Fany Faintych tem um guarda-roupa vivo. Por meio do acervo de peças, verdadeiras obras de arte, é possível contar parte da história do mundo e também a história dela mesma. Os vestidos, casacos, blusas, óculos, bolsas, sapatos e acessórios foram comprados por ela ao longo dos anos, a maioria em viagens à Europa, epicentro da moda nos anos dourados de sua atuação profissional. Fany faleceu no dia 6 de janeiro, aos 93 anos, e deixou o desejo de ver a coleção virar museu.
Sua história com a moda começou na juventude, quando se mudou de Ponta Grossa – sua cidade natal – para São Paulo, em parte para passar por cima de um amor que não dera certo, em parte para colocar-se no mundo, como parecia destinava a fazer. Poliglota, dava aulas de inglês, francês e latim na Terra da Garoa quando conheceu o pintor e escultor Lasar Segall e a esposa, a tradutora e escritora Jenny Klabin Segall. Contratada como assistente pessoal do casal, Fany ajudou nas traduções de Jenny e na organização do acervo de Segall até o falecimento do artista, em 1957.
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Nos anos seguintes, provavelmente como início do empreendimento de Jenny de reintroduzir o nome do marido no circuito artístico internacional, as duas mulheres viajam pela Europa e Fany conhece os restaurantes, hotéis e casas de alta costura mais cultuados do globo. É o nascimento do amor pela moda e de seu acervo único. Além das peças da época, entre os anos 1950 e 1970, há também itens do século XIX e das décadas de 1920 até 1940. Em sua maioria, são roupas e acessórios com os quais ela mesma desfilou por diferentes cantos do planeta.
A curadoria fina dedicada a cada detalhe escancara o gosto impecável e atemporal. “Os olhos dela para moda, assim como para arte, eram olhos maravilhosos. Escolhia tudo a dedo”, conta Ana Claudia Michelin, embaixadora de tendências da revista Top View e uma das responsáveis pela homenagem, em forma de reportagem, que Fany recebeu ainda em vida. Há cerca de dois anos, Fany folheava a revista quando viu a recomendação de um livro que Ana estava lendo sobre moda nos anos 1950. Se interessou e ligou para a revista. A troca de contatos resultou em uma amizade entre as duas apaixonadas pelas passarelas. Ana criou o hábito de visitar Fany aos sábados para tomar café e ouvir suas histórias dignas de filme.
Entre elas, estão a da vez em que o mestre do Surrealismo, Salvador Dalí, a paquerou com piscadelas constantes em um jantar em Madri, na Espanha; o fato de ela ter sido uma das primeiras mulheres a ter uma bolsa Birkin, da grife Hermès, item icônico até hoje; ter conhecido tantos presidentes do Brasil que ela sequer lembrava de todos; e muitas outras fábulas.
Junto às obras de designers cultuados, estavam as bijuterias feitas com materiais que iriam para o lixo, as “reciclartes”, como ela chamava. Apesar da idade avançada, Fany mantinha a mente e o corpo ativo da maneira como podia. Desenvolvendo essas artes, lendo bastante e aumentando ainda mais o leque de idiomas que entendia e falava. Era fluente em oito idiomas e havia começado os estudos do nono, grego.
Há alguns anos, chegou perto de ver o acervo – que há cerca de cinco anos foi catalogado e organizado com esmero – exposto. O governo de Minas Gerais se interessou em transformá-lo em museu. Porém, mudanças de gestão e outros entraves comuns na administração pública impediram a concretização do sonho, pelo menos por enquanto. “Ela tinha um gosto extremamente democrático, não favorecia um ou outro estilista. O acervo é muito rico e variado, seria uma honra ver isso acontecer [o acervo ser exposto], ver isso ser perpetuado”, comenta Ana Claudia.
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