Após a autorização da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) para a venda da Estrada de Ferro Paraná Oeste S.A., a Ferroeste, os próximos meses se tornaram cruciais na definição do potencial de crescimento – ou estagnação – da economia paranaense. Estudos conduzidos em Brasília e em Curitiba vão determinar o futuro da malha ferroviária no estado, inclusive para aquela de responsabilidade de outra concessionária, a Malha Sul, operada pela empresa Rumo.
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As movimentações do governo federal e do governo estadual podem tanto viabilizar a expansão do agronegócio pelo escoamento facilitado ou prejudicá-lo, caso permaneça o gargalo na ligação entre a região oeste paranaente e o porto de Paranaguá.
O temor do setor produtivo é de que União e estado trabalhem de forma independente, com interesses próprios. O anseio é por uma solução conjunta, única, para dar vazão às cargas de todas as regiões paranaenses. Atualmente, dos cerca de 12 milhões de toneladas que chegam ao porto de Paranaguá via trem, 11 milhões são do norte do Paraná, e apenas 1 milhão de toneladas é do oeste, aponta o superintendente da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), João Arthur Mohr.
Essa discrepância decorre dos custos de transporte e das características dos diferentes trechos que cortam a malha ferroviária do Paraná. A Estrada de Ferro Paraná Oeste S.A, sociedade de economia mista com 99% de participação do governo estadual, tem uma malha ferroviária moderna, construída entre 1992 e 1994 pelo Executivo paranaense.
São 248 quilômetros da Ferroeste entre Cascavel e Guarapuava, com traçado que favorece maior velocidade. A partir daí, as cargas enfrentam a concessão da Rumo, uma ferrovia defasada até Ponta Grossa, feita na primeira metade do século passado, muito sinuosa, com curvas de raio pequeno e rampas elevadas, impedindo ganhos de velocidade, com alto consumo de combustível, impactando todo o custo logístico da malha ferroviária. O trecho da Serra do Mar, apesar de antigo, é tido como ótima obra de engenharia, feito no início do século passado pelos irmãos Rebouças, com capacidade para absorver mais cargas, sob operação da Rumo.
“Se não houver a obrigatoriedade de transportar de todas as regiões que tenham carga, a concessionária vai continuar dando preferência para onde é mais barato”, resume Mohr. A Malha Sul é composta por cerca de 7 mil quilômetros de ferrovias nos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, com ramais que ligam as regiões norte e o norte pioneiro do Paraná a vários portos.
Concessão da Malha Sul tem potencial para resolver gargalo ferroviário
A oportunidade de resolver o gargalo ferroviário do Paraná está justamente na concessão da Malha Sul, que vence em fevereiro de 2027. A Rumo pleiteou a renovação antecipada, com alguns compromissos como investimentos na ordem de R$ 10,3 bilhões para a prorrogação da concessão até 2057. O processo teve início no fim de 2020, mas ainda está na fase de estudo de vantajosidade. Em junho de 2024, o Ministério dos Transportes publicou a Portaria nº 532/2024, com diretrizes mais rígidas para autorização de prorrogações antecipadas dos contratos de concessão de ferrovias. Uma nova licitação não é descartada.
Em nota enviada à reportagem da Gazeta do Povo, a assessoria do Ministério dos Transportes afirmou que “está liderando o processo de renovação do contrato da Malha Sul, ao mesmo tempo em que realiza estudos para avaliar a viabilidade de uma nova licitação, caso essa se mostre a opção mais vantajosa”. O órgão confirmou que “os projetos da Malha Sul e da Ferroeste estão diretamente interligados”, e se compromete a manter “diálogo contínuo com o governo do estado para desenvolver a melhor solução ferroviária para o Paraná, levando em consideração ambas as malhas”. A nota diz ainda que as tratativas estão em andamento em conjunto com o governo paranaense.
O governador do Paraná, Ratinho Junior (PSD), confirmou que há diálogo com o governo federal a respeito da malha ferroviária do estado. “Eu estive com o ministro Renan Filho [dos Transportes] e a Ferroeste só vai ficar de pé se a Malha Sul também ficar. Então nós dependemos muito do ministério, para ver o que vão fazer com a Malha Sul para daí sim a Ferroeste ter viabilidade. A autorização que a Assembleia deu para a Ferroeste vai permitir escolher o melhor caminho: se vamos esperar a Malha Sul ser resolvida, ou se temos capacidade de carga para tocar sozinhos”, declarou em entrevista no último dia 20.
"A Ferroeste só vai ficar de pé se a Malha Sul também ficar".
Governador do Paraná, Ratinho Junior (PSD)
O setor produtivo, porém, clama por mais transparência. “Está faltando informação para nós, usuários. Quais são as cláusulas, quais investimentos serão feitos, qual volume a Rumo pretende transportar? Essa informação tem que ser aberta para um grupo de trabalho. Nós entregamos um estudo que mostra os volumes de carga que tem plenas condições de ser captadas, com escoamento para os portos de Paranaguá e dois de Santa Catarina, São Francisco e Itapoá", argumenta Mohr, da Fiep. De acordo com ele, o setor demonstrou números muito expressivos, mas reiterou a crítica de não se saber o que a concessionária está ofertando e quanto tempo vai levar para transportar um contêiner de Cascavel ao porto.
Em relação à alienação da Ferroeste, o superintendente da Fiep lista as principais demandas do setor produtivo: informações quanto ao volume que pode ser carregado, o compromisso com o atendimento a todas as regiões do Paraná, quais serão os investimentos e cronograma, os parâmetros de desempenho e o relatório final que mostre ao usuário a vantajosidade da decisão escolhida. “Um ponto primordial é saber quanto tempo vai levar o trem. Hoje são necessários sete dias para a carga de Cascavel chegar em Paranaguá. Se reduzir para dois dias, ou um dia e meio, será um grande avanço”.
Ratinho Junior se comprometeu a ouvir os usuários ao longo dos estudos da Ferroeste, que vão definir a melhor modelagem para desestatização – estudo preliminar do Conselho de Controle das Empresas Estaduais (CEEE) aponta que as opções são a cessão onerosa dos contratos de exploração ou alienação das ações da Ferroeste em posse do governo do Paraná. “Para esses estudos vamos ouvir o setor produtivo, as cooperativas, as empresas de transporte, quem vai utilizar, para daí sim fazer a melhor modelagem. A Ferroeste é para eles. Quem vai utilizar é a indústria, o agronegócio. Se não houver carga, não vai haver interesse na ferrovia”, declarou.
Regime de urgência para projeto da Ferroeste suscita desconfiança
Em audiência pública realizada pela Assembleia Legislativa no último dia 19, antes da aprovação do projeto que deu aval para a venda da Ferroeste, representantes das indústrias, das cooperativas e dos transportadores de carga do Paraná demonstraram insatisfação com o regime de urgência solicitado pelo governo estadual. Na impossibilidade de conseguir mais tempo para debater, eles negociaram cinco emendas ao projeto com alguns deputados, que foram aceitos na forma de um substitutivo-geral.
A primeira emenda prevê uma ação preferencial (golden share), semelhante ao que foi feito na privatização da Copel, para que o governo do Paraná tenha poder de veto sobre decisões estratégicas da empresa. A segunda emenda exige o comprometimento da operação entre Cascavel e Guarapuava, sem interrupção; a terceira prevê a participação do setor produtivo nas discussões; a quarta, direito de preferência para manutenção dos contratos das cooperativas e empresas já firmados com o Terminal da Ferroeste em Cascavel; a última emenda determina a realização de audiências públicas ao longo do processo.
Para o advogado Samuel Gomes, ex-presidente da Ferroeste, o projeto dá margem à desconfiança, mesmo com emendas. “Até parece que os deputados sabem de interesses escusos, porque se é preciso colocar uma emenda exigindo que não se pare a operação da ferrovia, é de se pensar quais riscos existem para a Ferroeste”, avalia.
Uma nota técnica assinada pelo grupo “Amigos da Ferroeste”, com integrantes do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Paraná (Senge-PR), criticou a aprovação do projeto antes de esclarecimentos sobre a renúncia da Ferroeste aos pedidos de autorização para construção e uso dos trechos Guarapuava-Paranaguá, Maracaju-Dourados (MS), Cascavel-Foz do Iguaçu e Cascavel-Chapecó. Esses trechos faziam parte de um plano ambicioso de expansão da chamada “Nova Ferroeste”, planejada para atender regiões produtoras de grãos.
Na audiência pública do dia 19, o presidente da Ferroeste, André Luis Gonçalves, disse que a concessão é o grande ativo para desestatização, e que ela prevê a construção dos trechos que se fizerem necessários para sua viabilidade, indicando que podem ainda ser feitos, caso seja interesse da empresa que assumir a operação.
Gomes pondera que o grande problema da empresa sempre foi a dificuldade de escoar a carga até o porto, e por isso ela se tornou deficitária – segundo o governo estadual, desde 2019 a empresa apresenta lucro operacional, mas acumula um prejuízo de R$ 172 milhões. Gomes reconhece que não é papel do estado operar uma empresa ferroviária, e que a construção do trecho entre Cascavel e Guarapuava foi uma demanda da sociedade atendida pelo governo à época.
“O Paraná fez sua parte, fez além até. Agora chegou a hora de a União fazer a ferrovia que o estado precisa. É claro que precisamos do governo federal. Em nenhum lugar do mundo há uma infraestrutura dessa sem a participação do governo central, a não ser em locais exclusivos de transporte de minério”, opina.
Para ele, o governo federal poderia retomar a concessão da Ferroeste, que foi cedida ao Paraná pelo prazo total de 90 anos, dos quais só 30 se passaram. “Dentro de uma negociação federativa, por que não retomar a Ferroeste? O que não pode é achar que vai chegar alguém e fazer investimentos para essa ferrovia. E vamos reconhecer que a Ferroeste é parte da Malha Sul, não juridicamente, mas do ponto de vista logístico, sim. O que vai garantir que investimentos tenham retorno é poder chegar ao porto. O investimento fica viável com terminal, linha, locomotiva, vagão e porto”, afirma.
Gomes avalia que uma concessão conjunta para a Malha Sul e a Ferroeste é a melhor solução do ponto de vista da sociedade. Para ele, o ideal é uma conjunção de esforços para concretização do projeto ferroviário. “É um momento do Paraná se unir e conversar com o governo federal, com todas as forças políticas, econômicas e dar um stop em qualquer disputa para garantir essa ferrovia para o nosso estado”, reiterou.
Segundo o superintendente da Fiep, a expansão e melhoria da malha ferroviária do Paraná é fundamental para o crescimento econômico regional de forma mais sustentável. “A ferrovia vai absorver o crescimento. Não se perde um emprego no transporte pelo caminhão. Mas é importante a participação do trem, para reduzir o número de acidentes na estrada, além dos ganhos do ponto de vista ambiental, com emissão cinco vezes menor de carbono por tonelada”, observou Mohr.
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