Eliane Oliveira precisou percorrer 220 quilômetros para dar à luz Ana Clara, mesmo tendo uma hospital recém-construído a dois quilômetros de casa. Pior ainda foi no parto de Leonardo Rafael, que nasceu prematuro e precisou ficar 59 dias na UTI Neonatal. Foram quase dois meses que Eliane ficou longe de casa. Ela mora em Telêmaco Borba, cidade nos Campos Gerais que não tem estrutura para atendimento a gestantes de alto risco e que usa o Hospital do Rocio, em Campo Largo, como referência. Essa logística acabou sendo necessária porque a estrutura erguida na cidade nunca foi usada para o seu propósito – mesmo tendo sido inaugurada três vezes, por três governadores, ao longo da última década. O Hospital Regional de Telêmaco Borba foi entregue em 2009, mas só deve começar a funcionar daqui a um mês, forçado pela pandemia do novo coronavírus e graças ao impulsionamento vindo da iniciativa privada.
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A falta de um estabelecimento hospitalar de referência fez diferença na vida da técnica em enfermagem Eliane Oliveira e só não foi mais problemática porque ela conseguiu, em outro lugar, o atendimento de que precisava. Com endometriose, ela passou anos em tratamento para tentar engravidar. Quando conseguiu, em 2016, foi enquadrada como gestante de risco, por causa da idade (38 anos) e da diabetes em estágio inicial. O bebê decidiu vir ao mundo às 28 semanas de gravidez. O parto foi feito às pressas em Telêmaco Borba, mas a cidade não tem Unidade de Terapia Intensiva (UTI) adaptada para recém-nascidos. Quatro horas depois de nascer, com o 1,2 quilo, Leonardo Rafael foi transferido para Campo Largo. “O risco maior dele foi a viagem”, comenta Eliane.
A mãe ficou ao lado do bebê até que ele se fortificasse e ganhasse peso. Para isso, ela se hospedou em uma casa de apoio e voltava pouco para Telêmaco. A maior parte dos parentes só conheceu o nenê quando teve alta, aos dois meses. Aos 41 anos, quando engravidou novamente, Eliane foi levada diretamente para o Hospital do Rocio para o parto, em função da pressão arterial alterada e da diabetes. Ana Clara, nascida de 38 semanas de gestação, não precisou de UTI Neonatal, mas os médicos precisavam ter a garantia de uma estrutura hospitalar adequada caso houvesse alguma complicação durante o parto.
As necessidades de Eliane poderiam ter sido atendidas em sua cidade, caso o Hospital Regional de Telêmaco Borba estivesse em funcionamento. A unidade foi idealizada na gestão de Roberto Requião, que defendia a descentralização do atendimento de saúde, como polos de tratamento que evitassem mais próximos dos pacientes, evitando grandes deslocamentos. O hospital que começou a ser construído em 2006 foi inaugurado às pressas, em 2009, antes que o comando do governo fosse passado para o vice Orlando Pessuti.
Mas a estrutura não estava totalmente pronta e foram notados problemas na construção que inviabilizaram o funcionamento. Seriam necessárias mais obras. A Gazeta do Povo procurou o Ministério Público para saber se a empreiteira ou mesmo os gestores governamentais foram responsabilizados pela incompletude do hospital e recebeu como resposta apenas que um procedimento foi aberto e que a promotoria preferia não comentar o caso no momento.
No primeiro mandato de Beto Richa, a decisão foi por mudar o perfil proposto para o hospital, que deixaria de ser uma unidade de atendimento geral, para vários tipos de necessidade, e passaria a ser uma maternidade, englobando o atendimento pré-natal e também casos de alta complexidade. Para a transformação idealizada, seriam necessárias adaptações. Os projetos foram feitos nos primeiros anos e, no mandato seguinte, foram realizadas obras. Mas novamente o tempo e o dinheiro gastos não foram suficientes para fazer o hospital funcionar. Mesmo assim, foi novamente inaugurado.
Quando Cida Borghetti assumiu o governo, em 2018, a decisão foi por transformar a unidade, ao menos temporariamente, em um ambulatório para atendimento de gestantes. E para isso foram feitas adaptações paliativas e mais uma inauguração. A pressa tinha mais uma motivação: uma investigação descobriu que o hospital que nunca havia funcionado tinha funcionários e alto escalão, como diretorias, com polpudos salários. Foi necessário justificar o gasto. Então, por alguns meses, uma espécie de consultório foi instalada.
Como não havia nem licença nem estrutura para cirurgias e outras necessidades emergenciais, o ambulatório foi fechado no governo de Carlos Massa Ratinho Junior, começando uma nova fase de estudos e projetos para colocar o hospital para funcionar. Segundo o secretário de Saúde de Telêmaco Borba, Ede Pukanski, os problemas encontrados incluem falta de geradores de energia, de rede de saneamento corretamente ligada, de ar condicionado e de gases. “Precisamos desse hospital porque a regional tem os piores indicadores de mortalidade materna e infantil do Paraná”, afirma o secretário.
Por mês, cerca de dez gestantes de alto risco da região são encaminhadas para o Hospital do Rocio, em Campo Largo. Os casos de baixo e médio risco são atendidos no Instituto Doutor Feitosa, hospital privado com 130 leitos de enfermaria e 10 leitos de UTI, que atende pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A falta de um hospital público se acentuou no momento do planejamento da estrutura necessária para atender os casos de Covid-19. Por enquanto, Telêmaco Borba teve a confirmação de seis casos, mas a regional se prepara para reforçar a base hospitalar.
O comitê montado para discutir a situação identificou a necessidade de mais leitos e também de áreas de isolamento, assim como mais respiradores em UTI. Ao invés de montar um hospital de campanha, o plano de contingência idealizado pelo comitê propôs a abertura do Hospital Regional. A Klabin, fabricante de papel e principal empresa da região, se dispôs a agilizar a conclusão das obras e doar o que fosse necessário para que a unidade hospitalar finalmente fosse entregue ao público.
A previsão é de que em um mês estejam disponíveis 40 leitos de enfermaria e 10 UTIs para atender os pacientes com Covid-19 de Telêmaco Borba e região, com investimento estimado em R$ 1 milhão. Após o período da pandemia, a unidade completa deverá ter 120 leitos de internamento e 10 UTIs neonatais. “Esperamos que dessa vez vá”, diz o secretário municipal de saúde. Uma resolução recente permite que a estrutura funcione mesmo sem licença, como excepcionalidade, no momento de pandemia. Mas Ede Pukanski acredita que as obras que serão feitas tornarão a unidade apta para o licenciamento.
Por e-mail, o diretor Industrial de Papéis da Klabin, Arthur Canhisares, respondeu as perguntas feitas pela Gazeta do Povo. Sobre a decisão de ajudar na conclusão do hospital, disse que “este é um momento crítico que requer solidariedade mútua”. Informou que a Klabin doará bens e serviços que serão suficientes para operacionalizar o Hospital Regional de Telêmaco Borba, na qualidade de complexo hospitalar de campanha, especializado para prestar atendimentos à população durante o período de pandemia da Covid-19.
Ainda de acordo com a empresa, foram iniciadas “as adequações de construção civil, elétricas e hidráulicas e a compra de equipamentos”, de acordo com lista definida pelo governo estadual. A indústria não informou o valor a ser gasto, mas confirmou que “trata-se de uma doação, sem qualquer tipo de compensação”. A companhia já fez doações de testes rápidos, equipamentos de proteção individual (EPIs), luvas, máscaras, álcool em gel e aventais.
A Secretaria de Estado de Saúde não respondeu os pedidos de entrevista feitos pela Gazeta do Povo.
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