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General Joaquim Silva e Luna
O general Joaquim Silva e Luna durante evento na Itaipu.| Foto: Norberto Duarte/AFP

Em 2022, um dos pilares para a atuação da usina hidrelétrica de Itaipu como uma binacional, com gestão conjunta de Brasil e Paraguai, passa por uma revisão. Entre os pontos mais sensíveis, talvez o principal seja os interesses do lado paraguaio, que hoje vende a parte produzida a que tem direito, mas não consome, para o Brasil a preço de custo. Caso queira, o país vizinho pode pleitear uma alteração do chamado “Anexo C” do Tratado de Itaipu, que rege o assunto, ganhando o direito de vender sua parte a quem quiser. E pelo preço que quiser.

Embora exista o temor de que tal alteração tenha impacto no preço da energia elétrica no Brasil, atingindo em cheio o Paraná, mercado consumidor da binacional, o diretor-geral brasileiro, general Joaquim Silva e Luna, afirma que não há motivo para se preocupar. Mais que isso: garante que haverá redução no preço da energia produzida na gigante da fronteira – maior geradora de energia renovável do planeta.

Silva e Luna assumiu o comando do lado brasileiro da empresa em fevereiro, em cerimônia que contou com a participação do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro (PSL), e do Paraguai, Mario Abdo Benítez. Em conversa com a Gazeta do Povo, o diretor-geral de Itaipu avalia os primeiros meses de gestão, os riscos da revisão do Tratado e preços das tarifas de energia. Confira:

O governo federal adotou uma política de austeridade em todas as estatais. Como a Itaipu tem traçado seu plano de cortes?

O que nós fizemos foi primeiro reunir nossos diretores e colocar nossas necessidades, o que seria importante. As diretorias tinham um orçamento para cada uma delas. A ideia era que fizéssemos uma conta única, centralizássemos as nossas necessidades de modo que toda a empresa enxergasse a necessidade de todos. Observamos algumas urgências que não estavam previstas para esse orçamento. Por exemplo, a construção dessa segunda ponte [a Ponte da Integração, que liga Foz do Iguaçu, no Brasil, a Presidente Franco, no Paraguai, e foi autorizada em maio]. Existia projeto, mas não estava previsto nesse orçamento, um custo de R$ 460 milhões. Tinha a necessidade de ampliação de um hospital de referência da região, mas que já está se tornando pequeno para as necessidades da comunidade. Nós temos a necessidade de fazer uma atualização tecnológica de Itaipu para que ela continue sendo a empresa número um do mundo em termos de produção. Muita parte de Itaipu ainda é analógica e precisa ser digital. Precisávamos cuidar de toda a nossa segurança hídrica, das cidades lindeiras, cuidar da nossa água, limpar detritos, de forma a ter uma vida útil longa. Hoje Itaipu tem uma previsão de vida útil de 184 anos. A ideia é que ela viva mais 300 anos, como uma tartaruga.

E como os cortes foram colocados em prática?

Todos nós nos aliamos. Todo mundo fez um enxugamento dos seus convênios, sem ferir aquilo que estava contratado, que é responsabilidade da empresa em função da sua missão. Por exemplo: os royalties são obrigação [os royalties são valores pagos pela empresa para as cidades impactadas pela sua construção em função de sua área alagada]. Não tem como mexer. Então reduzimos todos os convênios, alguns cancelamos. Todos os patrocínios também, alguns cancelamos. Principalmente os que não tinham nenhuma aderência com a missão da Itaipu. Nossa missão é produzir energia elétrica. Se não tiver aderência com isso, está fora.

Esse ajuste deu resultado?

Até o momento, com números dos cem dias de trabalho [um balanço entre o fim de fevereiro e fim de maio], temos contabilizado R$ 163 milhões de economia. Mas isso é crescente. Estamos trazendo todo o pessoal de Curitiba para cá. Vamos manter um escritório de representação em Curitiba, bem menor, para uma videoconferência, um contato. Eram em torno de 150 funcionários. Vão ficar alguns aí que são necessários. Isso tem a ver com gestão, com o fato de os funcionários estarem juntos, mas também com economia. Hoje, ela gira na ordem de R$ 7 milhões por ano. São ações que consideramos importantes para melhorar a capacidade de gestão da empresa, nossa comunicação e para economizar.

O que falta para governo do estado e Itaipu iniciarem as obras da Ponte da Integração?

Tem que ser expedida oficialmente uma ordem de serviço que marca que começou a ponte. Mas, na prática, ela já começou. Por enquanto estamos na mobilização de pessoal, contratação, análise de currículo. Mais de 10 mil pessoas já enviaram currículo. Tudo isso já faz parte da obra. Mas o que diz “comecei a colocar o primeiro saco de concreto aqui” é uma ordem de serviço [que ainda está sendo alinhavada].

Por que a hidrelétrica trabalhou tanto na aprovação desse projeto?

Ela [a ponte] é uma dívida que o Brasil e o Paraguai possuem há mais de 20 anos. A ligação entre os países está saturada há muito tempo. Passar por essa ponte [a atual, da Amizade] todos os dias é um desespero. Por aqui passam todas as cargas, os caminhões, todo nosso turismo. E passam pelo centro da cidade. Esperamos que essa nova ponte desvie o trânsito pesado do centro da cidade e libere a da Amizade para carros menores, de turismo.

Por que apenas o lado brasileiro assumiu essa conta?

Nós acordamos que essa aqui [Ponte da Integração], como teria que dar a largada já esse ano, nós bancaríamos. Uma outra [uma ponte a ser construída entre as cidades de Porto Murtinho, no Mato Grosso, e Carmelo Peralta, no Paraguai] será bancada pelo Paraguai. Mas como ela ainda não tem nenhum projeto, vai demorar mais um pouco. O que eu tenho tentado é firmar compromisso com meu contraparte paraguaio para que a gente entregue tudo ainda em nossa gestão, que é de quatro anos.

Essa obra terá algum reflexo no preço da energia produzida em Itaipu?

Nosso acordo com o governo federal é fazer tudo isso impacto zero na tarifa. Nossa ideia é que durante nossa gestão a tarifa de Itaipu seja reduzida. E desde agora. Temos que melhorar a qualidade da gestão, logicamente. Cada centavo que for gasto tem que ser gasto com austeridade. Em todos os sentidos, diária, passagem, deslocamento. Tudo que puder fazer para não gastar, vamos fazer.

Mas essa redução é uma certeza ou apenas uma expectativa?

Essa é uma certeza. O sacrifício que nós vamos fazer, Deus sabe. Mas que vamos fazer, vamos.

E quando essa redução chegará ao consumidor?

Esse ano, possivelmente, não, pois a contratação da energia é feita para o ano todo. Estamos querendo negociar com a outra margem [lado paraguaio], eu tenho dependência do outro lado, para iniciarmos [essa gestão] com base em uma tarifa de energia menor. Qualquer coisa simbólica interessa, desde que eu crie uma curva de tendência de baixa. Ou seja, se eu diminuir 20% de um dólar e no ano seguinte diminuir mais 20%, já criei dois pontos que dão uma reta. Com o terceiro, temos uma tendência. A ideia é que baixe a tarifa e aí vamos jogando em função de nossos compromissos. O desafio está posto. É uma de nossas metas.

Quais são as benfeitorias previstas para os municípios dentro da área operacional de Itaipu?

Nós temos compromissos de acordo com os municípios lindeiros, aqueles que recebem royalties, e isso faz parte de nossa missão. Temos compromisso também com outros municípios que, de alguma forma, impactam nossa bacia. São da ordem de 55 municípios – 54 no Paraná e um no Mato Grosso. Todas as ações – obra estruturantes, estradas, asfaltamentos – tem de estar linkadas com a missão de Itaipu. Assoreamento, tratamento de lixo, tudo isso nos interessa. Como vamos investir com qualidade, o impacto na região será muito grande. O governador veio aqui tratar, por exemplo, da Estrada do Colono [um caminho de 17 quilômetros dentro do Parque Nacional do Iguaçu, área de proteção ambiental]. Ela tem toda uma conotação ambiental que deve ser cuidada. Nós nos comprometemos a fazer o projeto desde que ouvidas todas as partes e que cheguemos à conclusão de que aquilo ali não traz nenhum prejuízo ecológico para a região, que o projeto seja sustentável e totalmente aprovado por todos.

Em 2022, o atual acordo de cooperação com o Paraguai se encerra. O país vizinho já demonstrou interesse de repactuar com algumas mudanças de uma maneira mais interessante para eles. Isso preocupa o lado brasileiro?

Não nos preocupa. Há duas considerações: a revisão do Anexo C tem que ser muito equilibrada e de interesse mútuo. Itaipu é binacional e vai continuar sendo. Não pode ter um elo fraco, um ganhador e um perdedor, nessa cadeia. A segunda é que 50% da energia de Itaipu está à disposição dele [do Paraguai], como sempre esteve. Se ele quiser leiloar, vender, utilizar, isso aí é uma questão do Paraguai. Mas nós entendemos que a necessidade energética, tanto de um país quanto do outro, em 2023 será totalmente diferente. O Paraguai já terá aumentado muito. Hoje, o Paraguai consome 15% dessa energia de Itaipu [dos 50% a que tem direito]. A outra parte, 85%, o Brasil consome [o país compra o excedente paraguaio a preço de custo]. Essa diferença vai ser muito diferente. Talvez a dependência do Brasil seja muito menor. A negociação será muito mais fácil.

Mas se não houver uma mudança de cenário e o Paraguai puder vender o excedente de sua energia para qualquer outro lugar, uma das prováveis demandas do país na revisão do Tratado, ele não tenderá a aumentar os preços?

Quanto corresponde toda energia que a Itaipu fornece ao Brasil? 15%. Os outros 85% são de outras entradas. E estamos em viés de baixa. Está para 14% [atualmente]. Possivelmente lá na frente, em 2023, a Itaipu esteja sendo responsável por 8%, 7% da energia [consumida no Brasil]. E a energia no Brasil é feita por contratação de quatro, cinco anos. São feitas por leilões. Então o Paraguai pode se colocar à disposição no leilão, mas terá que ter um preço competitivo ou não iremos adquirir.

O Brasil continuará tão dependente desta matriz daqui a três anos?

Nossa matriz hoje está mudando bastante, com muita rapidez. A eólica e a solar vão ocupar uma fatia cada vez maior. A matriz hidráulica está em quase 80%, mas a tendência é que isso aí vá mudando. A negociação do Anexo C vai ser uma coisa muito natural, muito simples. O Brasil não está preocupado com isso.

Os municípios que contam com os royalties da Itaipu poderão ter repasses menores? Há preocupação quanto a isso?

Nenhuma preocupação. A situação muda. Do orçamento de Itaipu, da ordem de R$ 3,8 bilhões, destinamos R$ 2,1 bilhões para pagamentos de dívidas. Em 2023 a dívida estará paga. Teremos uma situação inclusive melhor. Mais dinheiro em caixa para baixar tarifa de energia. [Como isso será feito] Ainda será definido. Estamos avaliando. Interessa para a gente que a tarifa seja mais baixa.

Qual atualização que a empresa precisa para continuar competitiva?

Atualização tecnológica. Nos próximos quatro anos será feita a parte de comando e controle da usina. Parte dela ainda é analógica, pois foi construída há 35 anos. E uma parte já é digital. Todas as nossas unidades geradoras precisam ser atualizadas, deixar a usina na era do conhecimento. Hoje ela talvez seja a mais segura do mundo em todos os sentidos. Posso olhar em tempo real todos os níveis de segurança. Estamos tratando de atualização nesse sentido. E vamos investir na ordem de US$ 660 bilhões.

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