O produtor rural Douglas Rodrigo Selzler toca, com o pai Édio, a mãe Oresta e a esposa Bárbara, uma propriedade rural em Santa Helena, no oeste do Paraná. No final da década de 1980, ele precisou acompanhar a família e deixar a cidade natal rumo a Curitiba – o pai, agricultor, dependia de atendimento médico especializado, à época somente disponível na capital. Três décadas e algumas reviravoltas depois, Douglas fez o caminho inverso e desde 2022 é um dos responsáveis pela criação anual de cerca de 7,5 mil suínos no sítio da família.
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O retorno da família Selzler à propriedade rural está longe de ser caso isolado. Levantamento feito pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (ESALQ/USP) mostra que o número de trabalhadores atuando no agronegócio brasileiro somou cerca de 19 milhões pessoas no ano passado. O índice é o maior desde 2015, quando esse contingente era de 19,04 milhões de pessoas.
De acordo com os pesquisadores da USP, as ocupações perdidas em 2020 em decorrência da pandemia de Covid-19 estão recuperadas. Os números mostram que há ainda mais trabalhadores no agro do que antes da crise sanitária mundial. Os dados levantados pelo Cepea dão conta de que, em 2022, o agronegócio brasileiro conseguiu avançar em termos de faturamento, o que ajuda a explicar o resultado observado para o mercado de trabalho.
De Santa Helena para Curitiba, e a volta às origens
Em entrevista à Gazeta do Povo, Douglas lembrou do período em que trabalhou em Curitiba, em uma empresa de manutenção de piscinas de propriedade da família. A correria da cidade grande, comentou, era responsável por uma alta carga de estresse. A aposentadoria do pai e o retorno dele à Santa Helena fez com que Douglas começasse a considerar a própria volta ao interior.
“Todo mundo trabalhava na empresa, eu, meu pai e meu irmão. A gente sabia que existia o risco de acabar baixando a renda dos três, porque estava tudo concentrado em um só negócio. Eu sempre gostei mais do interior do que da cidade. Na época, minha esposa era bancária, e ela pesquisou a possibilidade de transferência para Santa Helena. Surgiu uma vaga, e em questão de 10 dias a gente teve que vir embora. Quando é para ser não tem jeito, e viemos para Santa Helena”, contou.
Com o irmão cuidando sozinho da empresa de piscinas, Douglas comprou uma propriedade rural. Em contato com a cooperativa Lar, ele decidiu dar início a um trabalho na suinocultura. A lavoura de tabaco, principal ocupação da família nos anos 1980, não era mais uma opção para ele. “Meu pai sofreu uma intoxicação grave quando trabalhava naquela área. Falamos com a cooperativa, que tinha a opção de aves ou suínos. Tomamos nossa decisão e hoje posso dizer que foi a melhor escolha que a gente poderia fazer”, comemorou.
Com os dois barracões instalados na propriedade, a família Selzler consegue produzir três lotes anuais de cerca de 2,5 mil suínos cada. Os dejetos da produção são tratados em um biodigestor, que também recebe o material da propriedade vizinha. O material orgânico se transforma em biogás, que alimenta uma pequena usina termelétrica capaz de abastecer o sítio. A família instalou placas solares, o que garante um excedente de energia elétrica que é comercializado com a Companhia Paranaense de Energia (Copel).
“A tranquilidade que eu tenho de morar aqui acaba se transformando em conforto. É normal se sentir cansado fisicamente. Só que na cidade grande o estresse psicológico geralmente é maior do que o cansaço. Aqui, o nosso bem-estar é muito maior. Fico cuidando dos meus bichinhos, do meu pai, da minha mãe. Vou dormir no fim do dia cansado, mas é um cansaço do corpo. Depois de uma noite de sono, eu estou pronto para mais um dia. Já o cansaço mental é mais difícil de passar. Aqui eu dou um pulinho no lago, dou uma pescada, já acaba o estresse. Na cidade grande isso é bem mais complicado”, comparou.
Industrialização de cooperativas levou empregos ao campo
A ligação da família com a cooperativa replica um padrão identificado pelo Sindicato e Organização das Cooperativas do Estado do Paraná (Ocepar). Em entrevista à Gazeta do Povo, o superintendente da entidade, Robson Mafioletti, confirmou que nos últimos 10 anos o número de trabalhadores ligados ao cooperativismo no estado praticamente dobrou. “Se pegarmos os últimos 10 anos, tínhamos 72,5 mil empregos diretos, e agora temos 135,3 mil empregos. É um aumento de 99,8%”, disse.
Esse aumento no contingente de pessoas ligadas de forma direta ao agronegócio e às cooperativas se deve, garante o superintendente, a mudanças ocorridas no modelo de negócio dessas empresas. Mais especificamente, disse Mafioletti, ao processo de verticalização e industrialização das cooperativas, o que possibilitou uma série de benefícios tanto para os cooperados quanto para as cidades onde as cooperativas estão instaladas.
“Quando nós colocamos o modelo integrado em prática, isso tem como resultado direto uma maior necessidade por mão de obra. E gera tributos para o Estado e para os municípios, o que também é muito bom. A melhor política pública é o emprego, o trabalho. Isso é muito melhor do que depender de um auxílio do governo. A gente entende que em muitos casos essa pode ser uma solução necessária para aquele momento. Mas é muito mais recompensador o trabalhador ganhar seu sustento pelo seu próprio mérito. É muito melhor conquistar nossos objetivos pela nossa própria vontade, pelo nosso trabalho”, comentou.
Produção industrial de alimentos no Paraná é referência no Sul do Brasil
Os números do setor são expressivos: o Paraná é o estado do Sul do Brasil que tem o maior Valor Bruto da Produção Industrial (VBPI). O resultado, que alcançou R$ 276,9 bilhões, elevou o estado à terceira colocação nacional, atrás de São Paulo (R$ 1,1 trilhão) e Minas Gerais (R$ 337,5 bilhões). Os valores nominais (sem o desconto da inflação) são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com dados de 2020 (último disponível). São informações específicas da indústria de transformação, que inclui a atividade industrial, com exceção da construção civil e a extrativista.
Segundo Marcelo Alves, coordenador da assessoria econômica da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), o Paraná contribui com 8,5% do PIB Industrial do país. A produção paranaense até há pouco tempo era muito pautada em commodities (matéria-prima), com pouca transformação. Nas últimas décadas, principalmente a partir de 1990, com o crescimento das cooperativas no estado, com grandes investimentos em industrialização, o setor produtivo paranaense se expandiu.
“E isso aconteceu principalmente na esteira do carro-chefe do Paraná, a produção agropecuária, que começou a ser industrializada dentro do próprio estado, resultando na forte indústria de alimentos que temos hoje”, destacou Alves, em entrevista à Gazeta do Povo. Para ele, apesar das dificuldades, a indústria do Paraná começou a se recuperar na metade de 2020 e pode-se dizer que teve menos impactos que outros estados.
“A indústria de alimentos é muito forte no estado, é uma das que mais produz e mais emprega. E, ao contrário de alguns outros segmentos, a produção e o processamento de alimentos não pararam na pandemia. O bom desempenho, mesmo em um ano difícil, revela a consolidação deste setor no Paraná, principalmente pela forte atuação no mercado externo”, pontuou. De fato, o Paraná é o primeiro estado do Brasil em exportação de carne de frango e de peixe e o segundo em carne suína.
Prateleira de produtos mais ampla
Esta mudança no perfil das cooperativas é reforçada pelo superintendente da Ocepar como um dos principais fatores de atração do agronegócio paranaense. Se antes o foco da produção era voltado principalmente para os grãos, em especial soja e milho, hoje a “prateleira de produtos” disponíveis nas cooperativas do estado é muito mais ampla.
“Nós acabamos nos especializando em atender às demandas do mercado. Quer comprar soja em grãos? Nós temos. Quer farelo, nós temos. Quer o óleo, temos também. Precisa de lecitina de soja, que é outro produto de altíssimo valor agregado? O Paraná tem para vender. Para nós, o interessante não é só vender o frango inteiro, e sim as partes e os produtos. Coxa, sobrecoxa, peito, nuggets, pode ir cada um para um comprador específico em lugares diferentes. Com o queijo é a mesma coisa, nós agora temos produtos com grife. Agregando valor, nós alcançamos mercados cada vez mais exigentes”, apontou Robson Mafioletti.
Para o superintendente da Ocepar, antes o normal era que as pessoas fossem embora das cidades menores em busca de melhores condições de vida nos grandes centros. Agora, com os efeitos da industrialização nas cooperativas, “é muito comum quem está fazendo o caminho de volta, da cidade grande para os municípios pequenos”.
Foi assim com Robson Selzler, que depois de 30 anos morando em Curitiba, agora não considera mais a hipótese de sair de Santa Helena, cidade distante mais de 600 quilômetros da capital e com população total equivalente à do bairro Bigorrilho (da capital paranaense). “Nossa família trabalhou mais de 20 anos com manutenção de piscina. Os ramos são diferentes, cada um dá trabalho de um jeito. Com a piscina, o estresse vem das reclamações dos clientes, daí tem o trânsito para chegar até o local, chega lá o cliente está nervoso, e isso passa para gente. Aqui, o trabalho é mais braçal, mais físico, a vida é muito mais tranquila. E não adianta nem fazer proposta, por melhor que seja, eu não tenho o menor interesse em sair daqui”, resume.
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