Garantir a rastreabilidade da proteína animal por toda a cadeia produtiva faz parte da lista de boas práticas da Organização Mundial da Saúde Animal há pelo menos 15 anos. É parte da estratégia “farm to fork” – “da fazenda para o garfo”, em tradução livre –, pré-requisito para que o Brasil, e em especial o Paraná, um dos líderes da produção de proteína animal do país, alcance novos e exigentes mercados no exterior.
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E se antes a marcação a ferro quente era suficiente para identificar a origem de bois e vacas nas propriedades rurais, hoje as soluções por trás dessa tarefa são bem mais avançadas. A startup goiana iRancho, por exemplo, usa um sistema baseado na mesma tecnologia das criptomoedas para assegurar a rastreabilidade da carne por toda a cadeia produtiva. A iniciativa foi premiada em um desafio do Ministério da Agricultura e Pecuária realizado na semana passada em Toledo, no Oeste do Paraná.
Rastreabilidade inviolável por blockchain
O sistema de rastreio é baseado na tecnologia blockchain, o que, segundo a Diretora de Operações da iRancho, Lia Parente, torna esses dados invioláveis. Dessa forma, explicou à reportagem da Gazeta do Povo, o produtor ganha em confiabilidade e o consumidor em segurança.
“Nós chamamos o nosso sistema de rastreabilidade por consequência. Se o produtor faz uma boa gestão e toma todos os dados daquele gado, a consequência natural disso é a transmissão dessa rastreabilidade por todos esses níveis, do nascimento até o abate do animal”, disse.
O produto final é uma etiqueta em QR-Code afixada na embalagem da carne. Quando lido, o código dá acesso a uma página dentro da plataforma da iRancho na qual é possível saber desde a data de nascimento do animal, a evolução do peso, a quantidade de ração ingerida e os medicamentos administrados até o caminho final até o frigorífico onde foi feito o abate.
“A pecuária de corte não se faz com um só produtor, o desafio é muito maior. Em geral o boi passa por um pecuarista de cria, vai para outro de engorda e depois para outro de confinamento para só então chegar ao abate e ter a carne enviada para a indústria. E garantir que essa carne seja totalmente rastreada dentro deste cenário descentralizado é algo desafiador”, reforçou a diretora.
Inteligência artificial na criação de tilápias
Outra iniciativa reconhecida no Desafio Mapa Conecta Proteína Animal de Toledo foi a da startup paranaense Aqüienge, de Francisco Beltrão. A solução da empresa para o monitoramento, coleta e análise de dados da piscicultura ficou em terceiro lugar, e mostrou para os avaliadores que a adoção de tecnologia pode trazer ganhos significativos para os produtores de tilápias e outros peixes.
Em entrevista à Gazeta do Povo, o CEO da Aqüienge, Pedro Henrique Benin Aschidamini, explicou que a iniciativa premiada no Desafio Mapa Conecta é baseada em Inteligência Artificial e na chamada Internet das Coisas – IoT, na sigla em inglês, uma rede de objetos físicos conectados a sensores, softwares e outras tecnologias com o objetivo de se conectar e trocar dados com outros dispositivos e sistemas, que podem ser desde objetos domésticos comuns até ferramentas industriais avançadas.
“Nós usamos a aprendizagem de máquina aplicada na coleta de dados destes tanques de produção de peixes”, disse o CEO. “Nós conseguimos fazer uma análise dos principais parâmetros da água, por meio de sensores que podem ficar até 10 quilômetros distantes da central. E o uso dessas tecnologias de monitoramento em tempo real, de uma forma precisa, pode levar a um aumento de até 10% na capacidade produtiva por tanque, segundo o que nos mostram nossos primeiros estudos”, garantiu.
A rastreabilidade também está entre os objetivos da solução da startup, disse Aschidamini, já que com a ferramenta é possível ter acesso a dados completos sobre a criação e o abate dos peixes, de forma compartilhada entre produtor e indústria.
“Um dos nossos módulos é voltado para o uso das cooperativas e frigoríficos, de forma que nesta que é uma das últimas etapas da cadeia produtiva seja possível identificar e rastrear todo o caminho feito por aquele animal, desde a engorda até o abate. No final, quando o produtor tira aquele lote de peixes do tanque, ele consegue ter a rastreabilidade com todos os dados acessíveis por uma etiqueta em QR-code”, completou.
Soluções para várias cadeias produtivas do agronegócio
O Desafio Mapa Conecta Proteína Animal realizado em Toledo teve como foco principal identificar e premiar startups que, por meio da tecnologia e do uso de dados, colaboram na cadeia de produção de proteína animal e na detecção precoce de doenças nos plantéis.
Dentro do programa do Desafio Mapa Conecta, as startups foram provocadas a apresentarem soluções gerais e específicas para as cadeias produtivas de suínos, aves, peixes e gado de leite. Uma preocupação constante em todas as áreas é a prevenção, detecção precoce e resposta rápida a doenças animais, como explicou à Gazeta do Povo Renato Tracht, diretor executivo da Fundação de Desenvolvimento Sustentável, Científico e Tecnológico de Toledo (Funtec) e organizador do Inovameat Conecta - feira de divulgação de inovações, serviços, produtos e parcerias do setor, que sediou o Desafio Mapa Conecta.
“Essa é uma das principais dores das nossas integradoras, cooperativas e agroindústrias da nossa região, identificadas por uma pesquisa que fizemos. No caso dos suínos, por exemplo, existe a possibilidade de ocorrência de pneumonia. Naqueles alojamentos onde ficam agrupados 20, 30 animais, essa transmissão pode ser muito rápida. Só que antes de ocorrer a transmissão, os animais infectados apresentam elevação de temperatura corporal. E isso pode ser detectado por meio de sensoriamento por câmeras térmicas e um sistema de predição para identificar os animais problemáticos. É isso que estamos buscando”, explicou.
Dados do IBGE mostram que o Paraná é o primeiro estado do Brasil em exportação de carne de frango e de peixe e o segundo em carne suína. E é justamente na região Oeste do Estado onde está concentrada a maior parte desta produção de proteína animal, como explicou Diego Bonaldo, coordenador do Inovameat.
“Em nível estadual, respondemos por 80% da produção de tilápia, 70% da de aves e 60% da de suínos. Temos aqui também a segunda maior bacia leiteira do Paraná. Esta concentração de cadeias produtivas em nossa região requer um cuidado extra tanto no aspecto sanitário quanto no uso racional dos recursos hídricos. O produtor brasileiro, se comparado ao de outros países, tem uma consciência ambiental acima da média. Temos, até o fim desta década, de fazer nossa produção crescer 30% com os mesmos recursos que temos hoje, um desafio nada fácil, pois estamos partindo de uma base muito ampla”, detalhou.
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