Há cerca de dez dias, o coordenador das Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba, Danilo Pompermeyer, passou a observar a falta de medicamentos essenciais para o tratamento de pacientes da Covid-19. A baixa foi em estoques de sedativos, analgésicos e bloqueadores musculares fundamentais para a intubação de doentes graves – sem eles, corre-se o risco de o paciente tentar, involuntariamente, tirar o tubo do respirador mecânico ou sentir muita dor. A escassez dificultou alguns trabalhos. Ele relata um dos episódios: "Não chegou a prejudicar a intubação do paciente. Mas ficou um pouco menos seguro para que nós realizássemos o procedimento”, diz o intensivista.
O médico aponta que não é caso isolado de seu hospital. “Percebemos que essa racionalização [uso mais restrito dos medicamentos] tem acontecido em todos. Não é só setor público ou só privado. Uma medicação que está na nossa mira agora é a noradrenalina, que ajuda a melhorar os níveis de pressão. Esses pacientes [da Covid-19] fazem pressão muito baixa. Pelos radares das farmácias, isso está começando a ficar em perigo”, destaca.
Com o avanço da pandemia pelo Paraná, a escassez de medicamentos – que não é um fenômeno exclusivo do estado; tem acontecido em todo o país – acendeu um sinal de alerta para os gestores públicos e coordenadores hospitalares. Há riscos de falta severa de remédios para o tratamento os doentes pelo novo coronavírus em poucos dias.
“Não está sendo possível a reposição na mesma proporção da saída. Há dois problemas. O primeiro é o aumento da demanda. Os estoques não estavam dimensionados para essa procura tão grande. Os estados não tiveram tempo para se preparar. Com isso, houve um ágio no mercado. Medicações estão sendo comercializadas com aumento de 100%, 200%”, destaca Mirella Oliveira, chefe da UTI do Hospital do Trabalhador e membro da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib).
Para ela, no entanto, a escassez é multifatorial. “Existe também uma outra questão: qual é a forma que os profissionais de saúde, que fazem as prescrições, estão utilizando essas medicações? Nesse cenário temos profissionais atendendo pacientes que não são especialistas, pois não há especialistas suficiente”, defende. “Só a preocupação com manutenção de estoque com compra não vence [o problema]. É uma estratégia perdedora se não abordamos a questão dos protocolos de sedação e analgesia. Existem linhas-guias. Nem todo paciente na ventilação mecânica precisa ser sedado. Muitas vezes, os colegas acham que ventilação é igual sedação contínua. Não é verdade. Existem inúmeros pacientes que não precisam ficar sedados, podem estar só com analgésicos. Outros, nem analgésico precisam. Existe uma maneira de fazer. Isso tem que ser uma ação das secretarias de saúde com as suas redes, como está fazendo a nossa [secretaria do estado]”, aponta.
Secretaria admite escassez
O diretor-geral da Secretaria de Estado da Saúde, Nestor Werner Junior, admite que a situação é preocupante. Sua equipe tem feito trabalho de monitoramento para evitar o que classifica como um possível “colapso”. “Fizemos uma estimativa com base no consumo médio de alguns dos nossos hospitais sobre quanto cada medicamento [é usado] para cada paciente da Covid-19. Extrapolamos essa perspectiva para nosso estoque, frente ao que temos de pacientes internados e daquilo que poderíamos atender com leitos contratualizados [que não fazem parte da rede estadual, mas que foram direcionados para o combate à pandemia]. Isso nos deu um panorama nem um pouco confortável. Percebemos que poderíamos ter problemas com três ou quatro medicamentos que têm um período de estoque mais curto e consumo maior”, alerta.
De acordo com Werner Junior, três hospitais do estado já registraram falta de medicamentos e tiveram que ter um repasse extra do estoque do estado. “Para nossas unidades próprias, aquelas que a Secretaria administra, nós temos um bom estoque. O problema é com a rede contratualizada para o enfrentamento da Covid. Foi pela doença que o aumento na demanda se deu. Teve medicamento em que a alta no consumo passou de 500%”, diz.
Ele aponta que a pasta tem atuado desde quando identificou as quedas nos estoques – de 10 a 15 dias atrás. A secretaria teve reunião com indústrias farmacêuticas, nas quais negociou preços e contratos para estender o fornecimento dos produtos. Além disso, aguarda um repasse do Ministério da Saúde, que tem centralizado a compra desses medicamentos. Uma primeira leva federal já foi direcionada a estados em situação pior. O Paraná deve entrar em uma segunda remessa.
De acordo com o diretor, há medicamentos no estoque do estado que podem durar somente mais uma semana – para outros, o suprimento se estende de 15 a 60 dias. “Há uma preocupação muito grande da secretaria pelos próximos períodos. Mas as decisões e atitudes foram tomadas, tanto do nível estadual quanto federal”, aponta. Ele espera que as novas remessas, centralizadas pelo Ministério da Saúde, cheguem ao estado nos próximos dias.
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