Quantos de nós não aproveitamos, quando sobra um dinheiro no fim do mês, para fazer uma reserva financeira? Engordar aquela poupança que vai servir para comprar algo novo, fazer uma viagem, reformar a casa ou ajudar no caso de uma emergência. Afinal, imprevistos acontecem. Não apenas na nossa vida, mas também na administração pública. Por que então não adotar essa prática, tão comum nas famílias, também no setor público? Em uma iniciativa inédita no país, a Prefeitura de Curitiba pretende mostrar que isso é possível.
No fim de maio, o prefeito Rafael Greca (DEM) encaminhou à Câmara Municipal o projeto de lei que cria o Fundo de Recuperação e Estabilização Fiscal (Funrec). Inspirado em iniciativas que existem há alguns anos nas principais cidades dos Estados Unidos, a medida consiste na criação de um fundo abastecido com sobras orçamentárias. O objetivo é garantir uma reserva financeira para situações de crise econômica, desequilíbrio fiscal ou de calamidade pública, como desastres naturais.
Apelidado de fundo anticrise, ele funcionará da seguinte maneira: ao final de cada exercício, se houver superávit orçamentário, serão destinados entre 10% e 20% desse montante para o fundo. O prefeito poderá solicitar o saque dos recursos caso se verifique uma queda na arrecadação e nas transferências financeiras de 1,5% por dois bimestres seguidos – hoje, algo na casa de R$ 100 milhões. Ou então, em caso de desastres naturais, como enchentes e tempestades. Um conselho curador, presidido pelo secretário de Finanças, será responsável por gerir o fundo e, caso o prefeito decida usar a verba, será necessária aprovação de 2/3 da Câmara Municipal.
“A criação desse fundo consolida o plano de recuperação fiscal que lançamos em 2017. Nossa ideia é evitar que a cidade tenha que passar novamente pelo que passou naquele momento”, afirma o secretário municipal de Finanças, Vitor Puppi, em alusão ao ano em que se iniciou a atual gestão, quando serviços foram suspensos e impostos aumentados. “Com o fundo, caso seja verificado tecnicamente que o município passa por uma crise, esse valor poderá ser acessado para recompor dotações orçamentárias, não deixando que serviços sejam interrompidos e contas atrasem.”
Pela proposta encaminhada ao Legislativo, a capitalização do fundo terá como limite 8% da Receita Corrente Líquida, o que, segundo Puppi, garante potencial para chegar a R$ 550 milhões ao longo dos anos. Cabe lembrar que os depósitos não serão feitos caso o município encerre o exercício com déficit (resultado negativo). “Hoje, temos uma situação bastante equilibrada. O esforço fiscal do início do governo teve resultados positivos e, se continuarmos nessa trajetória, o município tem todas as condições de se manter superavitário”, assegura.
Sem oportunismo
A iniciativa do governo municipal é vista com bons olhos por especialistas. Pesquisador do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (Ibam), Leonardo Mello aponta como um dos pontos positivos a criação de um conselho curador do fundo, responsável por avaliar a utilização dos recursos. “Isso não dependeria apenas do poder discricionário do prefeito. É necessário discutir o que é emergência, senão qualquer um pode dizer, por exemplo, que aumentar salários é uma emergência”, observa.
Ele atenta, porém, para alguns cuidados. “A sinalização de que tem dinheiro sobrando pode fazer com que a administração comece a sofrer pressão de determinados grupos, como empresas que majoram seus preços ou pedidos de aumento salarial em momentos inoportunos”, diz Mello. Também é importante, na avaliação do pesquisador, estabelecer mecanismos para evitar que o fundo seja utilizado de forma oportunista. “Um gestor em fim de mandato pode aproveitar para usar todo o dinheiro antes de deixar o cargo. Por isso, quanto mais transparência e mais conexão entre a prefeitura e a sociedade civil, maiores as chances de a iniciativa dar certo.”
Coordenador dos cursos de Segurança Pública e Mobilidade Urbana da Uninter, Gerson Luiz Buczenko acredita que a criação do fundo também é oportuna diante dos problemas enfrentados periodicamente pelo município com as chuvas. “São situações que não há como prever quando irão acontecer. Mas se a prefeitura tiver um planejamento e dispuser de recursos que permitam contratar serviços e promover reparos em caráter emergencial, já estará mais preparada para enfrentar situações de crise”, avalia.
Exemplo norte-americano
Para elaborar o projeto do fundo anticrise, Vitor Puppi conta que foi pesquisar nos Estados Unidos, onde estados e municípios contam com os Rainy Day Funds (“fundos para dias chuvosos”, na tradução livre), que foram de grande importância para que as administrações sobrevivessem à crise econômica de 2008.
Em um artigo publicado no site Governing, Justin Marlowe, professor de Finanças Públicas da Universidade de Washington, diz que a experiência americana tem sido diferente entre estados e municípios. Enquanto nos estados os resultados verificados são altamente positivos, nos municípios ainda há dificuldade em estabelecer regras mais claras, que faz com que poucos utilizem o dinheiro, mesmo em meio a dificuldades financeiras.
“Muitos agentes financeiros dizem que prefeririam usar esses recursos para enfrentar problemas pontuais, como uma inundação ou perda de um importante empregador local. Mas, em off, eles dizem que tem muito a ver com a falta de compreensão dos cidadãos sobre quanto custa manter os serviços locais. A pressão para manter os impostos baixos é tão grande que eles acham que nunca seriam capazes de reabastecer as reservas com novas receitas incrementais”, diz.
Apesar disso, algumas cidades têm mantido a economia estável graças aos fundos. A cidade de Baltimore regulamentou seu fundo anticrise em 1993, utilizou grande parte do dinheiro para atravessar a crise de 2008 e hoje tem mais de US$ 100 milhões aplicados. “O fundo não é apenas uma boa política fiscal, é uma boa política econômica. Em uma recessão, se a prefeitura demite muita gente, gera um efeito cascata em toda a economia”, disse o diretor do fundo, Andrew Kleine, durante um debate sobre o tema no fim do ano passado.
Como implantar um fundo anticrise
O Pew Research Center, instituto de pesquisa norte-americano, identificou três práticas bem-sucedidas nos fundos anticrise dos estados que podem ser replicadas nos municípios. São elas:
- Os fundos devem ser criados com objetivos claros sobre o suporte financeiro necessário em caso de uma recessão ou emergência.
- O abastecimento do fundo deve estar diretamente ligado à volatilidade da receita, a fim de aproveitar os aumentos verificados durante os bons períodos da economia.
- A retirada de recursos deve ser feita de acordo com critérios claramente estabelecidos.
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