O pleito de 2020 trouxe marcos históricos. Pela primeira vez, a Câmara de Curitiba terá uma mulher negra. No último dia 15, a professora de história da rede pública estadual Ana Carolina Moura Melo Dartora, a Carol Dartora, de 37 anos de idade, foi eleita vereadora com 8.874 votos. Ela foi a terceira candidata mais votada entre todos os inscritos para a disputa por um dos 38 assentos do Legislativo.
“As mulheres negras fazem política na base. Mas, na hora de ocupar os espaços de liderança, a gente não é vista como possibilidade”, afirma Carol, em entrevista à Gazeta do Povo, ao falar sobre as barreiras raciais e de gênero. Militante de movimentos negros, movimentos feministas e ex-diretora da APP-Sindicato, Carol deu os primeiros passos no mundo político em 2018, sempre filiada ao PT. Ela defende mais inclusão na política e também que "não é verdade que o PT é o partido mais corrupto do Brasil".
Na Câmara de Curitiba, dos 38 vereadores eleitos, sete são mulheres (a maior representação feminina até aqui é da atual legislatura, com oito mulheres). Além disso, do total de cadeiras, apenas três serão ocupadas por vereadores negros: além de Carol, foram eleitos o jornalista Herivelto Oliveira (Cidadania) e o advogado Renato Freitas (PT).
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Confira os principais trechos da entrevista concedida por Carol Dartora à Gazeta do Povo:
Em que momento da sua vida você se reconheceu com potencial para disputar eleições?
Eu tenho dito que o “start”, quando eu entendi a necessidade de romper com esse histórico de sub-representação de mulheres, foi durante uma aula que eu estava dando sobre política para as mulheres, no Instituto Política por/de/sobre Mulheres [criado em 2018], das meninas aqui da UFPR, que preparam mulheres no país todo já sob esta perspectiva, de ter mais mulheres na política. E elas me convidaram para dar uma aula de história da mulher na política brasileira. E eu estava ali dando aula, falando de tudo, da sub-representação, mais ainda das mulheres negras... E foi aí que as meninas do curso falaram “e você, Carol, quando você vai se candidatar?”. E foi aí que eu pensei “sim, está na hora de tentar avançar”. Não adianta ficar denunciando, denunciando, sem arriscar romper com esses processos de exclusão.
Eu não vou dizer que a minha atuação política é recente. Sou da direção da APP-Sindicato, já sou das lutas por educação, por valorização dos serviços públicos. Mais a luta do movimento negro e da luta das mulheres. E tenho atuação no movimento negro há muito tempo. Meus pais já atuavam no movimento negro. Mas, ter este entendimento, de que algumas mudanças a gente não vai fazer sem aumentar esta representação, é que me colocou para a disputa agora.
Como aconteceu seu envolvimento com a política partidária? Quando se filiou e por que a escolha pelo PT?
Eu já era simpática ao Partido dos Trabalhadores, meus pais já eram petistas. Então a gente sempre corroborou com a ideologia do PT, com a defesa da classe trabalhadora. Então eu já tinha isso comigo. E aí já atuava no sindicato. Mas não era formalmente filiada ao PT. No momento do golpe, em 2016, a gente entendeu que precisava fortalecer o PT institucionalmente. Por isso eu me filiei. E continuei minha atuação, como sempre, no sindicato, no movimento de mulheres, no movimento de mulheres negras, no movimento negro. E construindo também o “Julho das Pretas”. Já estamos construindo, aqui no Paraná, há quatro anos, justamente para fazer as denúncias, mostrando a desigualdade de raça e gênero somadas. E entendendo que a gente precisava da candidatura de uma mulher negra. E aí, com essa compreensão, dentro do coletivo do qual eu faço parte no PT a gente entendeu de forma consensual que seria a hora de eu fazer esta disputa.
Na disputa à prefeitura de Curitiba, o PT lançou o Paulo Opuszka, que nunca tinha disputado uma eleição e, mesmo assim, na pesquisa Ibope, ele aparecia com a terceira maior rejeição, possivelmente pela filiação. Como avalia o antipetismo em Curitiba?
Eu acho que a minha candidatura mostrou que o antipetismo não é tão forte assim, né? Terceira candidatura mais votada, de uma mulher, negra, feminista... E eu até tenho brincado: quando falam da Indiara [candidata a vereadora de Curitiba eleita pelo Novo, Indiara Barbosa], falam “Indiara, mulher mais votada”; quando tratam de mim, é “petista, feminista, negra, terceira mais votada”, isso na mesma notícia. Quer dizer, Indiara é Indiara, é uma pessoa. Eu sou uma petista. Então, apesar desta criminalização, a minha candidatura mostrou que o antipetismo não é tão forte assim, e eu já dizia isso. O que é dialogar com o antipetismo para quem tem que superar barreiras como o racismo, o machismo, superar o fato de que o curitibano nunca tinha eleito uma mulher negra... Então eu fiz campanha o tempo todo resgatando o legado do PT. E consegui perceber que as pessoas já estão voltando, tirando aquele ódio ao PT, compreendendo que não é verdade que o PT é o partido mais corrupto do Brasil.
Por que se demorou para eleger uma mulher negra aqui e que momento é este em Curitiba e no país que possibilitou essa conquista? Isso foi até utilizado na propaganda da sua candidatura: “Vote para eleger a primeira vereadora negra de Curitiba”, dizia o panfleto da sua campanha.
Curitiba nunca ter eleito uma mulher negra demonstra aquilo que a gente denuncia historicamente que é o racismo, que estrutura a desigualdade. Brasil é estruturado pelas desigualdades de raça e de gênero, e isso nos tira dos espaços de decisão, do poder econômico, do poder simbólico, do poder político. E é por isso que Curitiba nunca tinha tido uma mulher negra eleita. Fora as questões de gênero. A gente sabe das dificuldades que as mulheres historicamente têm para ocupar espaços públicos. A ela sempre foi dado o espaço privado. A dificuldade que a gente tem com as duplas, triplas, jornadas. Então a nossa forma de existir dificulta que a gente esteja disponível para os debates. Por acumular trabalho de casa, fora de casa, enfim, não somos vistas como possíveis lideranças.
Porém, fazemos política na base. Sempre servimos ali para arrecadar votos para outros candidatos. Então as mulheres negras estão na periferia denunciando falta de creche, estão nas associações de bairro denunciando violência policial contra a juventude negra, denunciando a situação da periferia, a falta de saneamento básico, a dificuldade com a escola pública. Enfim. A gente faz política na base, as mulheres, as mulheres negras. Mas, na hora de ocupar os espaços de liderança, a gente não é vista como possibilidade. Também porque o machismo constrói este estereótipo, de que os homens são os líderes, e essas barreiras se multiplicam quando se trata de uma mulher negra.
O TSE aprovou a destinação proporcional aos candidatos negros dos recursos do Fundo Eleitoral recebidos pelos partidos para 2022. Mas, este ano, por decisão do STF, a regra já vigorou. Houve atenção dentro do seu partido para atender esta exigência?
A lei foi cumprida, houve uma proporcionalidade na divisão do Fundo Eleitoral. Mas o Fundo Partidário é distribuído para as candidaturas que são vistas com mais possibilidade [de vitória]. E óbvio que estas candidaturas [consideradas com mais possibilidade de vitória] não são de mulheres, de mulheres negras. Os partidos não são diferentes de outras instituições. As desigualdades de raça e gênero estão em todas as instituições, e no Partido dos Trabalhadores não seria diferente. Mas construímos estratégias para lidar com essas barreiras, para fazer uma campanha de forma bonita e alcançar a meta que a gente tinha. E acredito que os nossos pontos frágeis acabaram sendo nossos pontos fortes. As pessoas vieram me ajudar voluntariamente, com uma vontade mesmo de fazer acontecer, um brilho no olho, que eu não sei se o dinheiro compraria.
O que pretende propor concretamente em nome das bandeiras antirracista e contra o machismo?
A primeira coisa que eu quero discutir é a passagem de ônibus, que está oprimindo a classe trabalhadora. Eu ando pela cidade, eu pego ônibus, ando pelos terminais, e o que eu vejo são mulheres, com suas bolsas, voltando cansadas para casa, sem ter onde sentar - porque o Rafael Greca promove em Curitiba uma arquitetura hostil, sem banco no ponto de ônibus, para que eventualmente uma pessoa em situação de rua não queira deitar ali. Aí a gente chama isso da tortura entre casa e trabalho. E este trabalhador é mulher, este trabalhador é negro. Como os negros são empurrados para a periferia, eles fazem os maiores trajetos, tendo que pegar dois, três ônibus, com uma das tarifas mais caras do país. Então, a primeira coisa a ser discutida é a passagem de ônibus.
E a segunda coisa que eu quero propor é um projeto, o Juventude Negra Viva, para a gente pensar segurança pública por outro viés. A gente sabe que a juventude negra morre todos os dias. Curitiba é extremamente violenta para o jovem negro. A gente sofre com a violência policial. E normalmente as pessoas pensam em segurança pública para quem está dentro do condomínio morrendo de medo de ser assaltado. A gente deveria também pensar em segurança pública para este problema objetivo, do jovem negro. Então eu quero tentar propor um projeto que consiga pensar em empregabilidade, acesso à educação, e combate à violência, no sentido de reeducação social dos agentes municipais da segurança pública.
Para implementar propostas assim seria necessário também um diálogo com o Executivo. De que forma pretende atuar em relação à gestão Greca (DEM)?
Eu espero ter diálogo, mas não me iludo, sou da bancada de oposição. Não acho que as coisas cairão do céu, que serão simples. Mas como a gente aumentou as nossas vozes ali, somos em três do PT, e temos outras vozes ali que podem se somar, dá para tentar avançar em algumas coisas. A minha principal proposta é promover reeducação social. Eu sou a única mulher negra lá dentro e acho que tenho condições de promover debates que nunca foram feitos ali.
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