O desembargador José Laurindo de Souza Netto, 60 anos, foi eleito presidente do Tribunal de Justiça (TJ) do Estado do Paraná no início deste mês. Ele assumirá a cadeira máxima da Justiça Estadual no dia 1º de fevereiro de 2021 para uma gestão de dois anos. A eleição – a primeira realizada de forma remota – foi feita em dois turnos. No segundo turno, Netto recebeu 74 votos. Sua adversária nas urnas, a desembargadora Lídia Matiko Maejima, obteve 42. Também foram registrados três votos brancos e um nulo.
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Para ele, uma das explicações pelos votos obtidos envolve o trabalho que executa hoje na cadeira de segundo vice-presidente do TJ. “Desenvolvemos políticas públicas de aproximação com a população. E devemos dar continuidade a isso", diz ele, durante entrevista à Gazeta do Povo. Confira os principais trechos logo abaixo:
Na hora de pedir votos para os demais desembargadores, o que o senhor propôs? Quais propostas foram colocadas para convencer os seus pares de que a sua candidatura seria a melhor opção?
A gestão do TJ é um grande desafio. É um dos cinco maiores tribunais do Brasil. Então é necessário um plano, previamente elaborado, que expresse com clareza e precisão os resultados que se pretende alcançar. Não foi possível apresentar as propostas pessoalmente aos desembargadores, por causa da pandemia, mas elas foram apresentadas. Antes de mais nada, reafirmei a necessidade de dar continuidade às boas práticas que foram levadas a cabo pela atual gestão, da qual eu faço parte, porque sou o segundo vice-presidente. Então, o primeiro passo é dar continuidade às políticas e diretrizes da atual gestão, presidida pelo desembargador Adalberto Jorge Xisto Pereira. E eu me sinto pessoalmente comprometido com essas diretrizes. Os bons frutos vão ser aperfeiçoados e perenizados.
E, depois, eu apresentei as minhas propostas, com dois pilares, que são: uma gestão colaborativa, ou seja, com a participação de todos os integrantes do TJ, nas suas respectivas comissões, temos várias comissões; e também a valorização do ser humano, como centro do sistema de Justiça. E, quando eu falo de valorização do ser humano, eu me refiro não somente a aqueles que recebem a prestação jurisdicional, o cidadão, mas também o servidor, o juiz, todos aqueles que participam da operacionalidade do sistema de Justiça. E, com base nos dois pilares, foram apresentadas 30 propostas.
O senhor pode destacar alguma destas 30 propostas?
O aumento da eficiência a partir da modernização administrativa, através de novas técnicas de administração. Outra proposta que eu destaco, entre as 30, é a necessidade de capacitação, através da Escola dos Servidores e da Escola da Magistratura. Porque conhecimento é ferramenta de transformação. Também temos como proposta a aproximação do Poder Judiciário da população. Inclusive eu atribuo a votação significativa que eu tive entre os desembargadores – foram 74 votos – à gestão como segundo vice-presidente do TJ, quando desenvolvemos políticas públicas de aproximação com a população. E devemos dar continuidade a isso.
Que tipo de políticas públicas foram desenvolvidas?
Desenvolvemos atividades no setor de acesso à Justiça, por exemplo, no qual desenvolvemos a política nacional do tratamento adequado aos conflitos. Ou seja, ao invés de estarmos preocupados em julgar o processo, nós estamos preocupados em resolver o conflito. O conflito é sempre antes do processo. Quando não há solução imediata de um conflito, nasce um processo. Então é uma política nacional desenvolvida pelo CNJ [Conselho Nacional de Justiça] e, aqui no estado, ela é desenvolvida pelo Nupemec, que é o Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos, e operacionalizada pelos 157 Cejuscs, que são os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania. São utilizados métodos consensuais, mediação, conciliação e arbitragem. E os Cejuscs também trabalham com a questão da cidadania. São mais de 60 projetos de cidadania, ligados aos direitos fundamentais e ao sistema de Justiça.
Também destaco as unidades de Cemsu, Central de Medidas Socialmente Úteis, que instalamos com o objetivo de resgatar o caráter terapêutico e restaurativo das medidas alternativas e tomadas em virtude de um ato infracional. Então, ao invés de tratar com pena de prisão privativa de liberdade, que muitas vezes se torna uma universidade do crime para determinados casos, nós resgatamos o caráter restaurativo e transformar das medidas socialmente úteis, que atenda a lesão dos danos sofridos pela vítima, atenue o dano que a prática infracional causa à sociedade, o lado comunitário, e, sobretudo, responsabilize o indivíduo que se vê envolvido com a prática infracional. Claro que não se nega a necessidade prisional, mas nos casos devidos. Se não for ministrado o controle penal, social, com a medida certa, nós só incentivamos a prática infracional.
Na verdade, há um deslocamento da preocupação do processo, que é característica do sistema de Justiça tradicional, para o conflito. Nossa preocupação é atuar no conflito, para que as pessoas tenham a capacidade de solucionar as adversidades da sua existência, que possam entender o outro, para que as pessoas consigam ter emancipação e autonomia para resolver os problemas, sem que seja necessário pedir ajuda do Judiciário para solucionar certas demandas. O brasileiro é muito litigioso. Temos aqui um universo de quase um processo para cada brasileiro. E não existe país no mundo com um acesso à Justiça tão aberto para postular uma demanda. Mas o conflito é normal na sociedade. A questão é a forma de solução do conflito.
Mesmo antes da pandemia, o TJ já iniciava um processo de teletrabalho, o home office. Com a pandemia, isso se fortaleceu. Como será a partir de 2021? A tendência é adotar mesmo o teletrabalho onde for possível?
Nossa intenção é conjugar o teletrabalho com o presencial, com vistas à redução das despesas de custeio e também buscando a maior eficiência do sistema. Nós completamos 9 meses de teletrabalho e não houve perda de produtividade. Em 2021, isso deve ser ampliado e aperfeiçoado. A pandemia testou a capacidade de resiliência institucional do Poder Judiciário, sobretudo da segunda vice-presidência. Tivemos capacidade de nos adaptarmos rapidamente às exigências com ganho de produtividade.
Com a pandemia, as sessões colegiadas passaram a ser transmitidas pelo Youtube, o que foi considerado um avanço. Se o modelo presencial voltar, continuarão sendo transmitidas?
Sim, isso é uma necessidade de transparência. A comunicação com a sociedade está dentro do nosso plano estratégico. Para que as pessoas conheçam o Poder Judiciário, como aquele que presta serviço público para o cidadão. É a nossa proposta maior. O Judiciário pode contribuir de várias formas para a população. Por isso a importância da tecnologia.
E quando elas voltarão a ser realizadas de forma presencial?
Nós temos um comitê de controle, que acompanha os índices da pandemia. A ideia é voltar o mais rápido possível dentro do semipresencial. Toda a equipe de transição está agora no presencial, por exemplo.
Ao mesmo tempo que há um estímulo ao teletrabalho, no ano passado o TJ comprou o Edifício Pery Moreira, no Centro Cívico. Qual será o uso dele agora?
O edifício foi adquirido da prefeitura de Curitiba no final de 2019. Ele está sendo completamente reformado para abrigar unidades administrativas de apoio à prestação jurisdicional do TJ. Então, com a ocupação deste prédio, poderemos realocar unidades administrativas e será possível reduzir os custos com aluguel de imóveis. Ainda estamos nos inteirando dos detalhes, com a equipe de transição, mas tenho certeza que a ocupação será benéfica para todo o TJ.
O dinheiro do Funrejus geralmente é colocado em obras do Judiciário. Com o estímulo ao teletrabalho, existe uma diretriz nova para os gastos?
Trata-se de uma fonte de recursos importantes para o TJ, porque são destinados a investimentos de grande relevância, como em tecnologia, por exemplo. No período da pandemia, foi muito importante. Porque foram feitos investimentos que nos permitiram agir rapidamente para manter a prestação jurisdicional. É importante que a gente mantenha o uso racional dos recursos, se adaptando às novas tendências e se antecipando aos problemas que podem ocorrer.
Um projeto de lei foi encaminhado neste ano pelo TJ à Assembleia Legislativa (Alep) definindo novos valores de custas de cartórios. Mas emendas apresentadas ao texto, já na Alep, aumentaram ainda mais os valores propostos. Como o senhor vê isso? O que o senhor achou das modificações que foram feitas na Alep?
Quando existe esta necessidade de atualização de custas, é sempre formado um comitê, que analisa os números, faz todo um estudo de custo financeiro, e aí foi enviado o projeto de lei para a Assembleia Legislativa. Agora a Alep tem seu poder também e poderão surgir ponderações sobre vício de iniciativa. Mas o debate está no âmbito da Alep e estamos aguardando o desenrolar desta questão aí.
Há anos, tramita no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) um procedimento que trata da readequação dos cargos de primeiro e segundo graus no TJ. A grosso modo, o TJ então propôs desinchar o segundo grau para aliviar o primeiro grau, transferindo cargos. Isso deu certo? O senhor considera que a questão está vencida?
Sim, sem dúvida. Em setembro, o governador Carlos Massa Ratinho Junior sancionou a lei 20.329, que equaliza a força do trabalho nas duas instâncias do Judiciário. Então esta norma transforma 15 cargos de desembargador e suas respectivas assessorias e funções comissionadas em 752 cargos voltados ao assessoramento de todos os magistrados que atuam na primeira instância. Na minha gestão, vamos dar continuidade e implementar, em observância à legislação, permitindo o atendimento às demandas do primeiro grau. Temos consciência de que o primeiro grau é o que mais precisa de apoio. Para que a prestação jurisdicional seja rápida e eficaz. O que nós pretendemos mesmo é erradicar a demora na prestação jurisdicional. É uma preocupação cotidiana.
No começo de 2019, o governador Ratinho Junior propôs a redução dos repasses para o Legislativo, Judiciário, Ministério Público, dentro do orçamento anual, na tentativa de aumentar a capacidade de caixa do Executivo. Houve resistência, especialmente por parte do TJ e do MP, e a base aliada do governador Ratinho recuou, mantendo as mesmas fatias. Não tem espaço para esta discussão?
Na atual gestão, o relacionamento do TJ com os poderes Executivo e Legislativo garantiu o efetivo funcionamento na prestação jurisdicional e no atendimento às demandas da sociedade, inclusive permitindo a execução destes projetos para um maior acesso à Justiça. Então, durante a minha gestão, eu irei garantir a continuidade do bom relacionamento com o governo estadual, e com os municípios também, para que a população receba os serviços com a agilidade necessária. Neste período de pandemia, nós do TJ tivemos inclusive a oportunidade de ajudar o Executivo, transferindo mais de R$ 100 milhões de um fundo do Poder Judiciário ao governo estadual.
Mas então o senhor acha que a fatia atual do TJ dentro do orçamento deve permanecer a mesma?
Sem dúvida... Já trabalhamos com um percentual alto de comprometimento do duodécimo orçamentário. Não há possibilidade de redução. Mas nós tivemos oportunidade de contribuir com o governo estadual neste período difícil. Nosso objetivo comum é levar cidadania, diminuir a angústia da população paranaense. Então é necessário que os poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário - estejam de mãos dadas.
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