Motoristas paranaenses que financiaram automóveis a partir de agosto de 2018 transferiram um valor “superfaturado” de cerca de R$ 32,7 milhões para os cofres da empresa Infosolo Informática S.A., contratada pelo Detran-PR para registrar os gravames de veículos no estado.
Em apenas 10 meses, segundo o Ministério Público do Paraná, a Infosolo fez 90% dos registros de financiamento e arrecadou R$ 77 milhões. Pelos valores antigos, a arrecadação seria limitada a R$33,4 milhões; tem-se, portanto, que a empresa cobrou R$ 43,6 milhões a mais, pelo mesmo serviço. Desse montante, 25% (no caso, R$ 10,9 milhões) foram destinados ao Detran e 75% à própria empresa (o que resulta em R$ 32,7 milhões “embolsados” adicionalmente, em relação às taxas anteriores).
RECEBA as notícias de Paraná pelo whatsapp
Segundo o Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), além da Infosolo, amplamente favorecida, outras prestadoras do serviço também aumentaram o faturamento, totalizando cerca de R$ 100 milhões. “Se o serviço fosse pago por metade desse preço, ou R$ 200 a menos, teríamos um abatimento de 60% desses 100 milhões no período. Esse é o benefício, em tese. O serviço [de registro do gravame] é simples. Não demanda milhares de pessoas para realiza-lo”, disse o promotor Leonir Batisti, coordenador-geral do Gaeco.
O Gaeco, no entanto, ainda não tem informações sobre quais vantagens os agentes públicos receberam neste favorecimento. O coordenador diz ver indícios dos crimes de fraudes à licitação e associação criminosa e ainda indica enriquecimento indevido da empresa.
A operação Taxa Alta, deflagrada na manhã desta quarta-feira (20), levou à prisão do diretor-geral da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), Marcello Alvarenga Panizzi, que comandou o Detran de maio a dezembro de 2018. Há um mandado de prisão ainda em aberto. Em nota, a Alep informou que que o servidor comissionado pediu exoneração do cargo. Além de Panizzi, três ex-funcionários do Detran e um ex-assessor da governadoria tiveram a prisão temporária decretada.
Cronologia do esquema
O gravame é um serviço obrigatório quando o comprador decide financiar um veículo. Criado nos anos 1990 para evitar fraudes (como o financiamento de um mesmo veículo para duas pessoas), ele era feito por diversas empresas por meio de convênios, mas sem critérios licitatórios. Em 2017, o Conselho Nacional de Trânsito passou a exigir que os Detrans estaduais fizessem credenciamento de empresas com ampla concorrência e publicidade (modelo de licitação). No Paraná, o credenciamento começou em 2018.
O problema é que o preço, em vez de reduzir com a concorrência, aumentou. De R$ 152 foi para R$ 350. “A ideia [das mudanças] era dar a possibilidade de concorrência, melhorar o serviço, quando fosse o caso, e reduzir o preço. Nós não tivemos nada disso. E não tivemos porque esse contrato foi direcionado, e o próprio Tribunal de Contas observou isso”, disse Batisti. “O processo de edital criou um preço fora de parâmetro, sem nenhum critério. Ninguém estudou e falou ‘tem que ser R$ 200, tem que ser R$ 300’. Com novos estudos, o próprio Detran chegou a considerar que a taxa de R$ 140 seria suficiente”, explica.
Segundo ele, o valor chegou a esse patamar para beneficiar uma empresa específica, a Infosolo, responsável por mais de 90% dos registros de gravame do estado. “É um conjunto de comportamentos que indicam que o edital do credenciamento veio de fora. Ou seja, os funcionários do Detran, da área técnica, não tiveram suas sugestões acatadas, ou foram pressionados a mudar de visão no sentido de cumprir aquilo que já estava decidido, que estava no edital”, diz.
“Verificamos a publicação de um extrato [do processo de credenciamento] em que constava uma data para a apresentação de documentação [das empresas interessadas no credenciamento]. Isso foi omitido em uma segunda republicação, o que facilitou para a empresa favorecida. Em 24 horas ela apresentou a documentação e saiu em vantagem”, exemplifica.
Respostas
Em nota, a Infosolo destacou que "sempre pautou sua atuação pela transparência e rígidos princípios de ética e correção". "Sua posição de liderança no setor de registro de contratos advém, acima de tudo, da forma séria e comprometida com que sempre norteou suas iniciativas", apontou.
A empresa sustenta que "jamais desrespeitou qualquer norma relativa aos procedimentos públicos dos quais participa e tem plena convicção de que esclarecerá os fatos junto ao Poder Judiciário"." Todos os esclarecimentos, bem como a disponibilização de informações e documentos ao Ministério Público foi feita com absoluta tranquilidade, diante da plena convicção de que nenhum ato ilegal tenha sido realizado no processo de credenciamento junto ao Detran-PR", completa.
"O Detran afirmou que "desde o início de 2019 vem buscando sistematicamente diminuir o valor do Registro Eletrônico de Contratos de Financiamento de Veículos, além de adequar o fluxo financeiro conforme as normas financeiras e contábeis, e de acordo com os contratos existentes". O órgão disse estar colaborando com o Ministério Público.
A Assembleia Legislativa, por sua vez, emitiu nota apontando que "as investigações em curso pelo Gaeco não têm relação alguma com a Casa".
A ex-governadora Cida Borghetti (PP) se posicionou sobre o caso por meio de nota divulgada por sua assessoria de imprensa. Ela afirma "que não houve irregularidades no processo", diz que " Há questionamentos judiciais sobre o assunto em diversos Estados" e que se trata de "uma guerra comercial". Ela ainda destaca que "as decisões até o momento do Tribunal de Contas e do Tribunal de Justiça do Paraná são todas pela manutenção do contrato" e "reforça que os questionamentos sobre o tema foram respondidos anteriormente ao Tribunal de Contas e ao Tribunal de Justiça com decisões favoráveis quanto à regularidade do processo de concorrência".
Podcast: Pequeno Expediente conta a história do projeto do metrô curitibano
Segurança pública: estados firmaram quase R$ 1 bi em contratos sem licitação
Franquia paranaense planeja faturar R$ 777 milhões em 2024
De café a salão de beleza, Curitiba se torna celeiro de franquias no Brasil
Eduardo Requião é alvo de operação por suspeita de fraudes em contratos da Portos do Paraná