De olho na revisão do Anexo C do Tratado de Itaipu que começa a ser analisado pelos governos do Brasil e do Paraguai que vai definir, entre outros aspectos, questões financeiras da binacional, o Conselho de Desenvolvimento dos Municípios Lindeiros ao Lago de Itaipu acompanha se valores pagos em royalties não serão revisados para baixo, mas um estudo técnico já constatou que as perdas acumuladas no pós-enchimento do reservatório, não cobertas pelas taxas de uso, somam R$ 22,3 bilhões.
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Com este relatório, os gestores municipais querem comprovar à Itaipu e ao governo federal que as compensações deveriam ser quatro vezes superiores aos pagamentos feitos pelos atingidos com o alagamento de 1.350 quilômetros quadrados.
O presidente do Conselho, o prefeito do município paranaense de Santa Helena, Evandro Miguel Grade (PSD), destaca que o levantamento aponta outros indicadores preocupantes.
“Comprovamos que além das perdas financeiras pelo alagamento do reservatório e das florestas na área de preservação, perdemos espaços produtivos muito grandes. Tivemos ainda perdas econômicas e sociais como as famílias que deixaram os municípios e todos os reflexos que isso trouxe à economia regional ao longo dos anos”, destacou.
O relatório alerta que, para compensar a geração de riquezas nas áreas alagadas, seria necessária uma compensação, entre royalties e outros métodos, 3,7 vezes maior do que os valores pagos atualmente. “Ou seja, os valores das compensações deveriam passar de (quase) R$ 663 milhões pagos em 2020 (ano base para o levantamento) para R$ 3,09 bilhões, ou seja, um acréscimo de R$ 2.43 bilhões por ano, que representa a capacidade dos municípios de gerar riqueza nas áreas alagadas, descontadas as compensações”, calcula.
O documento também reforça que o acumulado até 2020, que não teria sido "devidamente compensado" chega ao montante de R$ 22,3 bilhões”. Segundo o prefeito, o assunto já vem sendo tratado com "um bom canal de diálogo" com o governo brasileiro, ministérios e com a diretoria de Itaipu. “Tivemos uma reunião com o ministro Alexandre Silveira (de Minas e Energia), com a direção de Itaipu e fomos bem recebidos. O governo se mostra solidário [com as reivindicações]”, comenta.
Grade reconhece que o primeiro item a entrar na pauta para a revisão do Anexo C corresponde ao valor da tarifa de energia daquilo que é vendido pelo Paraguai ao Brasil. O presidente paraguaio Santiago Peña defende aumento dos preços à comercialização do excedente ao Brasil, ou que haja o direito de livre comércio. Assim, o Paraguai poderia vender para quem preferisse e não mais, obrigatoriamente, ao Brasil como ocorre hoje.
Depois da discussão desse item, a expectativa é que as compensações às perdas municipais entre em pautas. “Hoje, se paga 65% dos royalties (de Itaipu) aos municípios diretamente afetados pela construção da hidrelétrica. Queremos que essa compensação seja acrescida, ou pelo menos seja mantida no que temos hoje por mais tempo e que haja investimentos regionais.”
A cidade que perdeu um terço do território
Com o enchimento do reservatório em 1982, Santa Helena, por exemplo, perdeu um terço de seu território. “Ou está debaixo de água, ou com áreas de preservação ambiental, de floresta. Somos um município com produção bruta por ano de mais de R$ 2 bilhões. Além das perdas financeiras, tivemos prejuízos de ordem social. Também ficamos praticamente isolados, não temos a mesma facilidade logística para acessos às rodoviários como outras cidades. O lago trouxe um pouco de dificuldade logística e isso não foi levado em consideração”, argumenta.
Quinze dos 16 municípios lindeiros ficam no Paraná, todos ligados à Associação dos Municípios do Oeste do Paraná (Amop), comandada pelo prefeito de Toledo (que não está entre os lindeiros), Beto Lunitti (MDB). Lunitti alertou que o levantamento dos lindeiros comprova que as indenizações mensais não são suficientes diante daquilo que foi perdido ou se deixa de produzir.
Tanto Lunitti quando Grade defendem que, se as verbas não forem revistas diretamente aos municípios alagados, ocorram investimento em infraestrutura e em projetos ligados ao meio ambiente, desenvolvimento econômico e social.
“Além de royalties, existem investimentos que a região precisa para se manter e se aprimorar como destaque nacional e mundial na produção de alimentos e proteínas”, ressalta Grade.
Para o presidente do Conselho, há o entendimento que dificilmente os recursos sejam destinados aos municípios como se pede, porém existe a expectativa de um volume financeiro que possa ser destinado às obras e investimentos regionais. “Se os recursos não vierem de forma direta, a gente trabalha para que ocorra indiretamente na região para mantê-la em evolução. É uma questão justa pela história dos municípios que colaboraram com a formação do lago de Itaipu”, destacou.
Royalties de Itaipu serão mantidos, mas valores não estão definidos
O diretor geral do lado brasileiro da hidrelétrica, Enio Verri (PT) tranquilizou os gestores afirmando que os royalties serão mantidos, porém, os valores ainda não estão definidos.
A Revisão do Anexo C também vai definir a destinação de US$ 2 bilhões por ano que agora ficarão no caixa da hidrelétrica, com a quitação da dívida contraída para construção da usina. A última parcela foi paga em fevereiro deste ano.
Quanto aos projetos e infraestrutura, em agosto, a Itaipu anunciou R$ 1 bilhão para ações socioambientais, desenvolvimento sustentável e assistência à população de 434 municípios: os 399 paranaenses e 35 no Mato Grosso do Sul. Beto Lunitti, presidente da Amop, respondeu que esperava que mais verbas fossem destinadas, exclusivamente, ao Oeste do Paraná com 50 municípios, região onde está a Usina de Itaipu e onde se registram os “principais impactos” da construção, instalada em Foz do Iguaçu.
“Queríamos que esse valor ficasse na região, mas entendemos que se trata de uma política do governo e agora cabe a nós elaborarmos os projetos para serem contemplados com essas verbas”, avalia
Quanto às grandes obras de infraestrutura, elas estão fora do radar da binacional. “A Itaipu vai se voltar a projetos para o desenvolvimento das comunidades próximas, entendemos que é mais relevante que as grandes obras”, defende o direito-geral brasileiro.
Guaíra: o município que perdeu as Sete Quedas e metade da população
Entre os municípios mais afetados economicamente está o de Guaíra (PR). No extremo Oeste do Paraná, a cidade conta hoje com 32 mil habitantes e já foi uma das mais importantes do estado do ponto de vista econômico.
Com o alagamento do reservatório, a cidade que era referência turística para o Brasil com as Sete Quedas, viu a população minguar. As Sete Quedas desapareceram com o enchimento do lago. Dos 60 mil habitantes baixou, rapidamente, para menos de 30 mil nos anos seguintes. “Com o fim das Sete Quedas e o sensível enfraquecimento do turismo, o município começou a encolher. Ou simplesmente parou de crescer. Ficou na casa dos vinte e poucos mil nos anos seguintes ao fim das Sete Quedas”, descreve o poder público municipal.
No relatório das perdas levado ao governo federal, se alertou que território alagado em Guaíra denominado de “Salto de Sete Quedas, também chamado Sete Quedas do Rio Paraná” foram as maiores cachoeiras do mundo em volume de água, “com 13,3 mil m³ por segundo, sendo o dobro do volume d'água das Cataratas do Niágara, na fronteira entre os Estados Unidos e o Canadá, e treze vezes mais caudalosas que as Victoria Falls na Zâmbia”.
O som da queda poderia ser ouvido a 30 km de distância e, ainda segundo o relatório, “seu canal principal possuía quatro quilômetros de comprimento e profundidades que variavam entre 140 e 170 metros”.
Diante desses dados, o levantamento técnico alertou que o município teria “poder de atratividade turística semelhante ao das Cataratas do Iguaçu", que recebem aproximadamente 1,4 milhão de turistas por ano.
Apesar de ter apenas 8% do seu território afetado pelo alagamento, as perdas ao município potencializadas pelo fim do destino turístico não foram consideradas para pagamento de royalties. As perdas acumuladas ali, de acordo com o relatório, somariam R$ 4,52 bilhões.
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