Araucária Nitrogenados (Ansa), em Araucária| Foto: Reprodução
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A guerra na Ucrânia escancarou a dependência do mercado agrícola brasileiro da importação de fertilizantes. Em especial da Rússia, de onde vinha cerca de 25% dos fertilizantes consumidos no Brasil e cujas tropas invadiram o país vizinho no Leste Europeu há três semanas.

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Com o conflito militar, uma série de sanções inviabilizaram as exportações russas, ligando o alerta na agricultura. Junto, veio a pergunta: se a fábrica de fertilizantes da Petrobras em Araucária estivesse funcionando poderia atenuar as dificuldades criadas pela guerra na Ucrânia?

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A resposta de especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo é não, porque a produção da Araucária Nitrogenados S.A. (Ansa) já era ínfima para a demanda do mercado antes mesmo do conflito europeu.

Fechada desde setembro de 2020, a Petrobras lançou a fase vinculante da venda total da planta industrial na Região Metropolitana de Curitiba no mês seguinte.

Passado um ano e quatro meses, nenhum comprador demonstrou interesse em adquirir a fábrica do Paraná até agora. Além da Ansa, a Petrobras fechou entre 2017 e 2020 outras três fábricas de fertilizantes: em Camaçari (BA), Laranjeiras (SE) e Três Lagoas (MS).

O argumento da petrolífera para encerrar a produção de fertilizantes é de que iria se dedicar exclusivamente a seu propósito fim, que é produzir combustíveis. E é justamente a unidade do Paraná que vem atrasando o plano da Petrobras de se desvencilhar de vez desse mercado, já que é a única que ainda não foi negociada.

As duas plantas no Nordeste foram arrendadas para a Proquigel Química em 2019, mas só foram reativadas ano passado. Já a Unidade de Fertilizantes Nitrogenados (UFN3) de Três Lagoas foi a primeira a ser posta à venda, em 2017, mas só foi negociada em fevereiro desse ano, 20 dias antes da guerra. Adquirida pela gigante russa do setor Acron, a previsão antes do conflito militar era de que a fábrica no Mato Grosso do Sul voltasse a operar já em julho.

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A Ansa teve prejuízo de R$ 250 milhões em 2019 e a projeção de perda em 2020 era de R$ 400 milhões. O motivo, segundo a própria Petrobras, era o custo elevado da produção, cuja matéria-prima - um substrato residual da produção de asfalto - era mais cara do que o próprio produto final a ser comercializado, no caso, amônia e ureia.

O presidente do Sindicato da Indústria de Adubos e Corretivos Agrícolas do Paraná (Sindiadubo), Aluísio Teixeira, afirma que para ter uma participação efetiva no mercado a fábrica de Araucária precisaria expandir consideravelmente a produção, que era de apenas aproximadamente 1,5 milhão de toneladas quando fechou. O que seria impraticável pelo método industrial que a planta usava desde que foi fundada em 1982.

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"É um sistema antigo de produção, a partir de um subproduto do petróleo que é muito caro. Como o preço dos fertilizantes é baseado no mercado internacional, não vale a pena", avalia. "A Petrobras perdia nas duas pontas na produção de fertilizantes em Araucária. Perdia na produção, com custo muito alto. E perdia na própria venda do fertilizante, que era caro para o mercado", continua o presidente do Sindiadubo.

A principal produção da Ansa era de ureia, fertilizante mais consumido e mais importado no Brasil, usado principalmente nas lavouras de milho, trigo e cana. Para se produzir a ureia é necessário romper a molécula de nitrogênio, que junto com fósforo e potássio são os três nutrientes mais importantes na nutrição das plantas. Essa reação química é obtida a partir de temperaturas elevadíssimas, acima de 400°C, o que dificulta ainda mais a operação da fábrica de Araucária.

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"Além de ser grande produtor de fertilizante, a Rússia também é o maior produtor mundial de gás natural, que é usado em larga escala na produção dos fertilizantes nitrogenados. E com a guerra, o preço do gás também aumentou muito", avalia Teixeira.

Ureia de baixa qualidade

O agrônomo Bruno Vizioli, analista do Departamento Técnico e Econômico da Federação da Agricultura do Paraná (Faep), também não avalia nenhuma contribuição significativa na atual crise dos fertilizantes se a Ansa voltasse a operar. Vizioli lembra que a sede de Araucária já vinha atuando em regime hibernal desde 2013, quando a empresa produz apenas o mínimo para se manter na ativa. E a partir de 2018 começou a ser desligada para ser vendida justamente porque o custo da operação era muito alto e o volume comercializado era pequeno.

"A fábrica de Araucária faria pouca diferença no mercado. Tanto que foi a única das quatro plantas de fertilizantes da Petrobras no país que até agora não teve interessado na compra", enfatiza o analista da Faep.

Vizioli afirma ainda que a ureia produzida na Região Metropolitana de Curitiba era de baixa qualidade, o que tirava mais peso ainda do produto no mercado. "A ureia tem muito nitrogênio, mas isso se perde rapidamente no solo. Essa era a ureia produzida em Araucária. Só que o mercado hoje oferece ureia em que a liberação é feita lentamente, com a planta absorvendo bem mais os nutrientes, compara.

Como estão as importações com a guerra?

Sobre o cenário geral do mercado de fertilizantes, o representante do Sindiadubos admite estar bem assustado. Isso porque o Brasil ainda vai continuar dependente do mercado externo por mais anos, já que uma possível expansão da indústria vai demorar muito tempo. "O Brasil optou pela importação de fertilizantes, que era mais barato do que produzir aqui. Só que agora com a guerra não tem muita oferta e o preço está muito elevado", afirma Aluísio Teixeira.

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Por enquanto, os importadores brasileiros estão conseguindo receber as cargas já negociadas com a Rússia. Porém com o custo mais caro de navios, já que muitas empresas mercantes estão se negando a carregar na Rússia pelos embargos da guerra. "Conseguimos nos segurar por mais três ou quatro meses com as cargas que já tínhamos negociado. Vamos vender tudo isso e depois não sabemos como vai ficar, porque os preços já explodiram bastante", afirma Teixeira, citando o preço da própria ureia, que dobrou, cujo valor da tonelada saltou de US$ 500 antes da guerra na Ucrânia para US$ 1 mil atualmente.

Vizioli da Faep avalia que uma possível solução para o mercado de fertilizantes no Brasil vai levar no mínimo 15 anos, podendo até ultrapassar três décadas. "O Brasil já deveria ter tomado medidas para reduzir essa dependência do mercado exterior em 2010, quando apresentou sinais de que as reservas naturais estavam reduzindo muito", afirma. Vale lembrar que nos últimos anos o país vem batendo recordes no consumo de fertilizantes, fruto do bom resultado da agricultura. "Fizeram um planejamento errado e agora ainda veio essa guerra para piorar ainda mais o cenário", ressalta o analista.