Cerca de 30 anos após a morte do menino Evandro Ramos Caetano, em Guaratuba, no litoral do Paraná, o Governo do Paraná pediu desculpas oficialmente para Beatriz Abagge, uma das condenadas pela morte do garoto. O pedido ocorreu no dia 4 de janeiro em um documento assinado pelo secretário estadual de Justiça, Trabalho e Família, Ney Leprevost.
O caso veio à tona quando o podcast Projetos Humanos – O Caso Evandro, do jornalista e professor Ivan Mizanzuk, revelou em 2020 gravações de interrogatórios que indicam tortura dos acusados em interrogatórios.
Em entrevista concedida à Gazeta do Povo no mês de junho, o promotor do caso, Paulo Sérgio Markowicz, foi enfático ao afirmar que ele e a equipe da promotoria que atuou no processo jamais foram coniventes com tortura.
Na carta de desculpas, Leprevost reforça que o pedido não irá anular o julgamento que a condenou e que repudia qualquer forma de violência que tenha sido realizado para conseguir a confissão. “Expresso meu veemente repúdio ao uso da máquina estatal para prática de qualquer tipo violência, e neste caso em especial contra o ser humano para obtenção de confissões e diante disto, é que peço, em nome do Estado do Paraná, perdão pelas sevícias indesculpáveis cometidas no passado contra a Senhora", escreveu o secretário.
Ainda no documento, informa-se que os pais de todos as crianças desaparecidas no começo da década de 1990 irão receber pedidos de desculpas. “Informo que também será enviado um pedido veemente de perdão aos pais dos meninos desaparecidos. Pois, na época dos fatos, o grupo de questionável legalidade designado pelo Estado do Paraná para desvendar quem cometeu os horríveis e covardes crimes contra estas crianças, não só foi incapaz de fazê-lo assim como gerou uma série de danos”, prometeu Leprevost.
Pedido de revisão do julgamento
A defesa da família Abbage entrou no fim do ano passado no Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) com pedido de revisão processual para anular o julgamento da morte do menino Evandro. O caso veio à tona quase 30 anos depois quando o podcast Projetos Humanos – O Caso Evandro, do jornalista e professor Ivan Mizanzuk, revelou em 2020 gravações de interrogatórios que indicam tortura dos acusados. Em maio desse ano, o Caso Evandro virou série documental na plataforma Globo Play
O pedido é para que sejam inocentados não só Beatriz Abbage, mas também os outros condenados pelo crime que ficou conhecido por “Bruxas de Guaratuba” – a acusação era de que a criança teria sido morta em um ritual de magia negra. O processo de absolvição se estende ao pai de santo Oswaldo Marceneiro, ao artesão Davi dos Santos Soares e ao pintor Vicente de Paula – que faleceu de câncer em 2011 no presídio -, condenados por executarem o menino.
Beatriz e a mãe, Celina Abagge, filha e esposa do então prefeito de Guaratuba, Aldo Abagge, foram acusadas de serem as mandantes do assassinato. Celina foi absolvida nos três julgamentos e teve acusação prescrita por ser maior de 70 anos. Outros dois acusados, Airton Bardelli, então gerente da madeireira de propriedade dos Abagge, e Sérgio Cristofolini, vizinho e dono do imóvel onde Marcineiro morava na época, já haviam sido inocentados no segundo dos três julgamentos do caso em 2004.
Íntegra da carta
Senhora Beatriz Abagge,
Venho por meio de esta informá-la que o Grupo de Trabalho “Caso Evandro – Apontamentos para o Futuro”, por mim instituído e coordenado pelo Departamento de Promoção e Defesa dos Direitos Fundamentais e Cidadania, desta Secretaria de Estado de Justiça, Família e Trabalho finalizou seus trabalhos os quais resultaram relatório que encaminho anexo a esta presente carta.
O referido documento além de balizador para a construção de políticas públicas de proteção aos direitos humanos e prevenção aos crimes contra as crianças, se for de seu entendimento e interesse poderá ser anexado por seus advogados em eventual pedido de anulação do julgamento do caso.
Ademais, gostaria de destacar que o Grupo de Trabalho, após assistir a série documental “Caso Evandro”, ouvir áudios e tomar conhecimento dos relatos espontâneos, bem como, ler o relatório elaborado pelo referido grupo, formei convicção pessoal de que são muitas as evidências que a Senhora e outros condenados no caso foram vítimas de torturas gravíssimas, as quais podem ser configuradas como crime e tais práticas são totalmente inaceitáveis e indefensáveis.
Cabe salientar que não tenho prerrogativa legal para declará-la inocente e nem mesmo para anular seu julgamento. Sendo que tal medida só poderá ser adotada, na forma da Lei, pelo próprio Poder Judiciário, ao qual encaminharei cópia desta carta e do relatório.
No entanto, na atual condição de Secretário de Estado da Justiça, Família e Trabalho, expresso meu veemente repúdio ao uso da máquina estatal para prática de qualquer tipo violência, e neste caso em especial contra o ser humano para obtenção de confissões e diante disto, é que peço, em nome do Estado do Paraná, perdão pelas sevícias indesculpáveis cometidas no passado contra a Senhora. Pedido de perdão este também, simbolicamente, extensivo a toda e qualquer outra pessoa que por ventura tenha um dia sofrido tortura estatal em território paranaense.
Por fim, informo que também será enviado um pedido veemente de perdão aos pais dos meninos desaparecidos. Pois, na época dos fatos, o grupo de questionável legalidade designado pelo Estado do Paraná para desvendar quem cometeu os horríveis e covardes crimes contra estas crianças, não só foi incapaz de fazê-lo assim como gerou uma série de danos.
Na firma esperança de que “mesmo escapando da justiça dos homens, os maus jamais conseguirão fugir da justiça de Deus”, assino desejando-lhe justiça e paz!
Atenciosamente, Ney Leprevost.”
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