A dificuldade de hospitais públicos e particulares e das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) em encontrar material para a proteção de médicos e enfermeiros coloca em risco o sistema de saúde no Paraná.
"Assim como toda a instituição em Curitiba estamos sim com estoque baixo de EPIs, porém a gestão tem orientado o uso racional. Mas observamos que logo os materiais começarão a faltar, pois não se consegue mais para compra", conta sob condição de anonimato um profissional que trabalha na Unidade de Pronto Atendimento da CIC, em Curitiba.
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Na luta contra o inimigo invisível, médicos e enfermeiros têm medo de se contaminar no trabalho e levar o vírus para casa. "Temos que levar a roupa contaminada para lavar em nossas casas correndo o risco de levar micro-organismos para nossa família. Estamos preocupados que, no momento do caos, todos nós venhamos a nos contaminar e levar isso para nossas casas também. Minha preocupação não é comigo, mas sim com minha família", afirma o profissional.
A mesma situação é registrada também no Hospital Pequeno Príncipe, na capital. "As pessoas que fazem atendimento primário de suspeita de coronavírus não estão adequadamente paramentadas. Estão dando aquele ‘aventalzinho’ de tnt, que engana que protege, e as máscaras cirúrgicas que não vedam adequadamente as gotículas", conta um técnico de enfermagem que trabalha na estrutura e que também pediu para não ser identificado.
Até o fim de março, o hospital não contava com nenhum caso confirmado de covid-19: 37 suspeitas foram descartadas. Mas o medo de contrair a doença é diário. "A gente está indo de peito aberto para atender essa população que está com suspeita de coronavírus", explica o profissional. Segundo ele, o hospital está racionando os equipamentos na expectativa do surto previsto para as próximas semanas. Ele cita como exemplo as máscaras N95, indicadas para proteger os profissionais, que deveriam ser trocadas a cada 12 horas, mas que os médicos são orientados a usar por 30 dias.
A Prefeitura de Curitiba informou que desde o começo da epidemia tem buscado equipamentos para abastecer o sistema de saúde municipal, mas que especificamente as máscaras têm se tornado um artigo difícil de conseguir no mercado por causa da elevada demanda mundial, o que elevou os preços de maneira "assustadora".
Corrida pelos insumos
“Estamos com capacidade para atender as necessidades do momento e nos precavendo para que na frente a gente não fique sem. Estão vendendo, nós estamos indo atrás", afirma Beatriz Nadas, superintendente executiva da Secretaria Municipal da Saúde. Ela diz que a Prefeitura tem conhecimento da escassez de EPIs na UPA CIC, mas que insumos serão enviados nos próximos dias à unidade.
Em nota, o Hospital Pequeno Príncipe informou que os EPIs são disponibilizados de acordo com as diferentes funções desempenhadas pelos profissionais de saúde e que "desde janeiro adotou diferentes medidas para se preparar para a assistência de possíveis casos da doença. Entre elas, revisão de protocolos, reforço dos estoques dos equipamentos de proteção individual (EPIs) e preparação das equipes".
O problema não é só na capital. "Temos relatos que principalmente em hospitais menores, do interior, esses EPIs estão sendo racionados. Aí vem o risco para os nossos profissionais adoecer também", afirma Rita Franz, presidente da Associação Paranaense de Enfermagem. "Os profissionais de enfermagem têm reivindicado junto a seus conselhos regionais e até o federal que seja feita uma fiscalização maior e uma cobrança aos governantes para que haja uma melhora nessa área e evitar uma contaminação em massa dos profissionais", alerta Franz.
Riscos no Brasil
O Ministério da Saúde anunciou ter distribuído aos estados na última semana 40 milhões de itens para a segurança dos profissionais da saúde: máscaras cirúrgicas, aventais, toucas hospitalares, sapatilhas, luvas para procedimentos não cirúrgicos, além de álcool. O ministro Henrique Mandetta afirmou em coletiva (31/03) que, ao todo, 300 milhões de itens de EPIs serão enviados aos estados para garantir a cobertura para pelo menos os próximos 60 dias.
Atualmente a situação mais preocupante é a do estado de São Paulo, onde o Sindicato dos Servidores de São Paulo levantou que, de 1º a 28 de março, 1.080 profissionais foram afastados na rede pública por suspeita de contaminação. Além disso, o hospital Sírio Libanês teve 104 funcionários afastados e o hospital Israelita Albert Einstein somou 348.
"A epidemia em nível de Curitiba e do Paraná está bem diferente de São Paulo. A cidade e o estado de São Paulo preocupam muito. Em Curitiba, o vírus está circulando, mas de uma forma amena. Mas em toda epidemia um dia pode ser diferente do outro", avalia Clóvis Arns, presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).
As medidas de quarentena e de restrição da economia tomadas pelo governo do Paraná são consideradas "saudáveis" por Flaviano FeuVentorim, presidente da Federação das Santas Casas de Misericórdia e Hospitais Beneficentes do Estado do Paraná (Femipa). Isso permitiu manter a situação sob controle, pelo menos por enquanto. Algumas medidas como a redução do número de visitas permitidas e o das cirurgias eletivas nos hospitais também ajudam.
Mesmo assim os itens de proteção individual dos profissionais são usados em ritmo acelerado. "O estoque que devia durar um mês foi consumido em dez dias. Tivemos também casos de furtos de álcool e máscaras", relata Ventorim. "Hoje a nossa preocupação é preservar o profissional de saúde porque se o profissional de saúde adoecer, quem vai atender os doentes?", questiona.
Para evitar que médicos e enfermeiros doentes, mas assintomáticos ou com sintomas leves, continuem trabalhando e espalhando o contágio, o ideal seria testar diariamente cada um deles. A medida, porém, não seria viável, segundo Ventorim, pela insuficiência de kits para exame e pela quantidade de profissionais da saúde: só no Paraná há 102 mil profissionais de enfermagem, que em nível nacional se tornam 2,45 milhões. E isso sem contar os médicos.
A falta de testes para profissionais da saúde e a escassez de EPIs, porém, criou fatores decisivos para que a pandemia de coronavírus se espalhar na Itália.
A lição da Itália
País mais afetado pela epidemia de covid-19 por número de mortes, a Itália tem colecionado erros que contribuíram ainda mais para a disseminação da doença. Além das morosas decisões políticas nas primeiras semanas da crise, a dificuldade em encontrar materiais de proteção individual para abastecer os hospitais espalhou o vírus rapidamente entre pacientes de outras especialidades, além de médicos, enfermeiros e seus familiares.
Quando o número de contágio explodiu no final de fevereiro, o sistema de saúde da região da Lombardia – público, gratuito e considerado de alto nível – revelou suas falhas: insuficiência de leitos de UTI e de profissionais da saúde, falta de máscaras, luvas, aventais, óculos, toucas e um protocolo para o enfrentamento de epidemias obsoleto, que remontava à gripe H1N1 de 2009.
Por causa da falta de kits para o exame do coronavírus e da demora em analisar os testes, os hospitais italianos passaram a testar apenas os profissionais da saúde com sintomas. Como acontece hoje no Brasil. O resultado foi que muitos médicos e enfermeiros infectados, mas assintomáticos, continuaram trabalhando. De nada adiantou decretar a quarentena no país, enquanto os hospitais se tornavam verdadeiras bombas biológicas.
De acordo com os dados do Instituto Nacional da Saúde da Itália divulgados no começo dessa semana, 63 profissionais da saúde morreram desde o começo da epidemia e 8.358 testaram positivos para a covid-19.
Com as mortes e o afastamento de milhares de médicos e enfermeiros, a capacidade de atendimento dos hospitais foi prejudicada, saturando ainda mais o sistema.
Para enfrentar a crise, dezenas de profissionais da saúde foram importados de vários países como China, Rússia, Cuba e Albânia. A Alemanha enviou aviões para buscar dezenas de pacientes italianos que estão sendo tratados em seus hospitais. Outros países como Estados Unidos e Brasil enviaram ou venderam cargas de material sanitário para os hospitais italianos. Hoje, o país acumula mais de 15 mil mortos e quase 90 mil infectados, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
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