A afirmação do ministro das Finanças de Portugal, Fernando Medina, que os termos do acordo comercial entre União Europeia (UE) e Mercosul só devem ser revistos na próxima legislatura do Parlamento Europeu, com a eleição agendada para o mês de junho, foi mais um balde de água fria nas intenções do governo brasileiro em finalizar as negociações que se arrastam há 25 anos.
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O próprio governo federal admite a possibilidade de que as negociações sejam paralisadas, novamente, no acordo com a UE. O ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Carlos Fávaro reconhece o risco de não concretização do acordo, apesar de se dizer confiante. Segundo ele, as intensas manifestações realizadas por produtores europeus, em fevereiro, são legítimas e podem aumentar a competividade dos produtores brasileiros.
“Estão exercendo um direito legítimo de protestos, mas também mostram o quanto do acordo Mercosul com a UE pode trazer mais oportunidades e competitividades aos produtores brasileiros. Se não for possível finalizarmos esse acordo, é determinação do presidente Lula que a gente foque muito nas ações do sul global, muito mais parcerias e aberturas com os mercados asiáticos, do Oriente Médio e do continente africano. Ali, estão países com muita capacidade de investimentos e muita demanda por alimentos”, avalia.
Em fevereiro, durante visita ao 36º Show Rural em Cascavel, o secretário de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Roberto Perosa, se mostrava confiante com o acordo e previa o anúncio “em no máximo um mês”. A aposta também vinha sendo feita pela Comissão Europeia, apesar da forte oposição protagonizada principalmente pela França. A pressão venceu, ao menos por enquanto, considerando que somente o próximo parlamento fará a revisão dos termos de livre comércio entre os blocos econômicos.
Segundo Perosa, a série de protestos realizada por agricultores europeus era uma das demonstrações do receio sobre a competitividade do agronegócio brasileiro. “A União Europeia é composta por 27 países-membros, o desarranjo se dá entre quatro ou cinco países importantes, mas existem outros países importantes que defendem a finalização do acordo. As negociações seguem em curso com diálogos semanais e estão muito próximas do final”, considerou em fevereiro antes da afirmação feita pelo ministro português.
Setor produtivo: acordo deve ir para a gaveta
O setor produtivo brasileiro analisa que o acordo deve seguir, mais uma vez, para a gaveta e se mostra reticente com as incertezas em torno do acordo. Para o coordenador do ramo Agropecuário da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), João Preito, o agro brasileiro tem reconhecimento internacional de qualidade produtiva e de sanidade. O Brasil exporta para mais de 190 países e o foco precisa estar na abertura de novos mercados.
“Mercosul e União Europeia não é um assunto fácil e rápido de se resolver. Vimos as grandes manifestações do setor produtivo europeu. São fatores que dificultam um acordo desta robustez e tamanho. O movimento dos produtores na União Europeia pressiona o Parlamento para que isso não caminhe. Acreditamos que o Parlamento vai reavaliar muita coisa na pauta agro e certamente o acordo estará nestas reavaliações. Não é algo rápido, nem para 2024. Não arrisco dizer que o acordo morre, mas está em standby”, avalia.
O presidente do Fórum Nacional de Sanidade Animal, Otamir Martins, analisa que o movimento de produtores europeus trouxe instabilidade para a discussão comercial e que não há caminho favorável para negociações no momento. “Há uma série de processos e movimentos que interferem, mas do ponto de vista de qualidade, de sanidade, estamos preparados para atender qualquer país, qualquer exigência e qualquer mercado. Temos muitos países para abrir negociações e se não for para toda a União Europeia, precisamos fechar acordos com outros países”, defende.
O presidente do Conselho dos Secretários Estaduais de Agricultura e secretário de Estado da Agricultura e Abastecimento do Paraná, Norberto Ortigara é ainda mais crítico.
“Nunca acreditei que esse acordo União Europeia e Mercosul fosse vingar e está aí o azedume dos agricultores franceses, portugueses e alemães. Eu tenho visto muitos países, inclusive do Mercosul, fazendo acordos vantajosos bilaterais [entre países e não com blocos econômicos]. O Uruguai vende carne para o Japão, mesmo vacinando contra a aftosa e não paga nenhuma taxa. Nós pagamos 25%. Então é preciso ter outra visão, se não dá pelo conjunto, vamos comendo pelas beiradas, fazendo acordos de interesse para a nossa agricultura”, considera.
Como exemplo, o secretário de Agricultura cita parcerias próximas de serem firmadas pelo Brasil com o Chile, novas habilitações de plantas industrias para exportação à China, abertura de mercados com Japão, Coreia do Sul e México e o recém-finalizado acordo com o Canadá. “Temos produto com qualidade e capacidade para expandir produção e mercados, precisamos acessar esses mercados e acredito muito mais nas negociações bilaterais”, pondera.
Ipea diz que acordo com UE faria PIB brasileiro avançar 0,46%
Um estudo publicado em fevereiro pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) indica que o acordo com a UE traria importantes benefícios ao Brasil.
Entre eles, o aumento de 0,46% do Produto Interno Bruto (PIB). “Entre 2024 e 2040, o acordo provocaria um crescimento de 0,46% no PIB brasileiro – o equivalente a US$ 9,3 bilhões a preços constantes de 2023 –, em relação ao cenário de referência. O estudo mostra também que, em termos relativos, o país obteria ganhos maiores que os da União Europeia (aumento de 0,06% no PIB) e dos demais países do Mercosul (alta de 0,20%)”, avalia a apuração.
Os autores do levantamento consideraram como referência os dados e projeções do PIB feitas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para os anos de 2014 a 2026. Até 2040, as taxas de crescimento do último ano foram replicadas.
O acordo aumentaria os investimentos no Brasil em 1,49%, na comparação com o cenário sem a parceria. Na balança comercial, o país teria, segundo o levantamento do Ipea, um ganho de US$ 302,6 milhões, ante US$ 169,2 milhões nos demais países do Mercosul e queda de US$ 3,44 bilhões na União Europeia (UE), com as reduções tarifárias e concessões de cotas de exportação previstas.
“O benefício que o Brasil teria com o acordo é maior que o dos parceiros do Mercosul porque a economia brasileira é mais diversificada e teria ganhos mais extensos em termos setoriais”, explica Fernando Ribeiro, técnico de planejamento e pesquisa do Ipea, um dos autores do estudo, ao lado de Admir Junior e Weslem Faria.
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