Maior hospital privado do Paraná, o Hospital Evangélico de Curitiba, agora Hospital Universitário Evangélico Mackenzie, completa seu primeiro ano de administração do Instituto Presbiteriano Mackenzie. Depois de uma profunda crise financeira, que levou ao pedido de insolvência da Sociedade Evangélica Beneficente (SEB), antiga mantenedora do hospital, e a intervenção do hospital, determinada pela Justiça do Trabalho, o hospital foi a leilão no final do ano passado. Foi arrematado, junto com a Faculdade Evangélica do Paraná (Fepar), por R$ 215,05 milhões.
Segundo a nova administração do hospital, o Evangélico chega ao final de 2019 com as contas equilibradas, a estrutura restaurada e o número de atendimentos ampliados.
“Quando chegamos aqui, em janeiro, tínhamos algumas premissas a serem cumpridas. Primeiro com as exigências do edital do leilão: manter todos os funcionários da ativa, manter o atendimento SUS (Sistema Único de Saúde), não paralisar nenhum dia de serviço e reestruturar o hospital”, explica o diretor geral, Rogério Kampa.
“Tivemos alguns problemas no começo porque tínhamos muitos equipamentos sucateados, áreas físicas degradadas e muitos leitos paralisados no hospital. Principalmente, nos últimos tempos da intervenção, na expectativa do leilão, as coisas ficaram meio estagnadas. Isso dependeu um esforço muito grande da nossa parte para, primeiro, atendermos à contratualização do município, ficando dentro dos parâmetros legais do SUS, mantendo o número mínimo de leitos. Fizemos uma ampliação dos leitos disponíveis, contratamos novos funcionários, chamamos pessoas para qualificação dentro do hospital para melhorar a qualidade do atendimento”, acrescentou.
Dados do DataSUS, o sistema de processamento de dados do Ministério da Saúde, apontam que, entre janeiro e setembro deste ano, o hospital fez 674.267 atendimentos pelo SUS, tendo recebido R$ 10,5 milhões em remuneração pelos procedimentos. No mesmo período de 2018, foram 584,7 mil atendimentos e R$ 8,2 milhões em repasses. “Hoje, estamos com 475 leitos, sendo 416 contratualizados para o SUS, fizemos a ampliação da pediatria, de 30 para 100 leitos. Agregamos profissionais das mais diversas especialidades, reestruturamos o corpo clínico, hoje temos 412 médicos. Ampliamos e reestruturamos nosso pronto-socorro e estamos implementando outras medidas de reestruturação”, relata o diretor.
Necessidade de leilão
Juiz responsável pela intervenção no hospital e pelo posterior leilão, o titular da 9ª Vara do Trabalho, Eduardo Bacarat, explica que o Instituto Mackenzie arrematou o hospital e a faculdade em leilão por aquisição originária, não tendo nenhuma responsabilidade pelo passivo deixado pela SEB, que está com processo de insolvência em trâmite na 17ª Vara Cível de Curitiba. Os valores das parcelas do pagamento pelo leilão estão sendo depositadas em juízo e serão utilizados para a quitação das dívidas com funcionários, ex-funcionários, fornecedores e demais credores.
CONFIRA a entrevista completa com Eduardo Bacarat
“A ideia inicial era determinar a intervenção, o interventor sanear as contas e devolvermos o hospital para a administração da SEB. Mas, com a declaração de insolvência da SEB, vimos no leilão a única alternativa para não deixar o hospital fechar”, explica.
O diretor do hospital diz que há o planejamento do Instituto Makenzie de investir até R$ 90 milhões em cinco anos. R$ 12 milhões foram investidos já em 2019 e outros R$ 35 milhões estão previstos para 2020, para ampliar e reestruturar o hospital. “Nosso plano diretor é chegar no final desses cinco anos, como um hospital de referência na cidade, atendendo SUS e um excelente hospital escola de formação médica”.
Kampa explica que o hospital tem investido em melhoria da estrutura para atrair mais operadoras de planos de saúde e aumentar os serviços de alta complexidade, sem abandonar sua vocação de atendimento público, mantendo, hoje, 94% de atendimento ao SUS. “Eu vejo o SUS como um convênio igual aos outros. E o SUS não deixa de ser um belo convênio, se agregarmos a ele não só a tabela de remuneração, mas os benefícios que ele pode trazer como acesso a recursos públicos, benefícios fiscais, filantropia, ele acaba sendo um bom convênio”, diz.
“É preciso buscar um equilíbrio disso e complementar com outras fontes de receita. Estamos fechando 2019 com as contas equilibradas, sem déficit, apesar de todos os investimentos que foram feitos. Vejo grande potencial neste hospital, porque ele tem muitas habilitações e tem habilitações em alta complexidade”, acrescenta.
O diretor do hospital lembra que o Instituto Mackenzie tem 149 anos de atuação no setor educacional. “O grande negócio do Mackenzie é a educação. Não é minha área, mas tenho certeza que a faculdade terá um salto de qualidade muito grande, e o hospital vai colaborar para isso. Então, não se espera retorno financeiro do hospital, espera sustentabilidade oferecendo um serviço de ponta para a população e servindo como um dos principais hospitais escola do estado.”
Entrevista
Eduardo Baracat, juiz responsável pela intervenção no Hospital Evangélico
Por que a Justiça do Trabalho chegou ao extremo de determinar intervenção no hospital e, depois, leiloá-lo?
Foi um processo longo, de muitas inadimplências antes da intervenção. O hospital não depositava o fundo de garantia dos empregados há mais de 10 anos. Então houve um movimento de sindicatos, do Ministério Público. Várias medidas, vários acordos coletivos com a Sociedade Evangélica Beneficente. Tinha ausência do pagamento de férias, atraso de salários, diversas greves por conta disso. E isso foi crescendo e se tornando insustentável. Aí o Ministério Público do Trabalho ajuizou ação Civil Pública pedindo a intervenção. Diante desta realidade e da iminência do fechamento definitivo do hospital que eu determinei a intervenção. Afastei a direção, que era formada por sete igrejas, uma gestão não profissional, que levou a esse problema.
É um hospital extremamente importante, o maior hospital privado do Paraná, que fazia um milhão de atendimentos SUS por ano. Ao longo dos quatro anos de intervenção, foram três interventores. Cada um teve sua contribuição e, aos poucos, com muito sacrifício, fomos conseguindo identificar os problemas: de gestão, débitos que foram se acumulando, dívidas com os fornecedores. Não adiantava só enfrentar os débitos trabalhistas, o hospital chegou a ficar sem vários medicamentos indispensáveis para seu funcionamento.
Mas os problemas do hospital iam muito além das questões trabalhistas...
Sim, é muito complexo, envolve muitas questões administrativas, contábeis. Tínhamos que publicar um balanço por ano, balancetes periódicos. Era muito difícil publicar esses primeiros balanços, porque muitos débitos não eram sequer conhecidos. Tínhamos histórico de várias emendas parlamentares, vinculadas, com determinados fins, para a compra de algum equipamento, para alguma obra efetiva. E o dinheiro foi depositado, foi gasto e a compra ou obra não foi feita. Existem leis que concedem alguns benefícios fiscais a entidades beneficentes, como a Evangélica, mas, para isso, era preciso publicar os balanços e mostrar regularidade nas contas.
E quando se deu a decisão pelo leilão?
Inicialmente, a ideia era recuperar e devolver para a SEB, mas logo ficou inviável. A SEB pediu insolvência, não nos restou, para manter o hospital aberto, outra opção além de fazer o leilão. Não havia como ela retornar porque o passivo era muito maior do que o ativo.
O dinheiro arrecadado com o leilão foi todo utilizado para pagar esse passivo trabalhista?
Daí vem um outro problema. Como houve essa autoinsolvência da SEB, a competência para julgar essa insolvência é do juízo cível. O processo está na 17ª Vara Cível. E, pelo que eu sei, até hoje, não foi decretada a insolvência. Mas, houve uma decisão do STJ, neste ano, depois do leilão, determinando que nosso processo fosse para lá. Então, do leilão, em outubro do ano passado, até, mais ou menos, maio deste ano, nós pagamos muito do passivo trabalhista. Fizemos uma grande quitação que foi a do fundo de garantia. Todo aquele fundo de garantia que estava até 10 anos atrasado, nós pegamos o dinheiro do leilão e pagamos à Caixa. Então, todos os trabalhadores estão com o fundo de garantia em dia. Como o leilão foi parcelado, nós tivemos acesso a essas seis primeiras parcelas. Agora, o dinheiro está indo para a 17ª Vara Cível, que deverá fazer um rol de credores e ir pagando de acordo com a regra de preferência nos termos da lei, e os trabalhadores têm preferência.
E o valor atende a todo o passivo?
Não, o débito é muito maior. E a Mackenzie não tem responsabilidade sobre isso. O Edital determinou que o leilão era por aquisição originária. O valor pago pelo arremate liquida todos os débitos, independente se for superior ou inferior.
E a partir do leilão, a Justiça do Trabalho tem alguma atribuição sobre o que a Mackenzie faz?
Absolutamente nada. Meu trabalho se encerrou quando mandei o processo para a Vara Cível.
Uma das preocupações da Justiça do Trabalho, que constou, até, no edital do leilão, era a manutenção do número de atendimentos ao SUS. Quando uma entidade privada adquire um hospital que deixa de ser uma sociedade beneficente, é natural que vise o lucro e, com isso, tente equalizar os atendimentos para não ficar dependente apenas da tabela do SUS?
Durante essa gestão aprendi muita coisa sobre SUS e gestão hospitalar. E isso que se diz que o SUS paga mal é um mito, não é bem assim. Um dos problemas do Evangélico foi a organização do atendimento. O SUS realmente paga mal os procedimentos de baixa complexidade, mas paga muito bem os de alta complexidade. Mas, ao longo de todos os anos, no hospital, criaram-se alguns feudos de especialidade de baixa complexidade. O Evangélico fazia a grande parte de seus atendimentos na baixa complexidade. Aí a conta não fechava. A gestão tem que visar, também, o saneamento financeiro. Claro que atender só SUS é complicado e o Evangélico, por ter uma hotelaria bem defasada, era 99% SUS. Melhorando isso, pode-se atrair os convênios e equilibrar a gestão financeira do hospital. Mas daria para manter o hospital com o SUS se fizesse uma potencialização dos atendimentos de alta complexidade, como cirurgias cardíacas e vasculares, por exemplo. Imagino que os atuais gestores tenham essa consciência para equilibrar sem deixar de atender o SUS. E interessa à sociedade o atendimento de alta complexidade pelo SUS.
No momento do leilão, como estavam as contas do hospital?
Estava bem equilibrada, por isso que atraiu interessados ao leilão. Senão ninguém ia querer comprar. Abrimos toda a contabilidade do hospital para os interessados e mostramos que era viável.
E a situação da Faculdade?
A universidade parece que está muito bem. Quando houve a intervenção, havia sete cursos, fechamos todos, menos Medicina, pois eram cursos deficitários, enquanto este era um sucesso, com um hospital de referência como base. Foi uma vitória manter uma faculdade de Medicina funcionando, porque ela ia fechar.
Um ano após o leilão, como o senhor vê o atendimento do hospital e como avalia o resultado do processo?
Estou acompanhando pela imprensa. Vi que houve algumas filas no começo, que tiveram problemas no período em que foi feita uma reforma, gerou reclamação, mas era uma questão de contextualizar o período. O mais importante é destacar a atuação da Justiça do Trabalho. Se não fosse ela, o hospital estaria fechado. Devolvemos ele para a sociedade. Num momento em que se fala na extinção da Justiça do Trabalho. Os efeitos desta decisão foram muito maiores que os trabalhistas.
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