Palácio Rio Branco, atual sede da Câmara Municipal de Curitiba| Foto: Anderson Tozato/CMC

Um projeto de resolução que já recebeu parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Municipal de Curitiba vai concluir em breve o processo de substituição da Ouvidoria do Município, que detinha autonomia em relação ao Executivo e ao Legislativo, por órgão similar, porém interno à Casa de leis. A mudança é justificada pela Comissão Executiva da Câmara como uma adequação à Lei Federal 13.460/2017, que torna obrigatória a criação de entidades de controle social no âmbito de cada Poder.

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Em junho, um projeto de lei aprovado de forma unânime pelos vereadores e sancionado pelo prefeito Rafael Greca (DEM) revogou o dispositivo que criava a ouvidoria municipal e instituiu o órgão interno do Legislativo. A nova proposta de resolução vai regulamentar o processo de escolha do ocupante do cargo e o funcionamento da estrutura.

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À primeira vista, a existência de mais órgãos de controle social pode sugerir mais fiscalização dos atos do poder público. Mas a medida deve trazer prejuízos ao cidadão curitibano, avalia o jurista Manoel Eduardo Alves Camargo e Gomes, coordenador do grupo de pesquisa sobre Controle do Estado da Universidade Federal do Paraná e presidente do capítulo brasileiro do Instituto Latino-Americano de Ombudsman.

“Com a Ouvidoria do Legislativo, deixa-se de ter um órgão externo, autônomo e independente, para se ter um órgão interno e subordinado”, explica – a lei que cria a nova estrutura na Câmara prevê sua vinculação à controladoria interna. “Em todos os países avançados democraticamente, o ombudsman tem independência em relação ao órgão que controla”, diz.

Curitiba já foi modelo em ouvidoria

Em 1986, Curitiba foi a primeira cidade do Brasil a criar uma ouvidoria pública, com o objetivo de receber reclamações, denúncias e sugestões à administração municipal. Extinto anos depois, o órgão foi ressuscitado em 2012, quando a Câmara Municipal aprovou projeto instituindo uma nova ouvidoria, sancionado no ano seguinte pelo então prefeito Gustavo Fruet (PDT).

O modelo, autônomo, mais uma vez colocou a capital paranaense como referência no assunto. Um dos mecanismos para garantir a independência do cargo foi fazer a escolha de seu ocupante por meio de votação no plenário da Câmara Municipal a partir de lista tríplice elaborada por uma comissão, formada por representantes da prefeitura, da Câmara e da sociedade civil organizada. Qualquer pessoa com notório conhecimento de administração pública e direitos humanos, idoneidade moral e reputação ilibada podia se candidatar à função.

De acordo com Gomes, estudioso de regimes jurídicos de ouvidorias públicas, Curitiba era uma das poucas entre mais de 2 mil cidades brasileiras que dispunham de um órgão de controle sem subordinação à própria administração que, em tese, deveria fiscalizar.

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Mas manter uma ouvidoria municipal não é uma tarefa fácil. Ações judiciais e tentativas de extinção do órgão fizeram com que a eleição do primeiro ouvidor municipal, o advogado Clóvis Veiga da Costa, ocorresse apenas em março de 2015, dois anos depois da publicação da lei que criou o cargo. Com autonomia administrativa, remuneração de secretário municipal (hoje em R$ 17.767,62) e uma equipe de servidores cedida pela Câmara, o ouvidor tinha a missão de controlar a administração pública e defender os direitos dos cidadãos, como uma espécie de órgão de defesa do consumidor, porém voltado a serviços públicos.

“Sempre que o cidadão tem um serviço público, previsto em lei, que lhe é negado, ele pode recorrer à Ouvidoria para que sejam garantidos seus interesses”, explicou Costa, que ocupou a função até dezembro de 2016. Mas, ao fim de seu mandato, após três tentativas de votação para escolha de um novo ouvidor, o processo de eleição foi suspenso pelo então presidente da Câmara, Ailton Araújo (PSC).

Não por falta de interesse da população: ao todo, 21 inscrições para o cargo haviam sido homologadas para concorrer à composição da lista tríplice. Oficialmente, o problema é que a lei exigia maioria absoluta de votos na Casa e nenhum dos candidatos obteve os 20 necessários para eleição. Entre parlamentares, o ouvidor sempre foi visto como um “39º vereador”, porque de certa forma concorreria no atendimento às demandas dos cidadãos.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]

Cargo de ouvidor era mal visto por vereadores

Sucessor de Araújo na presidência da Câmara, Serginho do Posto (PSDB) disse no ano seguinte à frustrada tentativa de eleição que “não havia pressa” na escolha de um novo ouvidor. “Apesar de ser importante para a democracia, o cargo não tem feito falta à população”, declarou.

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“A ouvidoria tem que acabar porque tem o status de secretaria, apesar de fazer o mesmo trabalho que nós vereadores”, chegou a afirmar Noemia Rocha (MDB). “Acho que o modelo pode ter sido inovador à época, mas verificou-se não ser o mais adequado”, disse Professor Euler (PSD), segundo secretário da Casa e um dos autores do projeto que extinguiu o órgão, em entrevista recente à Gazeta do Povo.

De maio de 2015 a dezembro de 2016, segundo o relatório enviado à Câmara pela Ouvidoria, foram recebidas 1.779 manifestações de curitibanos, das quais 406 haviam sido resolvidas. Entre as reclamações, problemas de iluminação pública e coleta de lixo, aparecem no topo, seguidas de fiscalização do trânsito. A maioria do trabalho envolvia insatisfação a respeito da qualidade dos serviços da prefeitura que não eram resolvidas pelo 156.

Para Manoel Camargo e Gomes, a extinção da ouvidoria municipal e sua substituição por um órgão interno à Câmara prejudica o próprio Legislativo municipal. “A lei conferia à ouvidoria poderes que controlariam atos do Poder Executivo”, diz. “Agora, esponte própria [ou seja, por conta própria], a Câmara toma a decisão de amesquinhar sua competência.”

Crítico do teor da Lei Federal 13.460/2017, que dispõe sobre a participação, proteção e defesa dos usuários de serviços públicos, Gomes considera que haver uma ouvidoria interna em cada Poder não suprime a necessidade de um órgão externo, mais abrangente. “Poderia haver uma Ouvidoria do Município com uma divisão responsável por cada Poder”, defende.

Texto original previa ainda menos autonomia

O projeto que extinguiu a ouvidoria do município e criou a do Legislativo previa inicialmente uma subordinação ainda maior do órgão à Casa. O cargo seria ocupado necessariamente por servidor estável, que seria nomeado pela presidência da Câmara, segundo o texto-base. Uma emenda proposta pela líder da oposição, Professora Josete (PT), alterou a redação final, prevendo a escolha por meio de voto em plenário e estendendo a possibilidade de se candidatar ao cargo a qualquer cidadão com “capacitação técnica e profissional e conhecimentos compatíveis com a função”.

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Na discussão do projeto, o líder do prefeito, Pier Petruzziello (PTB), embora tenha apoiado a emenda, lembrou o processo malsucedido de escolha do ouvidor em 2016. “Os senhores que não estavam aqui vão ver como é bom: vão receber telefonemas, sem contar a quantidade de currículos, infinitos, que nós vamos ter que supostamente analisar – ‘supostamente’ porque eu duvido que haja condição de analisar mais de 500 currículos individualmente”, disse. “Agora, é evidente que o processo democrático, como diz a Professora Josete, é bem melhor do que o processo [de escolha] por um, dois ou três.”

Diferentemente do previsto na escolha do ouvidor municipal, o ocupante do cargo no Legislativo não deverá ser eleito a partir de lista tríplice, segundo o projeto de resolução que regulamenta o processo, ainda em tramitação. Diz o texto que, entre os nomes que se inscreverem, a Comissão Executiva indicará um candidato para exercer a função, o qual será apresentado em sessão ordinária e eleito caso obtenha maioria absoluta de votos, ou seja, ao menos 20. “Não alcançada a maioria absoluta, far-se-á nova indicação pela Comissão Executiva até que se obtenha aprovação por tal quórum.” Com tipologia CC-2 dentro do plano de cargos e salários da Câmara, o ouvidor terá remuneração bruta de R$ 11.347,23.