A fumaça causada por incêndio à beira da estrada que prejudicou a visão dos motoristas no acidente que matou oito pessoas e deixou outras 22 feridas na noite de domingo (2) não é novidade na BR-277, na divisa entre São José dos Pinhais e Curitiba. O acidente, por volta de 22h30, envolveu 22 veículos: 15 carros, uma viatura da Polícia Militar, cinco motos e um caminhão.
De acordo com moradores da região, a presença de fumaça no entorno da rodovia tem sido notada há vários dias. O Corpo de Bombeiros afirma que a grande maioria dos incêndios na região são provocados pela população. As ocorrências triplicaram esse ano.
“Esse fogo já faz mais de uma semana que está acontecendo. Será que alguém vai tomar uma atitude? Seis, sete famílias morrendo aqui, famílias sendo destruídas por causa de uma fumaça? Hoje foi uma tragédia anunciada”, desabafou Marcos Aurélio, morador da região, em entrevista ao jornal Bom dia Paraná, da RPC.
Vários outros moradores também mostraram indignação com as constantes queimadas na BR-277 nas redes sociais. A principal queixa diz respeito aos recorrentes incêndios na região da rodovia, que perduram por dias. Dados do Corpo de Bombeiros mostram que as ocorrências de incêndio em vegetação atendidos pela unidade de São José dos Pinhais quase triplicaram na comparação entre o segundo trimestre deste ano com o de 2019. Entre abril, maio e junho, os bombeiros atenderam 300 incêndios na região de São José dos Pinhais. Ano passado, nesse mesmo período, foram 81 ocorrências.
A queimada à beira da BR-277 no domingo no local do acidente foi numa região alagada, o que dificulta o trabalho dos bombeiros. “Nesse ponto especificamente, houve deslocamento de viatura para essa ocorrência. Enquanto havia esse deslocamento, o acidente aconteceu. A equipe que estava a caminho acabou fazendo o primeiro atendimento das vítimas”, explica o major Eduardo Pinheiro.
Incêndios em vegetação na região são causados por pessoas
De acordo com o major Pinheiro, a grande maioria dos casos de incêndio em vegetação é de causa humana. “É uma cultura que existe, ou por vezes até por inocência, em pensar em atear fogo no lixo. Às vezes o pessoal junta folhas e tenta se livrar ateando fogo. E nesse período, com a seca, o fogo se alastra rapidamente”, comenta o major.
Incêndio provocado por uma pessoa numa região de vegetação seca em pouco tempo toma proporções em que ela sozinha não consegue mais controlar as chamas. No domingo anterior, dia 26 de julho, por exemplo, uma ocorrência de incêndio em um banhado às margens da BR-277 foi atendida por equipes do Corpo de Bombeiros de São José dos Pinhais. Por ser uma área de difícil acesso dos bombeiros, a ocorrência demorou cerca de quatro horas para ser finalizada.
Diante da dificuldade, os bombeiros apelam para que a população tenha consciência e não cause queimadas. Provocar incêndio em vegetação é considerado crime ambiental, com pena que varia de seis meses a cinco anos de reclusão, mais multa.
Com o intuito de evitar ocorrências de incêndio em vegetação, principalmente agora na estiagem, o Corpo de Bombeiros iniciou em junho a Operação Quati João. Bombeiros contam com equipes extras para combater incêndios florestais. Foram formadas equipes especializadas nesse tipo de ocorrência, que permanecem de prontidão 24 horas por dia.
Acidente e vítimas
A falta de visibilidade provocada pelo nevoeiro e pela fumaça de um incêndio próximo da rodovia provocou a colisão de alguns veículos na BR-277, na altura do km 76, sentido litoral, em São José dos Pinhais. Com o acidente, algumas vítimas permaneceram imobilizados sobre a rodovia e alguns dos ocupantes dos carros deixaram seus veículos.
Logo em seguida, uma carreta, que não conseguiu frear, colidiu com os veículos parados na rodovia, atropelando as pessoas que estavam no local. Sete vítimas morreram no local. De acordo com a PRF, foram registradas 34 vítimas, sendo oito mortes, 2 gravíssimas, com risco de morte, 5 graves e 20 vítimas leves.
Uma das vítimas que foi socorrida em estado grave pelo Corpo de Bombeiros e encaminhada ao Hospital Cajuru, em Curitiba, veio a óbito ainda na noite de domingo.
A concessionária Ecovia, que administra o trecho em que ocorreu o acidente, informou em nota que todas as equipes de plantão da empresa foram imediatamente mobilizadas no atendimento às vítimas e no apoio à Polícia Rodoviária Federal, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros. Foram removidos do local 23 veículos, sendo 15 de passeio, cinco motocicletas, um caminhão e uma viatura da Polícia Militar, com a liberação total do tráfego realizada às 5 horas desta segunda-feira (3).
Investigação
Em nota, a Polícia Civil informou que investiga o acidente e que esteve no local já na noite deste domingo. A polícia irá ouvir o motorista do caminhão e testemunhas nos próximos dias. “Caso seja constatada a ocorrência de crime, será instaurado inquérito policial”, finaliza a nota. A situação é apurada pela Delegacia de São José dos Pinhais.
Também o Departamento de Estradas de Rodagem (DER) e a Agência Reguladora de Serviços Delegados do Paraná (Agepar) notificaram a concessionária Ecovia, para que apresente as imagens do sistema de segurança e também informe quais medidas tomou para tentar evitar a tragédia. Uma investigação foi aberta para apurar a situação.
A concessionária é responsável pela segurança dos usuários e pela sinalização em caso de problemas que possam atrapalhar a visibilidade. Caso o incêndio seja na faixa de domínio, a empresa deve providenciar o combate. Caso seja longe da rodovia mas interfira nas condições de tráfego, os motoristas devem ser alertados para o perigo.
Respostas da Ecovia
Em entrevista à Gazeta do Povo, o gerente de atendimento ao usuário da Ecovia, Marcelo Belão, contou quais procedimentos foram adotados pouco antes do engavetamento. Ele disse que a viatura que faz a inspeção de rotina da rodovia estava transitando no sentido Litoral-Curitiba quando, no quilômetro 76, o operador percebeu a falta de visibilidade e encostou o veículo para fazer a sinalização. No mesmo momento, às 22h08, pediu apoio para fazer a sinalização no sentido contrário, Curitiba-Litoral, além de ter solicitado, por rádio, que fossem acionados os bombeiros e a Polícia Rodoviária.
Segundo o gerente, a primeira viatura de apoio chegou às 22h26 e foi nesse lapso de tempo em que as colisões aconteceram. Belão disse que a concessionária seguiu o protocolo em situações como essa, tendo em vista que os reforços foram chamados e que a viatura não poderia atravessar a pista para sinalizar também no sentido contrário. Ele ainda destacou que o fluxo maior era no sentido do litoral para Curitiba, por causa do final de semana.
O gerente contou ainda que o operador fez acenos para redução de velocidade e foi se dirigindo até o final da fila, para também evitar colisões traseiras. Segundo Belão, o procedimento foi adequado e a prova seria o fato de que não foram registradas batidas no sentido litoral-Curitiba, que tinha tráfego mais intenso. Ele disse que nenhum usuário acionou a concessionária para comunicar o problema da visibilidade, o que reforçaria, no entendimento do gerente, a tese de que a viatura da empresa foi a primeira a identificar o problema e que as mudanças nas condições da pista foram repentinas.
Para ele, uma situação atípica, que nunca viu acontecer de maneira tão rápida e brusca nos 21 anos em que atua no setor, acabou colaborando para as colisões. A combinação de neblina e fumaça num ponto bem específico dificultou a visão dos motoristas. Segundo o gerente, são comuns incêndios de campo naquela região e que, neste ano, a concessionária atendeu sete chamados no local. Belão destacou com o combate a incêndios é prerrogativa dos Bombeiros e que cabe à concessionária dar o apoio. “Só atende quando traz um risco à rodovia”, disse.
O gerente afirmou ainda que todos os recursos possíveis foram acionados, tanto antes como durante a ocorrência, e que a concessionária lamenta muito o ocorrido. Sobre as imagens do sistema de segurança, declarou que há câmeras instaladas nos quilômetros 74 e 78, portanto a dois quilômetros do local das colisões.
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