A expectativa pela publicação do edital de licitação dos novos pedágios no Paraná, referentes aos dois primeiros lotes das rodovias a serem concessionadas, paira sobre esta semana. Pela minuta do edital do lote 1, à qual a Gazeta do Povo teve acesso, mais especificamente para esta terça-feira (2). As rodovias paranaenses foram divididas num total de seis lotes, para seguirem na concessão.
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A publicação depende da assinatura do governador do Paraná, Carlos Massa Ratinho Junior (PSD), em documento que delega as rodovias estaduais à gestão do governo federal, além de deliberações da diretoria da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) sobre os editais.
Nos bastidores, ficou acertado que o avanço sobre a concessão de rodovias no Paraná aconteceria após o retorno do presidente Lula (PT), que estava em viagem à China e na Europa. Com isso, já nesta terça (2) o governador do Estado confirmou agenda com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para assinatura do convênio de cessão das rodovias para quarta (3), às 15h, no Palácio do Planalto.
Com a licitação dos novos pedágios prestes a ser lançada, há questionamentos quanto à transparência do processo, uma vez que no site da ANTT ainda não constam documentos atualizados, como estudos de viabilidade técnica e definições de outras demandas recentes da extinta Frente Parlamentar do Pedágio, que foram fonte de uma recomendação do Tribunal de Contas da União (TCU) de outubro de 2022.
No Acórdão 2379/22, o TCU pedia, entre outros tópicos, a reavaliação de questões concernentes a desapropriações e ajustes na minuta contratual para garantir definições que evitem eventuais pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro em favor das concessionárias. Soma-se a isso as dúvidas de membros ativos nas discussões sobre o modelo dos pedágios quanto à correção das estimativas usadas para calcular as tarifas que irão a leilão, inicialmente baseadas em valores de 2021.
Órgãos como o Instituto Tecnológico de Transportes e Infraestrutura (ITTI) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) também pediam esclarecimentos quanto ao licenciamento ambiental e sobre como seriam definidas as atuações das concessionárias em áreas urbanas que precisam ser acordadas conforme os planos-diretores dos municípios.
No modelo escolhido para as novas concessões fica estabelecido que o critério de julgamento da empresa ou consórcio vencedor do leilão será o oferecimento da menor tarifa somado ao depósito de um aporte. No estudo econômico-financeiro que acompanha a minuta consta que levará o certame a empresa ou consórcio que oferecer a menor tarifa, sem limite de desconto.
No entanto, se o desconto ultrapassar os 18%, a condição é o pagamento do aporte em porcentagem equivalente ao desconto concedido, formando um fundo que poderá ser utilizado somente na própria concessão, para fazer obras não previstas, reequilibrar o contrato no caso de alterações nos valores de insumos fora do padrão ao longo dos anos de concessão ou, ainda, reduzir a tarifa caso o recurso não seja utilizado. Estas informações sobre o modelo haviam sido reveladas pelo ministro dos Transportes, Renan Filho, mas ainda sem detalhes sobre a progressão.
O estudo econômico-financeiro do lote 1, ainda não disponível publicamente, define que os trechos a serem leiloados terão tarifas a partir de R$ 0,10673 por quilômetro (ou R$ 10,67 a cada 100 quilômetros) para os trechos com pista simples e R$ 0,14943 por quilômetro (ou R$ 14,93 a cada 100 quilômetros) para os trechos com pista duplicada.
Pela estimativa, a praça de pedágio de São Luiz do Purunã, na BR-277, trecho entre Curitiba e Ponta Grossa, poderá cobrar no primeiro ano de concessão tarifa de R$ 9,18, chegando ao oitavo ano a R$ 10,06. Já a praça de pedágio da Lapa, na BR-476, pode começar cobrando R$ 12,11 e, depois de oito anos, passar a uma tarifa de R$ 14,93.
“O concessionário poderá reduzir a tarifa até onde achar que deve, só que o aporte terá uma curva mais suave. Não precisará de aporte antes de 18% de desconto na tarifa. Ou seja, o consórcio pode oferecer até 18% de desconto sem colocar um centavo na mesa”, explica João Arthur Mohr, gerente de Assuntos Estratégicos da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), que vem acompanhando os trâmites de negociação do modelo de licitação dos novos pedágios da parte do setor produtivo.
O depósito do aporte sobe conforme aumentar o percentual de desconto na tarifa. Entre 19% e 23%, a concessionária terá de depositar R$ 100 milhões por percentual de desconto dado. De 23% a 30%, R$ 120 milhões. E acima de 30%, R$ 150 milhões por ponto percentual. Segundo a ANTT, o modelo contempla a obrigatoriedade do aporte progressivo de forma proporcional ao desconto com o objetivo de coibir deságios excessivos no certame e garantir o comprometimento do proponente com a proposta.
Para João Mohr, o modelo deve tornar o processo mais competitivo.
“Esse modelo deve ser o padrão para o Brasil todo. Ele forma um sistema rodoviário composto por rodovias federais e estaduais, no qual o maior movimento das federais compensa o menor fluxo de veículos nas estaduais, ajudando a subsidiar as obras”.
João Arthur Mohr, gerente de Assuntos Estratégicos da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep)
No Paraná, dois terços das rodovias são do âmbito da União, enquanto um terço pertence ao Estado. Outro ponto de destaque na licitação dos novos pedágios é o fato de não haver outorga no modelo, dinheiro pago pelas empresas como contrapartida ao governo para ser usado em finalidades diversas, que não necessariamente as rodovias concessionadas. Diferente do que acontece em São Paulo, por exemplo, onde se define o preço e vence quem der o maior volume de outorga para o poder público.
“Esse modelo faz sentido em São Paulo porque existem rodovias alternativas para um mesmo trajeto, oferecendo infraestrutura semelhante. O usuário pode escolher a rota. Portanto, é preciso cobrar tarifas similares para evitar que a maior parte dos usuários migre, eventualmente, para uma rodovia com pedágio muito mais barato”, constata. É como se quem faz o trecho São Paulo-Campinas optasse somente pela Bandeirantes ou pela Anhanguera. “Imagine o que aconteceria com o comércio adjacente de uma rodovia se os usuários migrassem em sua maior parte para outra?”, questiona o especialista.
Quando publicado o edital, junto a ele é disponibilizado o Plano de Exploração Rodoviária (PER), que detalha as obras previstas. Entre o que se pode esperar dos dois primeiros lotes da concessão paranaense está a duplicação da BR-277 entre os municípios de Palmeira e Guarapuava; a transformação do Contorno Sul de Curitiba em quatro pistas, mais marginais; e a ampliação para três pistas do trecho que vai de São Luiz do Purunã até Paranaguá, com acostamentos e iluminação de serra. “Creio que vai ser um dos pedágios com obras com os melhores preços do Brasil”, acredita João Mohr.
Quando o Paraná voltará a ter pedágio?
Na página da ANTT na internet, consta que a publicação do edital de licitação dos dois primeiros lotes dos pedágios sai no segundo trimestre. E o leilão, no terceiro. A minuta traz a data de 21 de agosto como prevista para entrega das propostas e documentações dos concorrentes na B3, a Bolsa de Valores de São Paulo, e 24 de agosto como o dia de abertura dos envelopes.
Em entrevista recente à Rede Paranaense de Comunicação (RPC), filiada à Rede Globo, o secretário de Infraestrutura e Logística do Paraná, Sandro Alex, declarou que se pode esperar pedágios em funcionamento entre os meses de setembro e outubro deste ano.
A estimativa de João Mohr é um pouco diferente. “Mesmo que não haja recurso algum na Justiça, acho difícil a concessionária assumir em menos de dois meses depois da licitação. Há os trâmites legais com relação à análise de documentos, interposição de recursos e, depois disso, a necessidade de contratar as equipes que vão trabalhar”, cita. Para ele, o mais provável é ter as concessionárias operando mais próximo ao final do ano.
Cálculo parecido tem Roberto Gregório da Silva Junior, professor do Departamento de Transportes da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que participou das discussões sobre as concessões junto à Assembleia Legislativa com a representação acadêmica. Para ele, se não houver questionamentos de concorrentes fora do âmbito administrativo após o leilão, é possível que a licitação ocorra a contento e os pedágios estejam novamente ativos nos lotes 1 e 2 das concessões até o final do ano.
“Mas para isso ressalvo a importância de todas as questões estarem claras. Tem lacunas que precisam ser aprofundadas rapidamente porque, quanto mais tempo a gente protela essa falta de transparência, mais implica em prejuízos. Pode acontecer de publicarem o edital, alguma parte interessada se sentir prejudicada e arriscar judicializar um processo licitatório de tamanha relevância para o Paraná”, antecipa.
Quais são essas lacunas?
O deputado Arilson Chiorato (PT), que compôs a Frente Parlamentar sobre o Pedágio, afirma que uma das pendências é obter a resposta sobre a base financeira que vai compor as tarifas a serem lançadas no edital de licitação dos pedágios. “O que nos foi apresentado eram preços com base em valores de outubro de 2021. Mas não sabemos se as correções de lá para cá constarão na tarifa que virá para o leilão”, levanta.
O IPCA de 2022, previsto em 4,61%, acabou fechando em 5,79%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E a estimativa para 2023, que era de 3,43%, já está projetada para 5,98%.
Outro tópico questionado é com relação às recomendações feitas pelo TCU no Acórdão 2379/22, que determinava à ANTT atualização das informações cadastrais das rodovias, de forma que os interessados no certame tivessem ciência das reais condições das estradas, evitando questionamentos futuros. O documento também demandava que a agência incluísse os valores de desapropriações referentes a cada contrato e estabelecesse na minuta contratual como seria o tratamento dado a obras de terceiros decorrentes de acordos de leniência, entre outras demandas.
Roberto Gregório da Silva Junior, da UFPR, também argumenta que no site da ANTT não constam, por exemplo, documentos atualizados sobre cronograma das obras e estudos de viabilidade técnica e ambiental. “As informações públicas disponíveis até o momento não dão conta do que deve vir por aí”, afirma.
Além disso, outras questões que teriam sido trazidas à tona quando das discussões sobre as prerrogativas do contrato seguem sem resposta. “Os relatórios de licenciamento ambiental para as obras a serem realizadas, antes disponíveis, não constam mais, e não sabemos o que foi previsto. Também não há detalhamento sobre as desapropriações”, conta o pesquisador.
Os arquivos destes documentos disponibilizados no site da ANTT são referentes a 2021, utilizados quando da realização das audiências públicas sobre o processo da concessão. O pesquisador questiona, inclusive, uma atualização do mapeamento de riscos, suscitando dúvida se nele serão contemplados os recentes eventos de deslocamento de barreiras na região da Serra do Mar da BR-277 e afundamento de asfalto, por exemplo. “Será que esses riscos não vão implicar em maior custo? Permanece o mesmo do mapeamento? É algo que pode causar paralisação da via, perda de receitas e custo de recuperação maiores”.
Posicionamento da ANTT
A Gazeta do Povo perguntou à ANTT em que etapa estão os editais de licitação dos lotes 1 e 2 dos pedágios e, também, sobre a disponibilização dos documentos atualizados que devem embasar o certame previamente ao lançamento da licitação.
A agência informa que o edital do projeto de concessão do lote 1 das rodovias integradas do Paraná está em fase de análise pela Diretoria da ANTT e, do lote 2, em fase final de análise da área técnica para posterior envio para deliberação da diretoria colegiada.
A deliberação pela diretoria é critério necessário para a publicação do edital de licitação dos pedágios, assim como a assinatura do convênio de delegação das rodovias por parte do governo estadual ao governo federal.
A ANTT informa que a documentação referente aos editais será disponibilizada após aprovação pela diretoria e publicação no Diário Oficial, na área de downloads da página de cada projeto. Sobre os documentos atualmente disponíveis, de 2021, a agência esclarece que tratam-se dos estudos e minutas de documentos produzidos após a audiência pública e que foram submetidos à análise do TCU. Segundo a agência, após a publicação do Acórdão, os estudos e documentos foram revisados e atualizados, contemplando os ajustes necessários para a publicação do edital, que estarão disponíveis para acesso após aprovação da diretoria.
O órgão diz ainda que o modelo de fiscalização do cumprimento dos contratos de concessão ficará a cargo da ANTT, que utilizará seu escritório local para fiscalizar o trecho com apoio de fiscais de campo e de empresas supervisoras contratadas. Também está sendo discutido Acordo de Cooperação Técnica (ACT) com o governo do Paraná que permitirá troca de informações sobre o andamento dos contratos de concessão paranaenses. Além desse canal, a agência garante que o contrato prevê revisões periódicas em que a sociedade paranaense será ouvida.
O modelo de menor tarifa mais aporte é, por enquanto, proposto para os lotes 1 e 2 das concessões. As prerrogativas dos demais lotes, de 3 a 6, estão em fase de aprovação pelo TCU. A Gazeta do Povo questionou o tribunal quanto ao andamento da análise, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
A Gazeta do Povo questionou o Ministério dos Transportes e a assessoria da Presidência da República quanto aos protocolos de assinatura do convênio de delegação das rodovias e a agenda afirmada pelo governo do Estado, ainda sem retorno. A assessoria do governo do Paraná ressalta que as definições cabem ao governo federal, tendo confirmado tão somente a agenda que foi anunciada para esta quarta (3) pelo governador Ratinho Jr. em uma coletiva de imprensa.
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