Em junho, um grupo de pescadores que estava trabalhando no lago de Itaipu, no leito do Rio Paraná, fronteira com o Paraguai, foi alvo de uma ação orquestrada de bandidos. O grupo armado levou o motor da embarcação, um Mercury, avaliado em aproximadamente R$ 10 mil. Cerca de 30 minutos após a ação criminosa, a Polícia Federal resgatou os pescadores, que estavam à deriva e com medo.
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Segundo o delegado-chefe da Polícia Federal (PF) em Foz do Iguaçu (PR), Marco Smith, a PF fez varreduras pelo rio e, com o auxílio de policiais do Batalhão de Polícia da Fronteira (BPFron) e da Armada Paraguai - pois o produto do roubo foi levado para o lado paraguaio do rio - o motor foi recuperado e trazido de volta ao Brasil.
Os ladrões não foram presos, mas pelo relato das vítimas, todos eram brasileiros. O caso passa longe de ser isolado e não se trata de uma única quadrilha fazendo vítimas pelo rio, diagnosticou a PF, que tem mapeado abordagens dos bandidos a navegadores e pede que pescadores ou turistas denunciem os casos às autoridades de segurança.
O lago de Itaipu foi formado artificialmente no ano de 1982, no início das operações da Itaipu Binacional, uma das maiores usinas hidrelétricas do mundo, com o alagamento de áreas em 16 municípios, 15 paranaenses e um no Mato Grosso do Sul. O reservatório tem uma área de 1.350 km², boa parte navegada pelo crime organizado em um corredor de escoamento para o tráfico e o contrabando que abastecem o Brasil inteiro. O cigarro que passa por ali, por exemplo, é vendido nas regiões Centro-Oeste, Sudeste, Sul e Nordeste. Drogas, armas e munições que entram por esse caminho abastecem as principais facções brasileiras.
O que os bandidos querem com os barcos?
Segundo o delegado Marco Smith, os criminosos querem os motores ou os próprios barcos, completos. O motivo? Utilizá-los para o transporte ilegal dessas mercadorias entre Paraguai e Brasil.
“Essa é a chamada criminalidade líquida. A gente fecha o cerco com fiscalização de um lado do rio, eles migram para o outro. Temos três núcleos da PoF nos 190 quilômetros de extensão do lago de Itaipu (considerando a distância em linha reta): um em Foz do Iguaçu, um em Santa Helena e um em Guaíra. É no intervalo entre esses núcleos e distante das nossas bases que os crimes acontecem com mais frequência”, ponderou.
A PF estima que mais de 200 lanchas e barcos atravessem a fronteira todas as noites, abarrotadas de produtos ilegais.
“Observamos que esse fluxo pelo rio aumenta quando há mais fiscalização por terra, já que também temos uma vasta fronteira seca com o Paraguai. A vantagem dos criminosos pelo rio é que, de uma margem a outra, entre o Paraguai e municípios como Pato Bragado, Mercedes, Missal (todos no oeste do Paraná), são menos de cinco minutos de navegação à travessia”, avaliou o delegado.
Ações como essas fizeram com que a Polícia Federal aumentasse, nas últimas semanas, o efetivo nos Núcleos Especiais de Polícia Marítima, os chamados Nepoms. A PF também ampliou, segundo o delegado, as fiscalizações com auxílio tecnológico com drones e câmeras, além de apostar em equipamentos com sensores de calor que facilitam a visão noturna. Apesar de os barcos e os motores serem roubados durante o dia, é à noite que os barqueiros criminosos fazem a passagem com os produtos ilegais.
Motores superpotentes e embarcações em alta velocidade pelo lago de Itaipu
As embarcações a serviço do crime são equipadas com motores superpotentes, parte roubada ou furtada, considerou o delegado da PF. Do outro lado estão os pescadores profissionais e desportivos em apreensão constante. De Foz do Iguaçu a Guaíra - distantes 222 quilômetros entre uma cidade e outra - vivem ao menos 300 famílias que se dedicam exclusivamente à pesca no rio Paraná, além de centenas dos chamados amadores e desportivos, que aproveitam as belezas naturais e usufruem do turismo local.
“Quase fui vítima de uma dessas emboscadas. Eu estava pescando quando percebi dois barcos se aproximando, com duas pessoas em cada. Como eu não estava tão longe da margem e com o motor ligado, fugi. Eles me perseguiram até próximo ao Nepom em Guaíra, depois desistiram”, contou um pescador profissional que, por medo, não quis se identificar.
O pescador reconheceu que existem outras vítimas dos bandidos e alerta que deixam de denunciar por medo. “A gente vive passando pelos criminosos pelo rio, nós pescando e eles traficando, contrabandeando. Se sabem que a gente denunciou, matam a gente. Não seria a primeira vez que alguém morre nas mãos deles”, completou.
Além das embarcações-alvo que estão navegando, a PF alertou sobre furtos ou tentativas de embarcações atracadas em marinas, áreas particulares à beira do lago de Itaipu. Existem ao menos três delas do lado brasileiro do lago. “É importante para os criminosos terem essas a embarcação, porque no caso de serem pegos na fiscalização ou numa perseguição o criminoso resolve afundá-la, o prejuízo para a organização criminosa é menor, afinal a embarcação foi furtada ou roubada”, explicou o delegado.
Pescadores convivem com o crime e com o medo
Conviver com medo do crime organizado no lago de Itaipu, na fronteira com o Paraguai, não é uma novidade para os pescadores. Os trabalhadores legais do rio optam por não aparecer, mas reconhecem que convivem com as quadrilhas e a insegurança há anos. “Nos últimos meses tem acontecido mais desses roubos de barcos e dos motores. A gente sempre sai de casa com medo, chega no rio de madrugada e vive cruzando com os contrabandistas, os traficantes. A gente faz vista grossa, mas o medo aumenta”, contou o pescador que fugiu dos criminosos.
E há outros receios. “As lanchas dos bandidos passam muito rápido perto da gente para fugir da fiscalização (a velocidade pode se aproximar dos 100 km/h) e temos medo até de ficar no meio de uma troca de tiros entre os bandidos e a polícia. Já fomos testemunhas dos contrabandistas disparando tiros contra os policiais. Eu só sei fazer isso, senão, já teria deixado essa vida”, lamentou.
Prefeitos se unem por mais segurança
A insegurança e o temor rio abaixo na fronteira entre Brasil e Paraguai chegou como forma de apelo aos gestores públicos que integram o Conselho dos Municípios Lindeiros ao Lago de Itaipu, que reúne prefeitos dos 16 municípios banhados pelo lago de Itaipu.
O presidente do grupo, prefeito do município de Santa Helena, a 106 quilômetros do Foz do Iguaçu, Evandro Miguel Grade, destacou que o assunto coloca os gestores em alerta. Segundo ele, o conselho tem sido procurado por representantes de associações comerciais, câmaras de vereadores e da sociedade civil organizada para tratar da segurança pública no cinturão de fronteira.
“O tema (dos pescadores sendo alvos de bandidos) já chegou ao conselho e vamos agendar uma reunião com a Polícia Federal para tratar da segurança na fronteira como um todo. Queremos trazer a Itaipu para esse debate, assim com o Governo Federal e o Governo do Estado. Para os municípios lindeiros ao lago de Itaipu, a segurança sempre é um desafio a mais e um assunto que preocupa”, destacou.
Para Grade, não é apenas a pesca desportiva e profissional afetada pela ação criminosa, mas os potenciais turísticos que os municípios beira lago de Itaipu oferecem. Há praias artificiais de água doce muito frequentadas nos municípios de Foz do Iguaçu, Santa Terezinha de Itaipu, Itaipulândia, Missal, Santa Helena (a mais movimentada), Entre Rios do Oeste e Marechal Cândido Rondon.
“Municípios de toda a região também estão, por conta própria, fazendo investimentos, colocando câmeras de segurança, ajudando as polícias que, apesar do pouco efetivo que têm, fazem um trabalho muito bom”, confirmou o prefeito.
O delegado-chefe da PF em Foz do Iguaçu, Marco Smith, que assumiu oficialmente a função em maio deste ano, destacou que medidas mais táticas e operacionais foram e seguem sendo estruturas ao longo da fronteira, na tentativa de criar um cinturão de proteção. “A vocação da PF é operacional, então reforçamos efetivo na Ponte da Amizade (que liga Brasil e Paraguai), na Ponte da Fraternidade (Brasil e Argentina) e pelo rio Paraná, mas também sabemos que todo efetivo possível não daria conta, então contamos com o auxílio da tecnologia neste monitoramento e repressão, além, da parceria com outras forças de segurança”, completou.
O presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf), Luciano Barros, analisou que é indispensável que governos, do Brasil e do Paraguai, trabalhem juntos no enfrentamento ao crime organizado em uma fronteira, que segundo ele, é “porosa e permeável”, com travessias facilitadas por terra e água.
Falta simetria nas ações, avalia pesquisador
Para Barros, que estuda os aspectos transfronteiriços há mais de duas décadas, o Paraguai é um país que, inserido no Mercosul, poderia adotar regras para uma simetria com seus vizinhos, como o Brasil. “Essa simetria poderia ser tributária, econômica, jurídica, que pudesse tratar e conduzir medidas que fossem positivas para todos no enfrentamento ao crime (...) os governos precisam trabalhar em conjunto e evitar que o crime tenha fluidez e facilidades para agir. O Estado é muito lento, o crime organizado age com fluidez e agilidade, então na morosidade do Estado, o crime se implanta, cresce, avança”, diagnosticou.
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