Investigação mais confusa da história da segurança pública do Paraná – talvez do Brasil -, o desaparecimento e morte do menino Evandro Ramos Caetano em Guaratuba, no litoral do Paraná, em 1992, deve voltar aos tribunais após revelação do conteúdo de uma fita cassete desaparecida há quase 30 anos. A defesa de Celina e Beatriz Abagge, acusadas de serem mandantes do crime, já confirmou que vai entrar com pedido de revisão criminal e indenização.
O responsável por garimpar a prova que pode mudar o rumo do processo é o jornalista e professor Ivan Mizanzuk, que em 2018 lançou o podcast “Projetos Humanos – O Caso Evandro”, que deu origem à série “Caso Evandro”, lançada em maio na plataforma de streaming Globoplay com direção do cineasta Aly Muritiba.
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Desde que foi liberado aos assinantes do Globoplay, na última quinta-feira (3), o episódio que revela o conteúdo da fita, a série lidera os comentários nas mídias sociais, chegando aos trending topics do Twitter no país. Tamanho interesse levou a Globoplay a adiantar para sábado (5) o capítulo extra em que há um resumo dos muitos erros no processo de Evandro e mais detalhes das falhas também cometidas pelas autoridades na apuração do caso Leandro Bossi, outra criança da mesma cidade desaparecida 51 dias antes sem ganhar repercussão por parte da polícia e da imprensa até o início da investigação do caso Evandro. Até hoje, a polícia não conseguiu comprovar relação entre os dois casos.
A fita que teria a confissão de Celina e Beatriz Abagge, esposa e filha do então prefeito de Guaratuba, Aldo Abagge, e de outros acusados de matarem Evandro em suposto um ritual de magia negra era citada durante a investigação por um dos personagens centrais da trama, o engenheiro Diógenes Caetano. Mas até o documentário, essa gravação nunca havia sido encontrada para ser incluída ao processo. Diógenes é primo de segundo grau do menino Evandro, havia deixado o posto de investigador da Polícia Civil poucos anos antes e desafeto político dos Abagge. Diógenes colaborou ativamente com a apuração paralela da Polícia Militar (PM) que prendeu os sete acusados.
No processo, os acusados confessaram a morte do menino, inclusive em depoimentos gravados pela PM em fitas VHS. A fita cassete trazida à tona pela série do Globoplay também foi gravada por policiais militares e também revela confissões. Porém, mediante tortura.
“Olha, menina, acho que vamos ter que continuar na nossa sessão porque você não está querendo falar, né?”, diz na gravação um dos policiais no interrogatório feito sem mandado judicial de Beatriz Abagge, que, diante da ameaça, concorda na gravação em “colaborar”. “’Entroxa’ a cabeça desse cara para baixo”, diz o policial ao interrogar Vicente de Paula, ajudante no terreiro de umbanda do pai de santo Oswaldo Marcineiro.
Grupo Águia
A prisão dos acusados foi feita por integrantes do Grupo Águia da Polícia Militar, equipe formada pouco antes do caso Evandro, originalmente para combater assaltos a ônibus nas estradas e o desvio de cargas. Com nome oficial de Ação de Grupo Unido de Inteligência e Ataque, o Águia era um braço do Setor de Inteligência da PM, a P2, departamento responsável por coletar informações para o planejamento de operações da corporação. Policiais da P2 normalmente atuam sem farda – por isso também são conhecidos por Serviço Reservado.
A decisão para que o Grupo Águia entrasse no caso teve aval do próprio governo do estado, descumprindo a Constituição, que determina que investigação criminal cabe exclusivamente à polícia judiciária, no caso, a Polícia Civil. Com as autoridades insatisfeitas com o ritmo da investigação até então comandada pelo Grupo Tigre, unidade de elite da Polícia Civil formada dois anos antes para solucionar outro tipo de crime que ganhava força no Paraná, os sequestros, o Águia ganhou carta branca para investigar o Caso Evandro por conta própria.
Em poucos dias de apuração, o Grupo Águia da Polícia Militar prendeu além de Celina e Beatriz Abagge, Oswaldo Marcineiro, Vicente de Paula e Davi dos Santos Soares, o gerente da madereira da família Abagge, Airton Bardelli, e o vizinho e dono do imóvel em que Marcineiro morava, Sérgio Cristofolini. Todos foram interrogados sem mandatos.
No primeiro julgamento do caso, em 1998, o mais longo da história da Justiça brasileira com 34 dias, os sete acusados foram inocentados pelo júri. Em 1999 o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou o julgamento. Com exceção de Cristofolini e Bardelli, os acusados foram condenados 2011.
"Sessão de cinema que não é..."
O próprio promotor do caso, Paulo Sérgio Markowicz, que ao longo do documentário defende a culpa dos acusados, se choca ao ouvir o conteúdo no capítulo em que a gravação é revelada. “Parece que é um prato cheio para a defesa. Sessão do quê? De cinema que não é”, reage o membro do Ministério Público ao trecho em que o policial militar do Grupo Águia diz que “vai ter que continuar a sessão” porque Beatriz Abbage não estava “colaborando”.
“O mínimo que se pode esperar é uma revisão do caso e um pedido de desculpa a essas pessoas pelo que foram submetidas, por terem suas vidas destruídas. O estado do Paraná tem obrigação de pedir desculpas”, cobra no documentário o advogado de Celina e Beatriz Abbagge, Antonio Augusto Figueiredo Basto, dando a entender que o Caso Evandro pode retornar aos tribunais.
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