Em cumprimento às orientações de isolamento social devido à pandemia de Covid-19, o presidente da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), Carlos Valter Martins Pedro, está trabalhando em home-office em Maringá, no Noroeste do Paraná. Ele só sai de casa para ir até o escritório da indústria de bombas hidráulicas que fundou há quase 40 anos, mas nem chega a colocar o pé no chão da fábrica. Como prevenção.
E por prevenção, também, ele não acredita numa retomada súbita da atividade econômica no estado. Em entrevista à Gazeta do Povo, ele diz que a diversidade industrial do Paraná faz o estado ser mais resiliente diante da crise do coronavírus, mas assegura que a pandemia vai deixar muitas lições. Entre elas, a necessidade de uma reforma tributária que tire imposto dos produtos e transfira para a renda e o consumo. Uma lição que pode ser aprendida ao se analisar o "absurdo" da quantidade de máscaras que o país precisou importar. Confira.
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Começamos 2020 no Paraná com um índice de crescimento industrial acumulado de 5,2% ao ano, perto dos padrões chineses. Qual é a realidade hoje, após a pandemia e as medidas de restrições?
Realmente, fechamos ano passado com índices até propagados como índices chineses. Mas eu cito mais. Depois de 2014, e até 2018, tivemos uma recessão no país, a mais longa e mais perniciosa que eu conheci enquanto empresário. No ano passado, tivemos situação de alguma estabilidade, de alguma visão da atividade econômica mais estável com a condução do novo governo. Isso permitiu que nós estivéssemos com a inflação controlada, com a política de juros em patamares mais honestos. Estávamos prevendo um ano melhor em 2020, em que realmente a gente pudesse fazer um planejamento e talvez até voltar a ter investimento na indústria. Claro, ninguém aqui e no mundo esperava a situação com que nos deparamos, em relação a essa crise do coronavírus. E isso joga a indústria a uma situação de retração por causa da proteção da saúde. Primeiro, o isolamento da grande maioria, e agora a volta da atividade econômica, mas de forma muito gradual. A expectativa para o ano, em meio à incerteza que vivemos, é de que teremos de transformar nossos custos e otimizar os produtos, por que o mercado não será o mesmo.
Mas já estamos encolhendo também, como toda a economia do país.
Fechamos agora a produção industrial do 1.º trimestre, e o Paraná caiu 4,9% em relação ao mês anterior. Só que o Brasil, como um todo, caiu 9,1%. Ou seja, nós tivemos uma situação melhor, caindo menos do que o Brasil e menos até que São Paulo, que significa mais de um terço de toda a produção industrial do país. Então, o Paraná continua com números ruins, mas menos ruins do que em outros lugares, e isso se deve à nossa diversidade industrial, que favorece não termos tanta fragilidade nessa situação que passamos agora. Mas a expectativa, e é também o que o Ministério da Economia está colocando, é de que nós tenhamos talvez a maior recessão da história no PIB, fala-se em algo superior a 4%, que seria uma recessão histórica. E nós da indústria precisamos estar prontos e preparados para enfrentar mais essa dificuldade.
Dados do governo estadual apontam que 89% das empresas do Paraná estão em operação, estão emitindo nota fiscal. Mas só essa informação não é suficiente para medir a febre do paciente, não é?
A verdade é que num primeiro momento, lá na segunda quinzena de março, nós fizemos um isolamento e uma paralisação para proteção de saúde. Foi recomendado pelas autoridades para proteção dos nossos trabalhadores da indústria. Automaticamente, fechamos. Agora temos um retorno gradual das indústrias, que já pode estar nessa faixa que o governo está colocando, de mais de 80% – ele tem os dados. Mas tenho condições de afirmar que isso é de uma forma gradual, muito incipiente, por causa da atividade econômica que não permite que a fábrica volte à plenitude de sua produção. Primeiro porque a indústria também tem muitas restrições em muitos municípios aqui no Paraná. Segundo, porque grande parte do comércio ainda está fechada ou trabalhando em situação de muita restrição. E tem o principal, o consumidor, que vai consumir o que a indústria produz e o comércio vende, mas ele está isolado economicamente. O consumo de bens duráveis está em segundo ou terceiro plano nesse momento. Enquanto nós não recuperarmos essa confiança, um mínimo de atividade econômica estável, as compras vão estar retraídas. Naturalmente, não tem como produzir num ritmo que tínhamos antes.
Que setores sofrem mais e quais estão até se dando bem com a nova realidade?
Como eu disse, é preciso atentar para a questão da diversidade. Nós temos uma situação em que produtos alimentícios, por exemplo, são os que menos perdem, justamente por serem itens de primeira necessidade. E o que mais perde, teoricamente, são as máquinas e equipamentos. As indústrias que produzem bens duráveis, por exemplo, que estão numa situação de menor atividade econômica. Essa diversidade auxilia. Os produtos de primeira necessidade caíram muito menos, e teve alguns até que, ainda bem, não caíram. E os de fabricação de produtos de bens duráveis – máquinas e equipamentos – é o que registra a maior perda. A questão da indústria automobilística, a produção do mês passado de automóveis no Brasil foi histórica, não houve produção, a indústria toda parada. Automaticamente, toda a cadeia de fornecimento desse setor tão importante, está retraída, está parada. Automaticamente, tem uma baixa da atividade econômica muito expressiva.
Acho que o Paraná é um estado que tem um privilégio pela sua diversidade, tanto de produção da agroindústria, da produção agrícola, da produção industrial diversificada. Isso é muito bom, minimiza um pouco as nossas fragilidade, mas não podemos fugir do contexto do Brasil e mundial, que é de retração absoluta nesse momento.
Como a economia paranaense está resistindo? O senhor tem informações sobre quebras e falências?
Nós temos dificuldades hoje de dados oficiais. Primeiro, que tem um isolamento e tem o home-office. Os próprios dados de desemprego ainda não estão atualizados, os últimos oficiais são de dezembro do ano passado. Os dados desse ano ainda não estão disponibilizados pelo governo, não pelo menos em sua plenitude, para fazermos uma análise. Claro que temos indícios de desemprego em muitas e muitas atividades, não sabemos precisar ainda quantas.
A Medida Provisória 936 do governo foi muito importante para dar alento à decisão do empresário, em relação a uma coisa muito importante, que é o emprego, o nosso trabalhador. E você tinha uma situação, com a insegurança do futuro, de demitir ou preservar. A ajuda da MP 936 vem dar um alento, pelo menos por 90 dias, para que você possa reduzir a jornada de trabalho, suspender contratos e assim por diante, para você poder fazer algo essencial, que é a preservação de emprego. Que é muito mais do que isso, que é o salário, o sustento da família, ou seja, a dignidade do nosso trabalhador.
Mas não chegaram relatos mais dramáticos de empresas que já sucumbiram?
O fato de você ter uma falência, ou alguma coisa, é um processo. Decretar e fazer isso é burocrático, um pouco demorado. O que nós temos são atividades em que as pessoas, os empresários, eles tomaram a decisão de fechar, de não seguir. Felizmente, não muito na parte industrial, e sim em outros setores em que a gente tem relacionamento. Se for olhar o setor de serviços, de turismo, e assim por diante, nós temos uma situação muito difícil. A indústria tem uma particularidade. Eu tenho investimento em capacidade produtiva, equipamentos, máquinas, produto, e não é tão fácil de você falar “fecho”, parei de produzir. Tem toda uma cadeia nisso, tem toda uma vida colocada numa indústria. Não é uma decisão de fechar como um hotel ou restaurante. Na indústria a decisão é muito mais dolorosa. Então, de falência, não temos dados; como decisão de fechamento, temos notícias. Felizmente, os índices maiores não são na área da indústria.
Como o senhor imagina que deva ser o processo de retomada? Poderia estar tudo aberto, como prega o presidente da República?
Nós somos favoráveis à retomada gradual, segura, com situações de proteção da saúde, que está acima de tudo, então tem que fazer. Só que ficar paralisado totalmente como alguns municípios e estados estão fazendo, também decreta uma situação de caos econômico, que não sei aonde pode nos levar. O que acontece é que o domínio, a situação desse vírus, não está sob controle de ninguém. Nós não sabemos o que pode acontecer, por isso o mundo todo está nessa situação. Alguns países já abrindo, outros menos, e nós nessa situação particular do Brasil, com uma indução do governo federal para abrir, dos governos estaduais nem tanto, e os municípios é que têm autoridade de fazer. Nós achamos que a atividade deve ser retomada, dentro desses padrões, mas tem uma dificuldade extrema do industrial, e eu sou um deles. Como que eu chamo todos os meus funcionários para plenitude do trabalho, se eu não sei o que poderia haver de contaminação, qual risco real que eu tenho nisso tudo? Um segundo ponto é que eu também não tenho atividade econômica. Se eu não retomar a situação da produção industrial, do comércio investindo em estoques, fazendo giro, e, principalmente, o consumidor voltar a adquirir, a economia voltar a girar, também eu não tenho a possibilidade da decisão de voltar a atividade à sua plenitude. É uma ansiedade que nós estamos vivendo na indústria.
Mas tem uma coisa. O Brasil é a sexta maior população do mundo, nós temos um grande mercado. Nós não podemos continuar tão dependentes de insumos de produtos importados, como estamos. Beira o absurdo nós termos importado cargas imensas de máscaras. Hoje isso não acontece mais, por que a indústria já voltou a produzir, e aqui no Paraná nós temos muitos exemplos, inclusive de ação de nós da Fiep. Mas não podemos ser tão dependentes assim de insumos importados. Temos um grande mercado e isso tem que ser explorado pela indústria brasileira.
E isso deve ser política de governo?
Isso é política de governo, e eu acho que tem de ser discutido nessa abertura ou em análise posterior, na reforma tributária, na composição dos custos. Por que é tão caro produzir no Brasil? Por que você compra aqui nos países vizinhos, ou quando vai aos Estados Unidos, volta de bagagem cheia? Por que lá é mais barato? É nossa composição de custos, em que a matéria prima, e o processo produtivo, são acrescidos de muitos impostos sobre o produto. E isso é muito injusto inclusive com a própria população que está comprando, porque tem um imposto imenso naquele produto. E temos também aquela dificuldade, que se fala muito de custo Brasil, que existe, é real. A nossa logística, a nossa distribuição, a maneira de a indústria operar no Brasil, os custos indiretos que temos, as normas regulamentadoras, tudo isso vai para o produto. Precisamos mudar isso para que nosso produto tenha competitividade, tenha preço justo e volte a permitir que nós, além de explorarmos o mercado interno, possamos voltar a ser exportadores de manufaturados. É outro absurdo eu ter na pauta de exportações do Brasil basicamente commodities. Ou é agricultura, complexo soja e assim por diante, ou é o petróleo, é o minério de ferro. O primeiro produto que eu tenho na pauta de exportações está lá beirando o 10.º lugar, quando entra, é automóvel ou avião. E a gente sabe também que tem uma composição de importados muito grande. Ou seja, eu não tenho manufaturado brasileiro sendo exportado com competitividade para o mundo, apesar de estarmos inseridos num grande mercado e com a capacidade produtiva que temos. É uma coisa que precisamos mudar.
Isso envolve que tipo de mudanças? Tem a ver com protecionismo?
Não. Essa situação que nós temos agora mostra a fragilidade da pessoa humana. Eu nunca fui impedido de trabalhar na minha empresa, que tenho há 38 anos. Nunca aconteceu antes. Na questão pessoal, você e eu ficamos em casa, sem poder ter contato. Nós tivemos um Dia das Mães em que a família não se reuniu, então, olha a fragilidade humana. E isso vai motivar um outro olhar, também na economia. As cadeias globais de fornecimento devem ter alguma mudança, que vai colocar uma proteção maior para os mercados, para proteção e segurança interna. Automaticamente, acredito que para a indústria brasileira isso possa ser uma oportunidade. Mas a composição do custo do produto brasileiro precisa mudar. Hoje a nossa carga fiscal está muito calcada em cima do produto. Eu não tenho a pretensão de que o governo, ainda mais num tempo como esse, vá fazer redução de impostos. Está postergando alguma coisa, mas não acho que isso vá acontecer. Mas que seja de uma outra forma, uma cobrança mais equalizada, não tanto sobre o produto, mas mais sobre a renda ou o consumo lá no final. Como é nos países do primeiro mundo. Basta você pensar que você vai aos EUA, você compra uma camisa, e na hora que vai pagar não são os 100 dólares que estão no preço, são os 100 dólares mais o imposto. Por que aqui não pode ser isso? Por que tem que estar embutido, numa cadeia que vai onerando até chegar no preço do jeito que é no Brasil?
As indústrias estão adotando novos protocolos de segurança e saúde nas fábricas? Vamos ter que repensar a forma de produzir?
Sim, vai haver mudanças. É interesse da indústria como um todo, do empresário industrial, de que o seu funcionário esteja protegido, que se sinta seguro. Então a situação de distanciamento, de uso de máscara, de disponibilidade de álcool gel, nós temos todo o interesse na sanidade, na preservação da saúde de nosso industriário. E isso vai persistir. Nós não sabíamos que éramos tão frágeis como somos, e isso, lógico, vai deixar um modelo de comportamento para depois. Tudo isso deve induzir transformações na indústria brasileira. Nessa linha, o que vai ser diferente, na indústria, daqui para frente? Haverá adaptações e reorganização do processo produtivo? Eu acredito que sim. A própria indução de buscarmos uma segurança de proteção à indústria brasileira, ao produto brasileiro, por questão de segurança nacional, e isso é responsabilidade dos governos.
Isso tudo depende muito do governo federal ou o Paraná pode fazer a lição de casa?
Claro que pode, podemos fazer sim. No Paraná, tanto o governo do estado como as entidades que representam a classe produtiva, cito por exemplo os componentes do G7, nós temos agido muito unidos nessa situação de buscar alternativas, para baixar o custo do produto aqui da indústria do Paraná. Inclusive, temos projeto para valoração do produto paranaense, em relação aos de outros estados. Para que o nosso consumidor saiba o valor daquilo que é produzido aqui, e quanto importa economicamente ser aqui do estado. Que ele saiba que, em adquirindo os produtos paranaenses, está contribuindo para a casa dele, para o dia a dia da economia dele.
Nesse raciocínio, o senhor imagina que um consumidor consciente pagaria 10 a 15% mais caro por um produto local, por causa da consciência de estar fortalecendo a indústria local? Acha isso possível?
Imagino que sim, mas, claro, isso tem uma questão de que a diferença pode não ser muito grande. Isso pode acontecer com produtos primários. Se eu tenho uma fruta produzida aqui no Paraná e uma fruta produzida em São Paulo, e a qualidade e o preço são similares, ele vai olhar e falar: vou preferir comprar do Paraná; não é que ele vai ter que pagar mais caro, porque, para atingir isso, é difícil mexer no bolso. Mas que na preferência, em qualidade e preços mais ou menos equivalentes, ele pense em pegar o produto do estado. Isso é que é importante, a gente começar a construir isso. É uma campanha que o governo do estado e nós do G7 estamos imbuídos. Agora a situação é de emergência, abre ou não abre, qual a segurança eu tenho, estamos apagando incêndio de uma crise que não sabíamos como lidar. Mas acho que assim que começarmos voltar à atividade econômica, e de um mínimo de planejamento, essa é uma composição que vai estar no contexto, ou seja, a valoração do produto paranaense para preservação da atividade econômica em nosso estado.
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