas, que são de crédito, microcrédito e pequeno crédito. Eu tenho uma proposta, que é o governo do Estado fazer um entendimento com o Tribunal de Justiça, que hoje tem R$ 1 bilhão depositados, parados, aplicados com dinheiro do Funrejus (Fundo de Reequipamento do Poder Judiciário). O governo deveria ter algum tipo de entendimento ou proposta com o Tribunal para ter acesso a esse recurso. Hoje cada R$ 10 alocados numa instituição financeira representa R$ 100 de crédito. A gente teria aí uma injeção direta de recursos na economia local, crédito direcionado para os pequenos negócios, daria até para pensar numa forma de crédito facilitado, com carência e subsídio em relação aos juros.
E algumas coisas que não dependem da prefeitura, mas que teriam um efeito prático, é a questão dos licenciamentos ambientais. Hoje nós temos bilhões de reais de iniciativas, de empreendimentos privados, parados, aguardando licenciamento, como as pequenas centrais hidrelétricas. Entendo que poderia até ser feita uma grande parceria entre estado e municípios, para fazer uma grande força tarefa, um mutirão, acelerar esses licenciamentos e ter injeção de dinheiro privado na economia do estado, em diversos empreendimentos.
Em relação ao crédito, a esse reforço que poderia vir dos cofres do TJ-PR, essa é uma conversa que depende do governador, ou os municípios podem tentar sensibilizar o tribunal para tirar esse dinheiro investido e colcotar na produção?
Eu não tenho dúvida de que o TJ-PR, num momento como esse, seria sensível a uma demanda dessa. E o que eu sugeri, inclusive ao governador, é que o próprio governo assegure. Estamos vivendo a taxa básica menor da história. Com certeza, o dinheiro que o Tribunal tem são aplicações conservadoras. Então, hoje, para o estado assegurar a remuneração que o Tribunal tem de seu capital, não é um grande sacrifício. Eu entendo que poderia ser até uma operação em que o Tribunal não tivesse prejuízo algum, nenhum tipo de perda de capital, mas que permitisse uma aceleração dessa concessão de crédito. E isso não é invenção. O Rio de Janeiro na crise, em 2016 e 2017, fez exatamente uma operação como essa entre o TJ e o governo do estado, em torno de R$ 500 milhões. Então, veja, se o TJ-PR der metade do que ele tem, R$ 500 milhões, a uma taxa razoável, nós teríamos R$ 5 bilhões para serem emprestados para a economia local, sobretudo para os pequenos negócios. E eu não consigo enxergar o Tribunal sendo insensível. A postura do Tribunal, historicamente, é muito positiva em relação a essas boas causas. São ações que, no meu ponto de vista, alavancariam os municípios diretamente, por intermédio do estado. O governador Ratinho é uma pessoa que tem uma relação, um diálogo muito bom com os demais poderes do estado. Acho que tem um ambiente institucional favorável para ter esse tipo de conquista. É uma sugestão, daqui da base, é uma das coisas que eu enxergo que poderia nos ajudar.
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