Interrompida no mês passado por determinação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama) a supressão da vegetação para a instalação de um dos trechos das linhas de transmissão do Sistema Gralha Azul, que corta a Escarpa Devoniana, importante bioma paranaense, foi retomada após o órgão nacional concluir não ser necessária sua anuência para o licenciamento ambiental da obra, cuja responsabilidade seria exclusiva do órgão estadual, o Instituto Água e Terra (IAT), que já concedeu as licenças de instalação para o empreendimento. O Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente do Ministério Público do Estado contesta, apontando que houve um fracionamento irregular sobre as áreas desmatadas no estudo de impacto ambiental do projeto.
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Pela legislação, qualquer projeto que envolva a supressão de vegetação superior a 50 hectares necessita da anuência do Ibama para obter a licença de instalação. O projeto Gralha Azul, conduzido pelo braço brasileiro da empresa brasileira Engie, prevê a supressão total de 93,9 hectares. Mas a obra foi dividida em dois trechos, com dois licenciamentos diferentes, um prevendo a supressão de 49.67 hectares e outro de 44,24. Provocado pelo MP, o Ibama chegou a suspender a supressão da vegetação temporariamente, até analisar a documentação apresentada pela empresa e pelo IAT. Após essa análise, o órgão nacional concluiu que, por se tratarem de obras com supressão inferior a 50 hectares, não seria necessário sua análise sobre os estudos de impacto ambiental.
“Nós entendemos que há um fracionamento indevido do cálculo. Apesar de dois trechos, é um projeto só. E eles estão querendo calcular separadamente, como se fossem projetos distintos, para não se submeter a anuência do Ibama”, aponta o promotor de Justiça Alexandre Gaio.
O promotor cita que esta questão legal é uma das mais sensíveis nas discussões do MP com a empresa e com os órgãos ambientais. “A visão do Ministério Público é que esta é uma obra importante, dotada de utilidade pública, mas que precisa cumprir toda a legislação ambiental, cause o menor impacto ambiental possível e que tenha medidas compensatórias proporcionais ao tamanho do empreendimento e ao impacto que ele causa”, diz. “E essa questão legal parece ser o maior obstáculo, pois, enquanto a empresa não tem, em regra, olvidado, negado os acessos às informações dos estudos e estão se dispondo a complementar os estudos nas inconformidades que apontamos, na questão da anuência do Ibama, eles parecem irredutíveis, assim com o IAT e o próprio Ibama. E, para nós, essa é uma questão muito cara. Se não houver entendimento, acabaremos tendo que judicializar”, acrescenta.
Além da questão legal, o MP questiona o fato de os estudos ambientais não terem calculado a afetação de alguns espaços considerados importantes. “O estudo não calculou a redução permanente na modalidade topo de morro, não calculou a supressão nas áreas úmidas, não classificou o estágio sucessional dos campos naturais, que teriam afetação gravosa por conta do empreendimento. Isso, além de estar previsto, precisa apontar as medidas compensatórias”, explica Gaio.
O promotor comenta que a maior dificuldade no acompanhamento do empreendimento é questionar os estudos de impacto ambiental com o empreendimento já em andamento, com as licenças já concedidas. “Nós não somos contra o empreendimento. É uma obra considerada de utilidade pública. O grande problema ocorre nos leilões na ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), porque nos leilões se fixa um trajeto que deve seguir a linha. Isso faz com que a gente tenha pouca condição de mobilidade para que tenha o menor impacto ambiental possível. Se estivéssemos na fase de licença prévia, se pudéssemos discutir o trajeto, conseguiríamos reduzir o impacto com mais efetividade. Nesse sentido, acho muito difícil discutir nesse momento essas questões, quando se tem uma autorização de supressão, de desmatamento. Temos que focar nas medidas compensatórias. Se vão desmatar 90 hectares, que tenhamos 200 a 300 hectares de reflorestamento na região. Mas não há detalhamento disso nos estudos deles”, diz, salientando que o empreendimento também não pode ser apontado como vilão do meio ambiente. “Só no ano passado, tivemos 2,7 mil hectares de desmatamento ilegal no estado. Então, não são os 90 hectares deste empreendimento a situação mais grave, desde que haja medidas compensatórias”.
Concessão federal, fiscalização estadual
A Engie foi a vencedora do leilão de transmissão realizado pela Aneel em 2017, recebendo a concessão, pelo prazo de 30 anos, do sistema necessário para reforçar o sistema elétrico e melhorar a qualidade da energia que abastece a região Centro-Sul do Paraná, conforme apontam estudos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e do Operador Nacional do Sistema (ONS).
Depois de pronto e integrado ao Sistema Interligado Nacional, o Gralha Azul trará à região a energia gerada por meio de diferentes fontes, espalhadas pelo Brasil, como hidrelétricas, eólicas, solares, e, em especial, a energia gerada na Usina Hidrelétrica de Itaipu. “Esse suprimento é de fundamental importância especialmente para a região Centro-Sul do Paraná, onde a defasagem dos sistemas de transmissão atuais incorre em problemas de fornecimento para o setor industrial e o agronegócio”, diz a empresa. A previsão é que o Sistema seja concluído em 2021, com a operação escalonada iniciando no mês de julho.
A empresa diz que "o licenciamento ambiental foi feito de forma extremamente qualificada, e seguindo estritamente todas as normas técnicas e legais aplicáveis - sendo analisado com zelo pelo órgão ambiental responsável, o Instituto de Água e Terra (IAT)". "O projeto também obteve a anuência dos 27 municípios atingidos e foi submetido a outras instâncias estaduais e federais de interveniência, como Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Fundação Cultural Palmares (FCP), Fundação Nacional do Índio (Funai), Comandos aéreos (COMAR), Agência Nacional de Mineração (ANM), concessionarias públicas e privadas responsáveis pela travessias sobre rodovias, ferrovias e hidrovias, e órgãos que tratam do patrimônio histórico e natural, como a Coordenação Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (CEPHA), que anuiu a passagem pela APA da Escarpa Devoniana”, afirma.
Em entrevista ao site da empresa, o diretor de implantação do Sistema de Transmissão Gralha Azul, Márcio Daian Neves, citou que a organização mantém 17 projetos socioambientais para a região por onde passarão os mais de mil quilômetros de linhas de transmissão. Entre eles o “resgate de germoplasma”, que consiste na coleta de sementes de vegetação nativa, com o objetivo de assegurar a variabilidade genética de espécies importantes para o ecossistema local. “Antes das atividades necessárias de supressão, uma equipe de biólogos e engenheiros florestais vistoria a área e seleciona indivíduos para a coleta de frutos e sementes, priorizando as espécies ameaçadas, como araucárias e cedro rosa. Essas sementes são encaminhadas para viveiros do Instituto Água e Terra, ou outros bancos de armazenamento, para produção futura de mudas a partir de material genético local. Já resgatamos mais de 1,7 milhão de sementes, de 43 espécies diferentes”, disse.
O Instituto Água e Terra informou que o licenciamento das linhas de transmissão da Engie Brasil encontra-se na fase de instalação. “O processo de licenciamento seguiu todos os ritos legais, incluindo reuniões técnicas com os atingidos e a municipalidade, audiências públicas e estudos devidamente publicados. Tal empreendimento dará um aporte energético à região Centro-Sul e metropolitana de Curitiba garantindo a manutenção e implantação de novos empreendimentos, empregos e impostos ao Estado do Paraná”.
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